A enchente histórica de maio de 2024 devastou o Rio Grande do Sul e deixou 184 mortes. Um ano depois da tragédia, ainda há muito a ser feito para a reconstrução e a adaptação aos eventos climáticos extremos no estado. Um dos pontos críticos é a construção de sistemas de proteção contra cheias. Oito projetos foram prometidos e nenhum está em execução.
O governo federal disponibilizou um fundo de R$ 6,5 bilhões para isso. Dinheiro que deve ser liberado quando o governo estadual enviar os projetos. O que também não aconteceu, como alerta a bancada do PT na Assembleia Legislativa.

Em nota, a bancada expôs que “o governo gaúcho sequer manifestou interesse à Caixa Econômica Federal em celebrar instrumento de repasse dos recursos, cinco meses após o governo Lula disponibilizar esses recursos”.
O governador Eduardo Leite (PSDB) se defendeu transferindo a culpa ao governo federal e citou a demora na publicação das diretrizes para aplicação dos recursos. O deputado Miguel Rossetto rebateu: “O que motivou essa chamada crise é que o governador Eduardo Leite mandou um ofício na semana passada, há dez dias, para o ministro (da Casa Civil) Rui Costa, inclusive, solicitando a transferência para o caixa do governo de R$ 3 bilhões, sem nenhum projeto”.
Confira a reportagem em vídeo:
Líder da bancada do PT, Rosseto considera o “movimento estranho” e alerta para o que chamou de postura de falta de diálogo. “O governador, que não atualizou projetos – aliás, destruiu a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), responsável por esses projetos –, trata de forma silenciosa um tema que deveria ser discutido amplamente com prefeituras, as comunidades, os comitês de bacia hidrográfica.”
Na apresentação do balanço de um ano das enchentes, na quinta-feira (24), Leite abordou o tema dos sistemas de proteção contra cheias. Segundo ele, um dos motivos pela demora no andamento é que mesmo projetos que existiam anteriormente precisam ser atualizados.
“Andou aí uma polêmica, enfim, porque tem quem diga que o governo não está usando o recurso, o governo pede o recurso e aí o governo federal diz que não é assim, tem que ter o projeto. Enfim, o ponto importante é o seguinte, os projetos são complexos. Nós não estamos falando aqui de pegar um monte de máquina e fazer dique, empurrar terra para fazer dique. Isso tem impacto ambiental. Os estudos que estavam sendo feitos dos sistemas de proteção a cheias, até então, seriam superados pela enchente que aconteceu”, disse.
Dique de Eldorado do Sul
Entre os projetos mais avançados, uma das prioridades, segundo o governo do estado, é o sistema de proteção de Eldorado do Sul. Durante a enchente, a cidade vizinha da capital gaúcha teve toda a área urbana e boa parte da área rural alagadas pelo rio Jacuí.
Durante visita ao município para apresentar projetos de moradia, também na quinta-feira, o governador foi cobrado e disse que o edital de contratação da atualização do projeto deve sair nos próximos dias.
“A perspectiva é de ter, até o final de maio, a contratação da atualização do projeto. A partir disso, a empresa tem seis meses para fazer a atualização dos projetos. Concluída a atualização, ela nos entrega, nós aí encaminhamos a contratação integrada, projeto executivo e obra. Então a empresa que for contratada daqui a sete, oito meses, até final do ano, ela vai ser um contrato integrado. Ela vai fazer os projetos executivos e executar as obras propriamente ditas, que são obras que vão alcançar quase R$ 1 bilhão”, explicou Leite.
Nesta segunda-feira (28), o governo do estado publicou o edital para contratação de empresa para atualização do anteprojeto de engenharia. A concorrência eletrônica está prevista para o dia 13 de maio. O valor é de mais de R$ 3,8 milhões e o critério de julgamento será o de menor preço.
Assentamento do MST fica fora do dique
Durante a visita de Leite a Eldorado do Sul, agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) que vivem no Assentamento Integração Gaúcha, localizado na cidade, entregaram um ofício ao governador pedindo que o dique de proteção contemple a área. O assentamento foi fortemente impactado pela enchente de 2024.
O agricultor José Francisco Cardoso, mais conhecido como Tigre, alertou que o projeto está deixando o assentamento na área alagada, após anos de debate. “Nós viemos trabalhando desde 2012 no projeto do dique até o governo Dilma [Rousseff] liberar R$ 5 milhões para os estudos. Foram feitas três modalidades de estudos, traçados onde o dique iria passar, com a cota de 1941, e sofremos em maio a grande enchente. A gente sabe por notícia que a Metroplan, o governo do estado, tomou a decisão de seguir o traçado dois, que não contempla o Assentamento Integração Gaúcha”, expõe.
Questionado sobre a demanda do MST em coletiva de imprensa após o evento, Eduardo Leite disse que o governo analisaria a necessidade, mas alertou para a complexidade de possíveis mudanças. “Eu não tenho domínio aqui sobre se a área está contemplada ou não, que percentual da área está ou não está, mas eu tenho que alertar que qualquer alteração de projetos geraria um recomeçar desse trabalho”, respondeu.
Segundo o governador, “uma coisa é atualizar os anteprojetos para cotas mais elevadas, estruturas diferenciadas, mas respeitando o mesmo traçado. Outra é mudar o traçado”. O que, ressalta, exige outros níveis de estudos. “Quando você vai impermeabilizar uma área, se uma área vai passar a cidade protegida, a água que entra naquela área, ela vai para algum lugar. Aí tem que fazer o estudo de para onde essa água vai, o que ela vai impactar nas imediações, nas localidades, é um pouquinho mais complexo.”
O temor dos assentados acabou se confirmando no anúncio do edital de contratação para a atualização do anteprojeto. O mapa mostra que o dique vai passar ao lado do assentamento (localizado à esquerda do sistema de proteção), deixando o território no lado alagável.

Falta participação popular
Para Rossetto, o fato de os assentados precisarem solicitar a inclusão dentro do dique expõe a ausência de planejamento com participação popular. “Estas obras têm que ter uma validação popular, têm que ser validadas pelos municípios, pelas comunidades. Esse é um tema central para que isso dê certo. Caso contrário, eles não resolvem o problema dos municípios, não vão ter a manutenção e a gestão adequada, como infelizmente aconteceu aqui em Porto Alegre”, alerta.
O deputado reforça que “o sistema de proteção tem que ser uma apropriação cultural do município, tem que fazer parte da cultura do município de cuidar bem do meio ambiente”. Segundo ele, que preside a Frente Parlamentar das Águas, falta um canal do governo para discutir os projetos junto a órgãos da sociedade civil, como por exemplo os comitês de bacia hidrográfica. Ele está articulando audiências públicas nos municípios para tratar do tema.
