
O tempo das discussões sobre o futuro da Igreja começou no dia 23 com a primeira das congregações entre os cardeais. E com elas também foi aberta a temporada das fofocas, intrigas e tentativas vindas do mundo exterior e de dentro da própria Igreja de influenciar a escolha do novo papa.
Um dossiê, que busca interferir na eleição, foi enviado aos cardeais com uma seleção de nomes – uma lista com 20 possíveis papáveis. “Eu pensei que ia encontrar a minha biografia ali, mas graças a Deus não a encontrei”, contou um dos cardeais ouvidos pelo Estadão.
Leia mais
Capela Sistina está quase pronta para Conclave que escolherá novo papa
Vídeo feito por IA viraliza ao mostrar papa Francisco com Jesus: milagre e selfie
A lista tinha um claro objetivo, segundo revelou um purpurado: o de querer influenciar, direcionar o voto dos cardeais que entram na Capela Sistina no próximo dia 7 para eleger o futuro pontífice. Buscava mostrar quem eram os cardeais “mais expostos”. Entre os cardeais citados no dossiê estava o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin.
Um dos cardeais contou que ficou impressionado com a qualidade da impressão do documento. “Ali tem muito dinheiro. Quem fez fez com gosto. É um totopapa (uma loteria papal)”, afirmou.
O cardeal incluiu a distribuição do dossiê entre “as bobagens” que começaram a circular recentemente sobre o conclave, como a fotografia publicada pelo presidente americano Donald Trump com as vestes papais em suas redes sociais. “É tanta bobagem…”, disse.
pic.twitter.com/x2HrR939tn
— The White House (@WhiteHouse) May 3, 2025
O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, se recusou a comentar anteontem o caso de Trump.
Segundo o cardeal ouvido pelo Estadão, as tentativas de influenciar o processo do conclave não vêm apenas de fora da Igreja.
“Vêm de dentro também. Tem influências internas que buscam de alguma forma criar uma atmosfera que não ajuda. Gente com saudade de um tempo que não existe mais. Nós não podemos nunca perder de vista que nós estamos no tempo e, como dizia o compositor e cantor, o tempo não para. E nós também não podemos parar no tempo.”
O incômodo com o assédio, segundo os cardeais, afeta “amplos setores da Igreja”, ou seja, parte tanto de conservadores quanto de progressistas. “Seja num sentido ou no outro. Os que querem ir avante e pedem coragem. O espírito de Deus é que age sobre nós. Se perdemos a dimensão da fé, vamos fazer outra coisa”, resumiu.
Oficialmente, os cardeais evitam abordar esse e outros temas polêmicos em público. Mas em pelo menos um caso o Vaticano se viu forçado a se manifestar. Foi para desmentir que o cardeal Parolin estava doente, como fora divulgado por uma publicação católica conservadora dos Estados Unidos.
Aos jornalistas, Matteo Bruni negou a hipótese de um mal-estar do cardeal Parolin, esclarecendo que nenhum episódio desse tipo ocorreu. Ele também negou a necessidade de intervenção por parte de equipe médica ou de enfermagem.
Parolin é um dos papáveis. Em 2013, quando o então cardeal-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, despontava como um dos fortes candidatos no conclave após a renúncia de Bento XVI, também circulou entre os cardeais a informação de que Bergoglio estava doente. Aproveitaram o fato de ele ter tido nos anos 1950 uma grave doença pulmonar para tentar influenciar o voto do colégio cardinalício.
Outras polêmicas
As polêmicas da fase pré-conclave envolveram ainda dois cardeais que não vão participar da escolha do novo papa. O primeiro foi o italiano Giovanni Angelo Becciu, que fora afastado por Francisco sob a acusação de malversação de fundos do Vaticano. Ele foi condenado em primeira instância e, após a morte do papa, manifestou seu desejo de ir a Roma, mas acabou desistindo após perceber que seria impedido.
Outro caso rumoroso envolve o cardeal peruano Juan Luis Cipriani, que compareceu às congregações apesar de ser acusado de abusos sexuais e de ter sido proibido por Francisco de usar hábitos ou símbolos cardinalícios.
Oficialmente, os cardeias procuram afirmar a existência de um clima harmônico entre seus pares, mesmo sabendo que muitos vêm de realidades diferentes e com formas particulares para lidar com as angústias dos fiéis e com a crise da Igreja.
“É um desafio que estamos enfrentando com alegria”, afirmou o cardeal-arcebispo de Brasília, d. Paulo Cezar Costa, para quem o próximo papa deve ser “um papa dos nossos tempos, que fale ao homem, à mulher, ao ser humano de hoje”.
D. Paulo afirmou que “ouve falar”, nos bastidores da Igreja Católica, sobre um próximo papa com perfil “conciliador”, assim como Francisco.
Já d. Odilo Scherer afirmou neste domingo, após rezar missa na Igreja Sant’Andrea al Quirinale, que os cardeais se conhecem suficientemente para votar. “Não é de agora que eles estão pensando em quem votar. Isso já vem de mais tempo.” O que significa que o espaço para manobras como a do dossiê seria pequeno.
“É muito bonito nesses dias poder colher as diversas manifestações, posições, compreensões distintas, marcadas pela cultura e pela formação de cada um, mas ao mesmo tempo o desejo, a intenção de cooperar para buscar a unidade. E que seja a pessoa certa para o tempo certo”, afirmou o cardeal-arcebispo de Porto Alegre, d. Jaime Spengler.
Os cardeais negam a influência das intrigas, mas elas existem e são tão antigas quanto a instituição que elas procuram influenciar.