O ginásio da comunidade Maravalha, em Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari (RS), que acolheu desabrigados durante a pior tragédia socioambiental do estado, em maio de 2024, voltou a ficar cheio nesta quinta-feira, 1º de maio de 2025. Pessoas que haviam sido acolhidas durante a enchente, foram ontem ao local para homenagear quem não teve a mesma sorte, agradecer pela vida e reivindicar seus direitos por recuperação das estradas, das pontes, da terra, de moradia e de memória dignas.
No salão do ginásio, o barco usado para salvamento foi adornado com um cartaz em homenagem a papa Francisco, recém falecido, e os símbolos que foram trazidos pela população: pás, botas, vassouras e demais instrumentos utilizados para a limpeza das casas e galpões após a inundação. Bolos e pães produzidos pelas mulheres que se reúnem para qualificar o alimento e a produção econômica de um grupo em construção em Maravalha foram partilhados na mesa comum. A árvore feita de corações de crochê – arte criada em meio ao sofrimento, esteve em destaque. Morangas, milho, mudas e sementes que seguem brotando, reforçaram o esperançar diante das emergências climáticas.

“Vamos continuar lutando pelo que é nosso, pelo que nossos pais construíram. A terra é fértil, vamos reconstruir… um tijolo por vez”, disse Daniela Antunes Maciel, liderança da região, que na condição de atingida esteve entre os abrigados naquele local. Estava de volta ao ginásio também o bebê recém batizado, de um ano atrás, que adoeceu após as inundações. Vieram voluntários e voluntárias que ajudaram a salvar muita gente junto com integrantes da Defesa Civil, assim como profissionais e voluntários de assistência social e saúde, que prestaram atendimentos em meio à tragédia.
Ao entrar no ginásio, muita gente se emocionou. “Este foi o cantinho em que fiquei naqueles dias”, recordou um morador de São Miguel, apontando para um pedaço de chão junto à parede do local.
No auge da enchente, depois de serem resgatadas de cima de árvores e casas, as pessoas chegavam encharcadas, assustadas, dizendo: “Perdi tudo. O que eu vou fazer agora?”, descreveu Arlete Solene da Rosa, moradora de Maravalha que também foi atingida pelo desastre e organizou o acolhimento no ginásio. Arlete lembrou que as pessoas eram recebidas com um abraço e palavras de empatia. “Primeiro, vamos tirar essa roupa molhada. Depois, você vai comer”, dizia a quem chegasse.

Para Arlete, que é liderança na comunidade e integrante do Projeto “Cáritas nas Emergências: Comunidades Mobilizadas no Enfrentamento às Mudanças Climáticas”, a vida de moradores e moradoras do Vale do Taquari se divide em dois marcos: antes e depois da enchente. “Vai demorar muitos anos para que todos possam se reerguer de verdade e recuperar o que já tiveram um dia, mas o mais importante nós temos, que é a vida, e um ao outro; principalmente o abraço carinhoso que fez tanta diferença naqueles momentos tão terríveis, e que faz diferença até hoje”, reflete.
“Estamos aqui para fortalecer a fé, a esperança e a solidariedade, e para dizer para as famílias que estamos caminhando juntos desde o início e vamos continuar caminhando com a Missão Sementes de Solidariedade”, falou Maurício Queiroz, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ao som das músicas de Antônio Gringo e Regina Wirtti, todos deram as mãos e cantaram. Junto com o bispo da Diocese de Santa Cruz do Sul, Dom Itacir Brassiani, com o padre Alfonso Antoni e com o diácono Bernardo Hecke fizeram preces e ouviram bênçãos sobre objetos retirados das águas. Compartilharam alimentos e viram suas crianças brincarem no cenário que antes tinha testemunhado a tristeza.

“Estas comunidades estavam invisibilizadas. Estamos diante de uma realidade ainda muito exigente: as casas, a terra, as estradas, as pessoas precisam ser reconstruídas. É preciso pensar estratégias de proteção radical das famílias que são moradoras de áreas de risco”, afirmou Marilene Maia, da Cáritas Regional RS. O vice-prefeito de Cruzeiro do Sul, Carlos Spiekermann, e o presidente da Câmara de Vereadores, Júlio César Scheeren, acompanharam todo o encontro.
O evento teve o apoio de organizações e entidades integrantes da Campanha Missão Sementes de Solidariedade, entre elas a Rede Cáritas através do projeto “Cáritas nas Emergências”, o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Escola de Jovens Rurais e a Comissão Pastoral da Terra. Também participaram a Emater/Ascar, a Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul e a Paróquia São Gabriel Arcanjo.
