No dia 1º de maio, quando se celebra o Dia do Trabalhador, entes e agentes culturais do Distrito Federal foram mais uma vez surpreendidos pelo que entendemos ser o descumprimento da Lei Orgânica da Cultura (LOC) por parte do Governo do DF.
Como se não bastasse, a retirada de milhões do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), realizada no início do ano, 2025, após o debate orçamentário, já havia comprometido o fomento cultural e o acesso dos trabalhadores a esses recursos essenciais. Agora, em vez de publicar os editais previamente debatidos e aprovados, como determina a legislação, a Secretaria de Cultura divulga apenas uma minuta, ainda sujeita a aprovação — justamente no dia em que deveríamos estar celebrando conquistas trabalhistas, incluindo o direito ao fomento cultural.
Temos, mais uma vez, um atraso. Enquanto artistas, produtoras, técnicos, agentes e entes culturais se desdobram para manter viva a cena cultural do DF, o governo entrega o que entendemos ser mais um “presente de grego” ao setor: atrasos sistemáticos nos repasses, ausência de cronogramas claros nas políticas de fomento e, mais uma vez, a impressão de que se tenta “empurrar os problemas para debaixo do tapete.”
A nota de repúdio divulgada por representantes do setor cultural indica o esgotamento diante de uma postura que parece ignorar as necessidades reais dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Os recursos conquistados com esforço coletivo, por meio do FAC e de outras linhas de fomento, seguem, segundo relatos recorrentes do setor, sendo represados — o que prejudica a execução de projetos, enfraquece a cadeia produtiva e compromete o acesso da população à cultura, que é um direito constitucional.
Não estamos falando de um setor qualquer.
A cultura no DF é feita majoritariamente por profissionais autônomos, informais e altamente qualificados, que dependem das políticas públicas para executar seus trabalhos. Acompanham editais, se organizam em coletivos e conhecem profundamente os mecanismos legais que garantem seu fazer artístico.
O discurso da “falta de tempo” para diálogo não cola: a Secretaria de Cultura teve espaço e tempo suficientes para consultar, debater e construir propostas de forma transparente, se assim quisesse. A manobra mais recente — a publicação de minutas de editais em vez dos editais aprovados, como determina a LOC em seu Artigo 64 — mostra que a gestão tem preferido jogar com a paciência do setor em vez de respeitá-lo.
A lei é clara: os editais devem ser previamente debatidos e aprovados, não apenas expostos em formato preliminar para ganhar tempo.
Compreendemos que o uso de processos supostamente participativos como cortina de fumaça é, na prática, uma forma de adiar a entrega de recursos públicos aos entes e agentes culturais.
Art. 64, §3º – A gestão do FAC observa o seguinte calendário anual:
I – até 31 de janeiro, é publicado o saldo do exercício anterior;
II – até 30 de abril, é lançado o primeiro bloco de editais, contendo todo o saldo do exercício anterior adicionado da metade da previsão orçamentária do exercício em curso, incluindo-se o disposto no art. 66, II;
III – até 31 de agosto, é lançado o segundo bloco de editais, com todo o saldo restante do exercício em curso, incluindo-se o disposto no art. 66, II.
Art. 66 – O FAC (Fundo de Apoio à Cultura) será regido por um regulamento específico e a execução dos editais obedecerá aos seguintes critérios:
I – O lançamento de editais será feito de acordo com a previsão orçamentária aprovada para cada exercício financeiro, observando-se os saldos do exercício anterior e o que for disponível no orçamento do exercício em curso.
É preciso reforçar: o Estado não faz cultura, ele fomenta. E quando falha nesse papel, ataca diretamente o direito à cultura previsto na Constituição.
Precarizar o acesso ao fomento é precarizar toda a cadeia produtiva — da criação à fruição — e impedir que a comunidade tenha acesso ao que é seu por direito.
Por fim, vale lembrar: todos os recursos ligados às políticas públicas de cultura são conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Não são favores, mas políticas públicas construídas com esforço, organização e resistência. Não podemos aceitar que sejam tratadas com descaso ou que nossos direitos sejam continuamente adiados.
“A Lei Orgânica da Cultura é inegociável. Qualquer tentativa de flexibilização ou retrocesso será enfrentada com firmeza por quem constrói e sustenta a cultura no Distrito Federal.”
*Rita Andrade é artista e produtora cultural com trajetória no segmento do audiovisual. Graduada em Arte-Educação pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Mestranda em Políticas Públicas e Governo, e especialista em Gestão Humanizada de Gestores, ambos pela FGV.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
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