Review Granblue Fantasy: Relink | Muita gordura para pouca carne

Review Granblue Fantasy: Relink | Muita gordura para pouca carneDurval Ramos

Quando joguei Granblue Fantasy Versus, no final de 2023, fiquei genuinamente interessado na franquia. Nunca tinha visto nada sobre ela e o pouco que o game de luta apresentou sobre personagens e seu universo me deixou curioso para ver mais desse mundo — e o RPG programado para chegar aos consoles poucos meses depois parecia ser a oportunidade perfeita de apresentar essa saga. Contudo, no fim das contas, a Cygames parece não estar interessada em jogadores como eu, que estão chegando agora.

Isso porque, ao contrário do que o bom senso aponta, Relink não é uma porta de entrada para a série e tampouco uma recapitulação ou versão definitiva daquilo que o Granblue Fantasy original apresentou em sua versão mobile no Japão. O novo game é, na verdade, uma continuação de uma história que o Ocidente inteiro desconhece e, pior, que parece dar as costas a quem está conhecendo a série — quase como se dissesse que minha presença, como novato, não é bem-vinda aqui.

É uma abordagem bem bizarra e que afeta demais a experiência geral de um título que tem um uma jogabilidade bastante divertida e variada, mas que não sabe aproveitar isso pelo simples fato de alienar quem está chegando a Granblue pela primeira vez.

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E, levando em conta que o verdadeiro ouro de Relink está no seu conteúdo pós-game, com todas as missões adicionais voltadas para o multiplayer e o mar de elementos desbloqueáveis, aguentar uma campanha que dura entre 15 e 20 horas que está claramente não dando a mínima para engajar o jogador se torna um suplício e tanto.

Ninguém se importa

Você pode argumentar que Granblue Fantasy: Relink não é mesmo um game de introdução, mas um capítulo intermediário de uma série que está completando 10 anos e que, por isso mesmo, não faz sentido que o jogo seja algo introdutório. Afinal, ninguém vai assistir a Velozes e Furiosos 10 esperando que os personagens sejam apresentados de novo.

É um argumento que até faria sentido se estivéssemos falando se fosse uma franquia que estivesse disponível por aqui durante todo esse tempo. Granblue Fantasy nasceu em 2014 para Android, iOS e navegadores no Japão, mas nunca chegou ao Ocidente. Se você procurar pelo jogo em seu smartphone, simplesmente não vai encontrar.

Por isso mesmo, Relink é o primeiro game da série a chegar de fato ao grande público neste canto do globo — além de ser a estreia do RPG nos consoles depois de duas passagens pelo mundo dos jogos de luta. Então, não é errado da minha parte embarcar nessa viagem sem conhecer nada ou ninguém.

E por que isso é tão incômodo? Porque o novo Granblue Fantasy é simplesmente uma aventura que o jogador pega pela metade. Imagine como um seriado que você começou a ver pela segunda temporada, em que há um universo de personagens que você não conhece interagindo e se referindo a eventos importantes que você desconhece. Como se envolver e se importar com qualquer uma dessas coisas?

Parece uma implicância barata, mas essa falta de cuidado com o público que está chegando agora (e, repito, é a estreia da franquia enquanto RPG nos consoles) simplesmente impede que você se importe minimamente com os heróis ou com o que está acontecendo. Por que o protagonista Gran é tão obcecado por Lirya? Quais são os poderes da garota? Qual a ligação que toda a tripulação tem com o jovem capitão? Não importa.

Verdade seja dita, Relink traz uma opção de contextualização, mas que é feita de maneira tão preguiçosa que seria melhor fingir que não existe. Os Episódios do Destino trazem um grande resumo da jornada de cada um dos 19 personagens, mas isso é feito na forma de um longos textos que, de tão chatos, oferecem prêmios para quem ler. É como se o jogo dissesse para você ir na Wikipedia se inteirar da história ao invés de criar uma solução mais receptiva para os novos jogadores.

