Programa de Alfabetização Audiovisual do RS completa 17 anos com edição especial neste final de semana

O Programa de Alfabetização Audiovisual, que explora as possibilidades do cinema como ferramenta didática em sala de aula nas redes públicas municipais e estadual no Rio Grande do Sul, está completando 17 anos. Para celebrar, a Sessão Vagalume da Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, promove uma edição especial, no sábado (3) e no domingo (4), às 15h, exibindo o filme O Sonho de Clarice.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS ─ que você confere na íntegra no final desta matéria ─, a coordenadora do programa, Juliana Costa, afirma que a formação de professores para trabalhar os filmes em sala de aula é o que sustenta o projeto ao longo dos anos. “Eles trabalham com o cinema nas escolas e nos trazem suas questões e seus desafios para podermos pensar nas próximas ações”, explica.

O filme que marca a comemoração dos 17 anos, O Sonho de Clarice, de Fernando Gutiérrez e Guto Bicalho, é o primeiro longa de animação produzido no Distrito Federal. A animação premiada e inédita no circuito comercial do Rio Grande do Sul traz a jornada de uma menina que, de forma lúdica, enfrenta o luto pela morte da mãe. Criando um universo imaginário, ela vive aventuras que mantêm viva a memória materna.

A obra foi premiada em 2023 no Festival de Cinema de Brasília, com troféus de melhor direção de arte, trilha sonora e edição de som. A classificação etária é de 10 anos. Os ingressos para a Sessão Vagalume custam de R$ 2 (meia) a R$ 4 (inteira).

Divulgação/Encripta

Cine Vida leva cultura a desalojados pela enchente

As sessões de cinema desta edição vão contar com a presença de abrigados do Centro Humanitário de Acolhimento Vida, no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, participantes do projeto Cine Vida. São crianças e adultos desalojados pela enchente que atingiu o estado em maio de 2024.

A coordenadora Juliana Costa conta que o projeto desenvolveu uma relação que não se separa da trajetória dessas pessoas ao longo desse ano. “Ainda que muitas famílias já tenham saído do abrigo, algumas ainda estão à espera dos programas sociais que possam auxiliar no recomeço dessas vidas atravessadas por uma tragédia. O Cine Vida é o projeto de socialização, de compartilhamento e de trocas afetivas que se manteve do início ao fim.”

Cinema Negro na Escola

Ao longo dos seus 17 anos, o Programa de Alfabetização Audiovisual já lançou diversas iniciativas de sucesso. Entre elas está a mostra Cinema Negro na Escola, que desde 2020 oferece aos professores e alunos uma discussão sobre a cultura afro-brasileira e sua representatividade na sociedade por meio da apresentação de filmes nacionais de curta-metragem, em sua ampla maioria dirigidos por cineastas negros.

O projeto conta com diferentes módulos, cada um idealizado para uma faixa etária distinta de estudantes. Os professores inscritos têm acesso aos links dos filmes e também a uma conversa em vídeo entre a programadora responsável pela seleção dos filmes, cineastas e professores convidados. Os títulos também são exibidos na grade de programação da Cinemateca Capitólio.

17 anos de história

Gestado a partir de um esforço conjunto da Secretaria de Cultura e da Secretaria de Educação da Prefeitura de Porto Alegre, o projeto logo incorporou a parceria da esfera federal por meio da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e dos Ministérios da Cultura e da Educação.

Segundo a coordenadora, a iniciativa qualifica as relações entre cinema e educação, promovendo atividades de exibição de filmes a alunos e professores, ações de formação docente, além de assessorias a escolas, publicações de livros, seminários e workshops. As atividades gratuitas iniciaram na Sala PF Gastal, que está fora de operação em função das obras na Usina do Gasômetro , e hoje ocorre na Cinemateca Capitólio.

