Brasil precisa mais que superávit: falta controle real da trajetória fiscal, diz especialista

A recente atualização das contas públicas mostrou um comportamento fiscal marcado por sinais mistos. De um lado, houve melhora no resultado primário — o que indica um certo esforço de contenção de gastos e avanço das receitas, sobretudo entre os entes regionais. De outro, os juros apropriados continuam em patamares elevados, o que impede qualquer reversão consistente da tendência de crescimento da dívida pública brasileira.

O superávit primário observado foi impulsionado principalmente pela performance dos governos subnacionais, em especial os municípios, que conseguiram reverter déficits anteriores e registrar saldos positivos. Isso contribuiu para uma ligeira redução no déficit primário acumulado em 12 meses. No entanto, essa melhora é neutralizada — e até superada — pela magnitude dos juros nominais apropriados, que continuam sendo o principal fator de corrosão da política fiscal brasileira.

Fiscal no radar: juros altos anulam esforço primário e empurram déficit nominal

Enquanto o resultado primário sinaliza um esforço, ainda que parcial, de consolidação, os juros nominais se mantêm como o principal fator de expansão do déficit nominal. A relação é direta: mesmo superávits modestos não têm sido suficientes para conter o avanço do déficit nominal, que se aproxima dos 8% do PIB, pressionando a trajetória da dívida.

Segundo análise da Warren Investimentos, o déficit nominal segue elevado justamente porque o custo de carregar a dívida pública brasileira continua alto. Essa realidade impõe um desafio adicional: não basta melhorar o resultado primário — é preciso enfrentar o custo estrutural do endividamento e seu impacto sobre a sustentabilidade fiscal.

De olho no fiscal: dívida líquida avança, apesar de recuo na dívida bruta

Outro ponto de atenção é o comportamento desigual entre os dois principais indicadores de endividamento: a dívida bruta do governo geral (DBGG) e a dívida líquida do setor público (DLSP). A DBGG, métrica observada de forma mais ampla por agências internacionais, registrou leve recuo em relação ao PIB. Isso foi viabilizado por fatores conjunturais como a valorização cambial, resgates líquidos e o crescimento nominal do PIB, que contribuem para “diluir” o peso da dívida.

Já a dívida líquida — que leva em conta o passivo deduzido dos ativos financeiros — voltou a subir. O avanço desse indicador reflete principalmente o peso dos juros apropriados e a própria deterioração do déficit nominal, que continua absorvendo os ganhos ocasionais da arrecadação e do desempenho econômico.

Felipe Salto: cenário segue desafiador e requer ação estrutural

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o cenário exige atenção redobrada. Embora o resultado primário tenha melhorado pontualmente, a política fiscal brasileira segue pressionada por fatores estruturais, especialmente o elevado custo da dívida.

O superávit primário ajuda, mas não é suficiente para mudar a dinâmica da dívida. Os juros nominais continuam extremamente altos e são hoje o principal vetor de deterioração fiscal”, afirma Salto.

Segundo ele, mesmo que os dados atuais tragam sinais de recuperação nos entes subnacionais, a sustentabilidade das contas públicas só virá com medidas estruturais duradouras. Isso inclui controle firme das despesas obrigatórias, reformulação do sistema tributário e um novo marco de responsabilidade fiscal que seja crível e transparente.

Enquanto o Brasil não enfrentar o problema estrutural dos gastos e da rigidez orçamentária, não conseguiremos reduzir a dívida líquida em bases consistentes. A dívida bruta pode cair pontualmente, mas a trajetória estrutural continuará ascendente”, reforça o economista.

Salto também alerta para o risco de acomodação do governo frente a dados pontualmente favoráveis. Para ele, é necessário manter uma postura técnica e anticíclica, que considere o impacto dos juros reais elevados sobre o estoque da dívida, especialmente em um ambiente de crescimento econômico ainda modesto e de arrecadação potencialmente volátil.

Os governos regionais foram os principais responsáveis pela melhora do resultado primário. Estados e municípios têm se beneficiado de uma combinação de fatores como receitas extraordinárias, transferências federais e arrecadação ainda firme em alguns setores, especialmente nos grandes centros urbanos. No entanto, essa performance não é garantida para os próximos trimestres, uma vez que parte das receitas está sujeita à volatilidade da economia nacional e da dinâmica federativa.

A melhora nos entes regionais, embora positiva, não resolve os desafios centrais do governo federal, que concentra os maiores déficits e o maior volume de despesas obrigatórias. O risco, segundo especialistas, é que o esforço primário se mantenha concentrado nos entes subnacionais, enquanto a União continue sem sinalizar um plano crível de médio prazo para estabilizar a dívida.

Superávit pontual, cenário estrutural ainda frágil

Apesar do avanço nas contas públicas observado em março, os dados confirmam que o ajuste fiscal brasileiro está longe de ser sustentável. A leve redução no déficit primário e a queda pontual da dívida bruta não alteram o quadro estrutural de desequilíbrio. Juros altos, rigidez orçamentária e falta de controle efetivo de despesas seguem como obstáculos centrais.

Para analistas como Felipe Salto, o governo precisará combinar responsabilidade fiscal com coragem política para aprovar reformas e adotar medidas que de fato alterem a trajetória de endividamento. Sem isso, o Brasil seguirá preso a um ciclo de alívio pontual e deterioração progressiva.

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