Essa incapacidade de Granblue Fantasy: Relink de criar uma experiência amigável para novatos esvazia demais a campanha e deixa claro como, no fim das contas, a história de Gran e a tripulação da nave Grandcypher é apenas uma enorme gordura para aquilo que a Cygames está realmente oferecendo.

Falaremos um pouco sobre a verdadeira carne em breve. Por ora, continuemos batendo na gordura.

Uma campanha como desculpa

Sem conseguir engajar o jogador em sua história, a aventura principal de Granblue Fantasy: Relink acaba sendo esvaziada para o puro suco do JRPG genérico. Um herói sem carisma de bom coração, um pet engraçadinho, uma mocinha de passado misterioso e um grupo bastante variado viajando por um mundo de fantasia medieval povoado por três ou quatro raças distintas enquanto veem surgir uma ameaça que pode destruir o mundo todo. Você já viu essa história infinitas vezes e não vai encontrar nada de diferente por aqui.

E é realmente injusto resumir o jogo apenas a isso, mas é o que a própria Cygames faz quando aliena o jogador de toda a riqueza que esse mundo oferece.

O meu interesse por Granblue nasceu justamente das pequenas pitadas de história que Versus: Rising havia deixado. Fiquei curioso e queria saber mais sobre a mitologia deste universo. As bestas primevas, a relação de Lirya com esses seres e o próprio vínculo de Gran com esses elementos é algo interessante, mas que Relink trata como se fosse de conhecimento comum, sem saber trazer o público para dentro dessa história.

Isso faz com que, como dito, a campanha toda seja uma enorme gordura de 20 horas feita para você testar os personagens que serão usados no pós-game, que é onde o real interesse do estúdio se encontra. Só que, ao seguir por essa estratégia, ela afasta o jogador — para não dizer que o perde de vez.

Ao contrário de boa parte dos JRPGs, Granblue Fantasy: Relink permite que você controle qualquer um dos 19 personagens ao longo da campanha, não se limitando ao herói Gran em momento algum. Isso é muito positivo não só pelo fato de o protagonista ser completamente sem graça, mas porque o elenco é bem variado e conta com mecânicas bem distintas, mostrando que a verdadeira força do game está mesmo em sua jogabilidade.

Personagens como Katalina e o próprio Gran são mais equilibrados e combinam bem força e agilidade na espada. Já Lancelot ataca com muita velocidade com seus golpes de gelo, enquanto Percival é o porradeiro de fogo. Há ainda figuras que mesclam suporte e magias elementais, como Io, e aqueles que usam armas de fogo e atacam à distância, como Rackan e Eugen.

Toda essa variedade é bem sentida no gameplay e a campanha serve justamente para que você teste esses diferentes estilos até encontrar um boneco que se encaixe no tipo de jogo de sua preferência. É um caminho bem interessante e que dá valor a uma campanha tão negligenciada.

Por outro lado, o fato de o jogo não entregar nenhum contexto sobre quem é quem nesse universo dificulta que você sequer saiba quem funciona de que maneira. Assim, das duas, uma: ou você vai na tentativa e erro (e muita persistência) até encontrar alguém que se adeque ao seu estilo ou você vai usar todos os pontos de maestria e recursos para otimizar as habilidades de Gran, voltando a limitar Relink a um JRPG qualquer.

Frenético e muito divertido

Se você conseguir vencer toda essa gordura que Granblue Fantasy: Relink apresenta, chega à carne, a parte que realmente faz com que o jogo seja interessante. Enquanto a campanha parece querer afastar o jogador e todo momento, a jogabilidade frenética é o que faz com que a persistência valha a pena.

Toda a mecânica de combate do game é muito divertida, explorando todo o caos e o frenesi que um bom RPG de ação exige. Além de cada personagem contar com um tipo de atuação diferente nos confrontos, há um número bem significativo de habilidades para serem exploradas e que tornam as lutas bem ricas tanto no campo estratégico quanto da boa pancadaria.

