Fraudes no INSS: entenda o escândalo que pode levar à abertura de uma CPI no Congresso Nacional

Deputados da oposição protocolaram, nesta quarta-feira (30), um pedido para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados para investigar o esquema de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O requerimento foi assinado por 185 parlamentares e é de autoria do deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO). Ainda assim, a instauração da comissão depende da autorização do presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).

O movimento da oposição busca explorar a mais nova crise do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), iniciada após a revelação de um esquema de fraudes e desvios no INSS. No entanto, a iniciativa pode se tornar um “tiro no pé” do bolsonarismo, já que as fraudes teriam começado em 2019, primeiro ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e ganhado força a partir de uma norma editada pelo então mandatário.

Por outro lado, o governo tem sido cobrado pela demora na suspensão dos descontos irregulares, ainda que eles só tenham sido descobertos e tornados públicos a partir de uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) já na gestão atual.

O escândalo foi revelado pela Operação Sem Desconto, da CGU, em parceria com a Polícia Federal (PF), realizada no dia 23 de abril, que resultou na demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, além da instauração de 207 inquéritos policiais, 192 mandados de prisão e 701 mandados de busca e apreensão.

Dados divulgados pela força tarefa de investigação dão conta de que os desvios podem superar os R$ 6 bilhões. Esse número, no entanto, pode ser bem menor. Dados do próprio INSS revelam que o valor de R$ 6,3 bilhões se refere a todo o montante arrecadado por esse tipo de convênio entre os anos de 2019 e 2024, que é o período sob investigação.

Em entrevista à GloboNews, na tarde desta quarta-feira, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann (PT), disse que o próximo presidente da autarquia será uma indicação pessoal do presidente da República.

Entenda o caso

De acordo com a regulamentação do INSS, associações de classe – como sindicatos, federações e confederações de trabalhadores – podem realizar Acordo de Cooperação Técnica com a autarquia, para o desconto em folha de pagamento da contribuição associativa e o repasse direto à entidade.

Essa regulamentação seguia as normas definidas pelo Decreto nº 3.048, de 1999, que foi alterado em 2020 pelo governo Bolsonaro, por meio de outro decreto, nº 10.410, de 30 de junho de 2020. De acordo com a nova regra, após a concessão dos benefícios previdenciários, os descontos ficariam bloqueados, sendo liberados somente mediante autorização prévia, pessoal e específica do aposentado ou pensionista.

Gráfico retirado do relatório da CGU sobre a Operação Sem Desconto detalha o procedimento obrigatório para o desconto automático das contribuições associativas. Fonte: CGU

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), uma das 31 entidades citadas na Operação Sem Desconto, aponta que, a partir daí, começaram os problemas. “Após a publicação do decreto, o INSS não criou as ferramentas adequadas para que os benefícios fossem desbloqueados pelos aposentados e pensionistas, bem como a Contag passou a acumular um alto volume de autorizações sem processamento”, disse a entidade, em nota.

Diante da situação, a Contag afirma ter enviado dois ofícios ao INSS em 2022, ainda no governo Bolsonaro, em que pede apoio “para coibir a prática abusiva contra aposentados e pensionistas rurais e contra os descontos indevidos em benefício”. Outros quatro ofícios foram encaminhados entre março e outubro de 2023, já sob o governo Lula, em que a confederação diz relatar dificuldades dos beneficiários rurais de fazerem o desbloqueio do benefício para o processamento dos descontos, como manda o decreto regulamentar, e problemas na validação das autorizações.

Denúncias chegam à CGU

A CGU afirma que a auditoria foi motivada por denúncias recebidas pelo órgão, e pelo “crescimento atípico” desses descontos e das reclamações de beneficiários que afirmavam não ter autorizado as cobranças ou sequer serem filiados às associações. Cerca de 5,4 milhões de pessoas podem ter sido vítimas da fraude, segundo a controladoria.

De acordo com o órgão, os desvios teriam começado em 2019, e abrange o não bloqueio automático para benefícios concedidos, a falta de mecanismo para o envio da documentação exigida, a ausência de validação de documentos, a falta de fiscalização, a equipe técnica reduzida e a fragilidade nos procedimentos de celebração de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), envolvendo 31 entidades associativas.

Para chegar a esse entendimento, a CGU realizou entrevistas entre 17 de abril e 4 de julho de 2024 com 1.273 beneficiários residentes nas 27 unidades da federação, totalizando 1.347 descontos. De acordo com os resultados, 1.242 (97,6%) informaram não ter autorizado o desconto e 1.221 (95,9%) afirmaram não participar de entidades associativas, o que, segundo o relatório, sinalizam uma grande probabilidade de os descontos estarem ocorrendo de maneira indevida.

Retirado do relatório da CGU sobre a Operação Sem Desconto

O órgão de controle constatou ainda um “súbito aumento” no número de descontos, que passou de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023, com possibilidade de alcançar R$ 2,6 bilhões em 2024. De acordo com o relatório, também houve um número elevado de requerimentos ao INSS para cancelamento de descontos, passando de 22 mil em julho de 2023 para 192 mil em abril de 2024.

