
Há 88 anos a Micareta de Feira de Santana segue sendo uma grande festa, que conta inúmeras histórias e curiosidades da cultura e da arte da população. Entre tantas tradições estão as majestades do evento, que são o Rei Momo, a Rainha e as Princesas da folia. Juntos, a cada edição, eles formam a realeza do maior e mais antigo carnaval fora de época do Brasil.
Quem ajuda a puxar esse fio da memória é Edson Batista, o Edinho, que durante 37 anos coordenou o concurso de Rainha e Princesas da Micareta e foi também Chefe de Eventos da Secretaria de Cultura do município.

Em entrevista ao Acorda Cidade, ele compartilhou memórias, bastidores e detalhes sobre o surgimento dessas figuras que fazem parte do imaginário popular da folia feirense.
Ferreirinha: o primeiro Rei Momo da festa
Edinho relembra Milton Ferreira da Silva, o “Ferreirinha”, primeiro Rei Momo da festa. Ele atuava no carnaval de Salvador e também era contratado para animar a Princesa do Sertão. A história desses personagens é feita de simbolismo, beleza, dedicação e, claro, algumas boas fofocas e confusões dignas da mais animada corte.

Mas de onde vem o Rei Momo?
O personagem do Rei Momo tem origem curiosa: vem da ‘Deusa Momo’, personagem da mitologia grega que abrangia bastante sarcasmo e ironia e, por conta disso, acabou sendo expulsa do Olimpo. A figura foi ganhando novas roupagens com o tempo, até ser incorporada ao carnaval brasileiro. No Brasil, surgiu primeiro como boneco de papelão, em 1910, numa opereta do primeiro palhaço negro Benjamim de Oliveira. E ganhou forma humana na década de 1930, no Rio, pelas mãos do cronista Francisco de Moraes Cardoso.
Em Feira, a ideia de realizar concursos formais de Rei Momo e Rainha surgiu com o jornalista Oydema Ferreira, filho de Manuel da Costa Ferreira, o Maneca Ferreira, que dá nome ao circuito da festa.
“Oydema Ferreira, jornalista, criou o concurso de Rei Momo, que foi realizado no Feira Tênis Clube e quem ganhou foi Hilquias Carvalho e a rainha Silene. A partir dessa iniciativa começamos a fazer os concursos de Rei Momo. Ontem o Rei Momo era obeso, era muito gordo, mas hoje não tem nada mais a ver isso, porque no regulamento interno da secretaria reza que o rei Momo pode ser a partir dos 18 anos e pesar 80 quilos”, contou Edinho.

Oscar Marques, outro grande incentivador da Micareta, empresário, político e comunicador da Rádio Cultura, trazia roupas de luxo diretamente do Rio de Janeiro para a folia. Depois dele, houve muitos outros agentes culturais importantes da época que deram fôlego a Micareta, como Juca Dias, Oswaldo Cruz e Charles Albert.
Há 80 anos muita coisa na festa era diferente, até o mesmo o circuito que já foi alterado por diversas vezes. A certeza mesmo é a alegria dos foliões quando caem na avenida.
“Na época, os carros alegóricos saíam da estação de trem, que hoje é o Feiraguay. Percorria a Conselheiro Franco, passava na casa do coronel Froes da Mota, depois retornava pela Senhor dos Passos, dobrava a Praça da Madeira, ia para a Conselho Franco e terminava, hoje um dia, no Feraguay, onde era a estação de trem. Eu sei tudo isso porque minha mãe foi rainha dos comerciários quando trabalhava no Café Paulino, quando o senhor Agnaldo Boaventura foi prefeito da nossa cidade”, revelou.

Na época, antes mesmo dos trios elétricos, os presidentes que faziam a Micareta, antes mesmo de se tornar um evento de responsabilidade do município, trazia os chamados, “Mercadores de Bagdá”, homens fortes, malhados, que faziam apresentações e toda a cidade parava para ver.
“Como era tudo tão lindo! E sem desmerecer as escolas de samba, de Socorro, Malandros do Morro, da Baraúnas, que meu tio me conta. A Ali babá e os 40 Ladrões, que era realizada pelo pessoal de Carlitos.”
Rainhas, bilhetes e rivalidades
A história das Rainhas e Princesas também tem seus capítulos curiosos. Antes dos concursos como conhecemos hoje, a escolha era feita por indicação e venda de bilhetes. Cinco mulheres de famílias tradicionais da cidade, provavelmente com bom valor aquisitivo, eram escolhidas por personalidades da sociedade feirense. Entre elas, quem vendesse mais bilhetes para fazer a Micareta, seria escolhida Rainha.
Mais tarde, o modelo mudou. “Foi Oydema que determinou esse concurso junto com o do Rei Momo para ser escolhida também a Rainha da Micareta através de um concurso com corpo de jurados de qualidade, de conhecimentos.”

Apesar da elegância da coroa, nem tudo foi glamour. Edinho lembra com bom humor de episódios marcantes nos bastidores. Em um dos concursos, que aconteceu no antigo Feira Tênis Clube, houve uma confusão entre as candidatas.
“Quando uma garota ganhou para Rainha da Micareta, escolhida pelo júri, as perdedoras foram ao camarim e jogaram a roupa da menina para o outro lado da rua. Jogaram até no vaso sanitário as roupas, os sapatos dela, foi um vexame”, contou Edinho.
E não para por aí: “Teve meninas que perderam, e num concurso realizado numa casa de eventos em Feira de Santana, pegaram os celulares dela, e a secretaria teve até que pagar.”

Houve também um Rei Momo que deu bastante trabalho, mas com toda elegância do mundo, Edinho preferiu não dizer quem era a peça rara.
“Me deu muito trabalho. Chegou ao ponto até de eu querer desistir por causa dessa figura, muito indisciplinada, mas os outros não. Todos foram disciplinadíssimos. Tínhamos uma segurança de primeira qualidade, que é a pessoa da minha família, meus sobrinhos, não trabalho com estranhos, porque são filhas dos outros e, a partir daquele momento, elas passam a ser minhas filhas.”
Edinho não só organizou concursos. Foi maquiador, coordenador, cuidador e, como ele mesmo diz, uma figura quase paterna para as jovens que passaram pela corte. Para ele, a Micareta sem sua corte não está completa. Sem as realezas vão faltar a beleza, o carisma, o sorriso e o principal, a alegria que faz a festa.

“Eu desfilava também com as fantasias de Charles Albert e André Signoré, na qual fiquei com o Vaqueiro ao Luar de Prata, em segundo lugar em Recife, no Baile Balmasquê, no Clube Internacional e Carnavalito era uma fantasia de originalidade, fiquei em primeiro lugar no Clube Militar em Campinas. […] Por favor, não maltrate esse concurso que eu amei tanto, que eu fiz tanto, deixei-o não porque estou cansado, acho que não dá mais. Eu não quis mais. Eu vi dessa forma. O sol nasceu para todos e ninguém é insubstituível. Eu só sei dizer que eu fiz, e fiz de um modo tão bonito que até hoje me aplaudem”, completou.
Com informações da produtora Iasmim Santos do Acorda Cidade
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