A lógica por trás dos combates lembra bastante Genshin Impact, em que o uso dos golpes especiais é ditada pelo tempo de carregamento desses ataques do que uma barra de MP ou coisa parecida. Assim, você não se preocupa em economizar recursos e pode usar e abusar desses poderes únicos — o que faz com que os embates virem um verdadeiro show de luzes e efeitos.

Aliás, a comparação com o título da miHoYo é bem pertinente, pois há outras semelhanças em Granblue. Embora o RPG da Cygames tenha aberto mão das mecânicas de gacha existentes no jogo original, toda a dinâmica de evolução dos personagens lembra muito o que Genshin também apresenta.

Os pontos de maestria são compartilhados entre todos os bonecos e você precisa fazer e refazer várias vezes as missões para poder evoluí-los, ganhando novas habilidades ou melhorando seus atributos. Além disso, são vários tipos de pontos e moedas que você deve coletar para desbloquear armas e upgrades — e é aí que está o charme de Relink.

Isso porque, assim como em Genshin Impact, Granblue Fantasy também se sustenta na base do grind e do farm. E, enquanto essas práticas costumam ser muito chatas na grande maioria dos JRPGs, Relink usa muito bem seu componente multiplayer para transformar esse suplício do gênero no que há de melhor no jogo.

Toda essa coleta de recursos para evoluir seus personagens é feita a partir dessas missões paralelas à campanha e que podem ser realizadas ao lado de outros jogadores. E esse componente social de você formar uma equipe e ir para a pancadaria nesse ritmo frenético e alucinado funciona muito bem, principalmente se está entre amigos. Tão bem que você não sente a repetição e nem o peso de ficar coletando moedas e cristais.

É o verdadeiro filé mignon que toda essa capa de gordura esconde. E a Cygames está bem ciente disso, tanto que não faz esforço algum para esconder que o que eles queriam mesmo desenvolver era essa experiência multiplayer. Tanto que, quando você termina a campanha é que libera um caminhão de missões e conteúdos para serem desbloqueados, quase como se falasse “Vai lá, agora é que o jogo que a gente quer começa de verdade”. E é quando Granblue Fantasy: Relink fica genuinamente divertido.

Granblue Fantasy: Relink vale a pena?

A analogia de Granblue Fantasy: Relink com um pedaço de carne é perfeita, pois ilustra muito bem como a franquia de RPGs chega aos consoles. A Cygames tentou se afastar de suas mecânicas de gacha e se aproximar de uma experiência mais tradicional de JRPG, mas a verdade é que a parte mais legal e interessante do game está na essência que a série já trazia do mobile.

Toda a parte de evolução de personagem e o foco no multiplayer para a realização dessas missões é o que dá sabor ao jogo. Ainda que os servidores tenham sofrido com algumas instabilidades durante os testes — mesmo estando bem vazios, diga-se de passagem —, é muito divertido formar uma equipe com outros jogadores e mergulhar no frenesi e na loucura dos combates com seus amigos. É algo que te faz querer mais desse universo.

Só é uma pena que, para isso, o jogador tenha que encarar duas dezenas de horas de gordura insossa pelo simples fato de que ninguém no estúdio se preocupou em fazer um roteiro decente. Não é que a história seja ruim, mas ela não consegue engajar quem não conhece a franquia. É chato porque não há o mínimo esforço para que você se interesse por nada.

Não importa se Granblue é um colosso no mobile japonês. Se a ideia é levar a franquia para novos públicos, é preciso criar um ponto de entrada para que o jogador se afeiçoe àquela história e mergulhe em sua mitologia e queira dedicar horas de sua vida àquela trama. E é nisso que Relink tropeça — algo que pode prejudicar até a parte mais suculenta do game. Afinal, com tanta gordura, não é difícil imaginar que o jogador abandone o prato antes de chegar de fato ao filé. E, em um mês em que os fãs de JRPG têm um cardápio de grandes banquetes, com Persona 3 Reload e Final Fantasy 7: Rebirth, esse é um erro imperdoável.

Granblue Fantasy: Relink chega para PS4, PS5 e PC no dia 1º de fevereiro.

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