Retirado do relatório da CGU sobre a Operação Sem Desconto

O relatório também detalha as recomendações da CGU ao INSS para mitigar os riscos associados a esses descontos, incluindo o bloqueio de novas inclusões e o aprimoramento dos mecanismos de controle e fiscalização. Em 23 de abril, foi deflagrada a Operação Sem Desconto. Além do afastamento cautelar do presidente do INSS, outros cinco servidores públicos da autarquia foram afastados e são investigados. Eles são apontados como os principais beneficiários da fraude, e negam as acusações.

Lupi na corda bamba

“Em nenhum momento me omiti. Muito pelo contrário, agimos para tentar conter as fraudes. Este é um trabalho que precisa ser feito de modo aprofundado e com muita responsabilidade”, disse o ministro da Previdência, Carlos Lupi, durante reunião do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), na segunda-feira (28).

Em entrevistas e declarações públicas, o ministro tem afirmado que a verificação das denúncias de irregularidades no INSS foi iniciada em junho de 2023, já sob sua gestão. “Em março de 2024 aprovamos o primeiro regulamento sobre o tema. Em abril, suspendemos cautelarmente novas operações e passamos a cobrar biometria”, afirmou o ministro no evento em Brasília.

Durante seu depoimento à Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, na terça-feira (29), o ministro reafirmou que está comprometido com a apuração do caso e voltou a negar omissão sobre as denúncias recebidas. Lupi atribuiu o atraso na correção da fraude à “insubordinação de um diretor”, que foi demitido pelo ministro. “Agi a tempo. Demiti um diretor que era superintendente do governo anterior. Demiti em maio de 2024 pela letargia e pela demora”, disse o ministro, em referência ao ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS, André Fidelis, também citado nas investigações.

Ministro da Previdência, Carlos Lupi, em audiência na Câmara dos Deputados. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Lupi afirmou ainda que as fraudes no INSS ocorrem há anos. “Essa quadrilha não vem de hoje. Nosso papel é investigar e botar na cadeia”, disse. “A previdência social tem problemas de fraudes há muitos anos. Não é de hoje”, disse o ministro da Previdência.

O governo afirma estudar uma forma de ressarcir os descontos indevidos e suspendeu todos os Acordos de Cooperação Técnica que envolvam descontos de mensalidades associativas em folha de pagamento de benefícios previdenciários.

CUT defende separar pessoas de instituições

Presentes em Brasília, nesta terça-feira (29), dirigentes das principais centrais sindicais do país comentaram a crise no INSS. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, disse esperar que as investigações consigam fazer as correções necessárias sem prejudicar a instituição, e chegou a comparar o tratamento dado pela direita e pela mídia alinhada ao mercado financeiro à Operação Lava Jato.

“Na Lava Jato, eles destruíram a imagem da Petrobras, que era um patrimônio do povo brasileiro. Então você investiga. Se tem diretor envolvido, tem pessoa envolvida, você bane da vida pública, vai para a cadeia, mas você tem que preservar a instituição”, disse Nobre.

O dirigente informou que as centrais se reunirão com autoridades federais para pedir rapidez e transparência nas investigações. “Passado o 1º de Maio, nós vamos pedir uma reunião com o ministro da Justiça, nós vamos pedir uma uma reunião com a com a CGU [Controladoria-Geral da União], com a AGU [Advocacia-Geral da União] e vamos exigir celeridade nessa investigação, porque nós somos maiores interessados em que seja célere a apuração”, afirmou.

Embora evitem dizer publicamente, outros dirigentes avaliam que a demissão do atual ministro da Previdência poderia ajudar a estancar a crise gerada pela revelação da fraude nas aposentadorias. Por outro lado, há quem acredite que a saída do ministro é improvável, por sua força como presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), partido importante da base aliada do governo.

Comunicado da Contag

Em nota, a Contag afirma que, desde março de 2023, enviou ofício ao diretor de Benefícios do INSS, relatando “dificuldades dos beneficiários rurais de fazerem o desbloqueio do benefício para o processamento dos descontos”, de acordo com o decreto editado. Junto ao ofício, segundo a Contag, foi enviada a relação de novos beneficiários com as respectivas autorizações para o desconto da contribuição associativa.

“Sem resposta”, diz a nota, a entidade encaminhou novo ofício em julho de 2023, dessa vez, dirigido ao presidente do INSS relatando novamente o problema no desbloqueio de benefícios que, de acordo com a confederação, somavam 24 mil autorizações de descontos cujos processos estavam represados.

Um terceiro ofício foi enviado em outubro do mesmo ano, “diante da omissão do INSS em dar uma resposta à Contag”, de acordo com o comunicado da entidade. Dessa vez, houve resposta do INSS, segundo a confederação, na qual a autarquia afirmava que tomaria providências.

Ainda em outubro, um quarto ofício foi encaminhado, “disponibilizando novamente todos os documentos exigidos pela autarquia e que comprovavam a regularidade das autorizações”, diz a Contag, agregando que só assim, foram processados os descontos das mensalidades associativas em 34,5 mil benefícios de aposentados e pensionistas rurais, a partir de dezembro de 2023.

A nota afirma ainda que, em 2022, foram enviados dois ofícios ao INSS, nos quais a confederação relata denúncias e pede apoio “para coibir a prática abusiva contra aposentados e pensionistas rurais e contra os descontos indevidos em benefício”.

A Contag afirma representar mais de 15 milhões de trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares, ou cerca de 4,3 milhões de famílias. A organização é composta por 27 federações estaduais e mais de 4 mil sindicatos de trabalhadores rurais.

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