Costa avalia que o programa se consolidou não apenas como um conjunto de ações que buscam qualificar o cinema e o audiovisual em contextos educativos, mas como uma proposta de política pública para o cinema e a educação. “Falamos em política pública porque, ao longo desses anos, estabelecemos uma rede de escolas e professores em torno do projeto que multiplicou as ações promovidas, qualificou o nosso entendimento sobre cinema, infâncias, audiovisual e escola e sempre apoiou as nossas atividades mesmo nos momentos mais adversos”, afirma.

Abaixo, confira a entrevista com a coordenadora do Programa de Alfabetização Audiovisual:

Brasil de Fato RS – Nesses 17 anos do Programa de Alfabetização Audiovisual, houve o surgimento do streaming e o crescimento exponencial de filmes e séries na internet. É preciso cultivar o hábito, entre crianças e adultos, de assistir cinema no cinema?

Juiana Costa – Sim, a experiência do cinema na sala escura é única. Ela é individual e coletiva, é um espaço onde compartilhamos o tempo com outras pessoas, conhecidas e anônimas, o que é fundamental para a convivência social e a democracia. Também é uma relação com as imagens e com as narrativas que altera a experiência doméstica de controle do tempo.

No cinema, você não pausa ou adianta o filme. Você se submete a uma experiência de tempo singular, o que pode ser muito transformador se pensarmos nas experiências de tempo da contemporaneidade. Ainda, a imagem e o som na tela grande causam uma comoção e um envolvimento muito particular, impossível de termos em casa.

Como tem sido a experiência de ensinar professores a tornar o cinema em uma ferramenta de ensino na sala de aula?

A formação docente é um dos carros-chefes do nosso projeto. Ministramos cursos dentro das edições do Laboratório Vagalume, realizamos seminários, workshops e publicações feitas para e por professores. A formação docente é o alicerce do Programa de Alfabetização Audiovisual porque ela cria uma rede de professores que acompanha as nossas atividades. Eles trabalham com o cinema nas escolas e nos trazem suas questões e seus desafios para podermos pensar nas próximas ações. Podemos dizer que o programa é pensado e feito a partir dessa relação com os professores e professoras.

A Mostra de Cinema Negro na Escola é uma marca do programa. De que forma esse evento se torna uma ferramenta de transformação social para alunos da rede pública?

A ideia de trabalhar com cinema negro — ou seja, filmes realizados por pessoas pretas ou cuja temática trate de questões raciais — passa por trazer uma identificação dos estudantes com o que se vê na tela de cinema. Não apenas pela questão da raça, mas também por serem filmes brasileiros. Também consideramos importante que os estudantes tenham a oportunidade de assistir a filmes nacionais de extrema qualidade e que não chegam às telas das salas de cinema por questões comerciais.

Levar os estudantes, e também os professores, para verem filmes nacionais, realizados e protagonizados por pessoas negras pode ser transformador na medida em que apresenta a nossa cultura, as nossas pessoas, de forma autêntica, e mostra novas possibilidades de atuação em sociedade.

Levar cinema a abrigos foi uma iniciativa emergencial que surgiu na pandemia e ainda persiste. É algo mais urgente do que muita gente imagina?

Quando começamos o projeto de cinema no abrigo não imaginávamos que aquilo seria tão importante para os abrigados e mesmo para a gente. O cinema no abrigo acolheu e aproximou as crianças e jovens que passavam (alguns ainda passam) por aquele momento trágico de desamparo. A sala escura servia para assistir aos filmes, mas também para descansar e para brincar. Enfim, um espaço seguro e acolhedor para aquelas pessoas estarem, compartilharem o tempo e socializarem.

Os filmes também deram uma dimensão lúdica para um período difícil, em que poderia parecer impossível pensar em diversão, lazer ou reflexão. Até hoje, continuamos com o projeto no último abrigo remanescente da enchente, o Centro Humanitário de Acolhimento Vida. A experiência nos tocou e nos toca muito, tanto que o nosso próximo seminário, que acontecerá em agosto deste ano, se chamará Cinema e Cuidado e vai tratar da temática da exibição de filmes para pessoas em situação de vulnerabilidade.

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