Neste 1º de maio, um mês após maior breque nacional, entregadores fazem plenária para definir nova greve

Neste 1º de maio, Dia dos Trabalhadores, a maior greve nacional feita por entregadores de aplicativos completa um mês. Houve ações em ao menos 70 municípios, incluindo um ato com 2 mil motociclistas na porta do iFood em Osasco (SP). É também nesta quinta (1º) que uma plenária virtual deve definir a data do próximo breque. 

Faixas denunciando a precarização do trabalho uberizado serão penduradas em pontos estratégicos das cidades no feriado. Entregadores também participam de atos convocados pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que defende o fim da escala 6×1.   

A nova paralisação da categoria já estava em vista, mas ganhou novo ar de urgência depois que, na última terça (29), o iFood anunciou um aumento da taxa mínima por corrida que foi considerado “patético” pelo Comando Nacional do Breque, grupo formado por lideranças de 60 cidades. 

Atualmente, entregadores recebem o valor mínimo de R$ 6,50 por corrida. Eles reivindicam que as plataformas paguem R$ 10. O iFood informou que, a partir de junho, vai aumentar R$ 0,50 para quem faz entrega de bike e R$ 1 para quem usa moto. O reajuste anunciado pela empresa é aproximadamente um quarto do que é reivindicado pelos entregadores. 

Em nota pública, o Comando Nacional do Breque deu até este  1º de maio para o iFood “abrir uma mesa de negociação” ou até 1º de junho para “atender integralmente todas as pautas da categoria”. 

Além da taxa mínima de R$ 10, os grevistas demandam o aumento da remuneração de R$ 1,50 para R$ 2,50 a cada quilômetro rodado; o limite de um raio de 3 quilômetros para entregas feitas em bicicleta; e o pagamento integral por corrida mesmo quando pedidos são agrupados na mesma rota.

Ao longo do mês que separa o último breque deste Dia dos Trabalhadores, as reivindicações reverberaram não só na diretoria do iFood – que optou por não atendê-las –, mas também na Justiça do Trabalho e em Brasília. 

Foi também neste “timing – em que a mobilização de entregadores teve o hegemônico iFood como alvo principal – que a plataforma 99 anunciou uma expansão dos seus serviços no Brasil. Com um investimento de R$ 1 bilhão, a empresa deve retomar “em meados deste ano” o delivery de comida: 99Food.

Atrito com sindicato

Enquanto entregadores envolvidos no breque bloqueavam a saída de delivery de shoppings no 1º de abril, o Sindimoto SP (Sindicato dos mensageiros, motociclistas, ciclistas e mototaxistas do estado de São Paulo) enviou ofícios ao MPT (Ministério Público do Trabalho), ao TRT (Tribunal Regional do Trabalho) e ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) pedindo audiências de mediação com plataformas de entrega.

A iniciativa gerou atrito já que, segundo membros do Comando Nacional do Breque ouvidos pelo Brasil de Fato, eles não foram consultados ou convidados a participar. 

“O sindicato tem a prerrogativa de querer fazer, mas a gente entende que a empresa tem que olhar quem realmente representa a categoria. Porque até mesmo se o sindicato entra num acordo sem o aval dos trabalhadores, a gente vai anular isso na rua e a própria empresa sabe disso”, opina JR Freitas, da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea) e um dos organizadores do breque em São Paulo.

O Sindimoto SP, presidido por Gilberto Santos, mais conhecido como Gil, não respondeu aos pedidos do Brasil de Fato para emitir uma posição sobre a divergência em relação à representação sindical nas tratativas com as empresas; bem como os detalhes da negociação solicitada. 

Seja como for, de acordo com o MPT, “a reunião oficial de mediação pré-processual não ocorreu por desinteresse de empresas de aplicativos ao comparecimento na reunião”. 

Audiência em Brasília e regulamentação

Também como consequência do tamanho do breque feito nos dias 31 de março e 1º de abril, o deputado federal Guilherme Boulos (Psol) convocou uma audiência pública sobre a “realidade dos entregadores de app no Brasil”, realizada no último 23 de abril. 

Presentes presencialmente, organizadores da greve denunciaram a exploração disfarçada de autonomia, a falta de transparência do algoritmo e a força da mobilização da categoria que, segundo eles, fez ações em 200 cidades. 

Participando online e sob gritos de “mentiroso”, Johnny Borges, diretor de impacto social do iFood e principal figura responsável por fazer mediações da empresa diante de mobilizações de trabalhadores, anunciou que o reajuste viria. Não se sabia, então, que o pagamento por km rodado ficaria inalterado em R$ 1,50 e que a taxa mínima por corrida subiria 7,7% para bicicletas e 15,14% para motos. 

Representando o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Gilberto Carvalho defendeu a retomada do grupo tripartite para propor um projeto de lei (PL) que regulamente o trabalho por apps. Composto por representantes de entregadores, em sua maioria de centrais sindicais, do governo e das empresas, o grupo se reuniu por nove meses ao longo de 2023 e não chegou a qualquer consenso. 

De outro grupo tripartite similar, este focado no trabalho de motoristas de carros por aplicativo, saiu o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, apresentado pelo governo Lula (PT) em março de 2024 e, desde então, engavetado na Câmara dos Deputados. Criticado por juristas, pesquisadores e ativistas, o projeto cria a categoria “trabalhador autônomo por plataforma” e nomeia esta relação de trabalho como “intermediada” pelas empresas de aplicativo.

“O PLP 12 poderia ter sido escrito de cabo a rabo por uma empresa como o iFood e como a Uber”, afirmou, durante a audiência, o paulista Renato Assad, do grupo Entregadores Unidos pela Base. “Não podemos aceitar um projeto escandaloso desse que diz que nós somos ‘autônomos com direitos’. Nós somos trabalhadores, nós não somos autônomos”, disse. “Gilberto, com todo respeito, esse PLP precisa ser enterrado e os entregadores precisam construir o seu próprio projeto de regulamentação”, afirmou, se dirigindo ao representante do MTE.

Nicolas Santos, entregador mineiro e integrante da Anea, citou que durante o breque viram comentários dizendo “ah, mas não era todo mundo empreendedor, todo mundo autônomo?”. “Ficou provado que não”, rebateu. 

“Isso é importante: o desejo de ser autônomo não é só da nossa categoria. É um sonho do brasileiro não ter que responder a nenhum patrão. Porque o patrão é assediador, é adepto da servidão moderna, o patrão quer que você cumpra hora extra sem pagar. Então as pessoas não querem ter patrão. Nosso desejo de ser autônomo é real. Mas não quer dizer que a gente é, porque a realidade não é do jeito que a gente quer”, discursou Santos. 

O próximo passo agora, defende JR Freitas, “é fazer mais uma greve, pressionar as empresas de aplicativo a negociar diretamente com a gente, e que nos deem o que mais precisamos, que é uma remuneração justa. Só assim podemos debater, com mais tranquilidade, uma regulamentação bem feita”. 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.