
A análise dos primeiros cem dias do segundo mandato de Donald Trump revela um cenário repleto de paradoxos: avanços internos notáveis convivem com tensões internacionais e sinais preocupantes de uma nova ordem mundial em formação.
Entre os aspectos positivos, destaca-se a política migratória. Embora severa e objeto de duras críticas, é inegável que Trump conseguiu reduzir de maneira significativa os níveis de imigração ilegal nos Estados Unidos. Cumprindo uma de suas principais promessas de campanha, sua abordagem rígida, ainda que controversa, trouxe resultados concretos na contenção das fronteiras e no reforço da soberania nacional.
Outro ponto digno de nota é o esforço do presidente em combater o processo lento, porém contínuo, de perda de relevância dos Estados Unidos no cenário global. Consciente do novo ambiente de competição internacional, Trump vem adotando medidas para repatriar empresas americanas e restaurar o dinamismo econômico doméstico. Trata-se de uma tentativa de fortalecer a posição dos Estados Unidos em um mundo cada vez mais multipolar, onde o prestígio e a influência outrora incontestáveis começam a se dissipar.
Não se pode ignorar também o fato de que, após anos de uma liderança tida por muitos como vacilante — especialmente pela idade avançada de seu antecessor —, Trump devolveu ao país a sensação de que há, de fato, um comandante no leme. Sua assertividade, ainda que polêmica, trouxe um sentimento renovado de direção e propósito, aspectos essenciais para a estabilidade interna num momento de grandes desafios.
No plano internacional, merece reconhecimento a disposição de Trump em buscar uma solução pacífica para o conflito entre Rússia e Ucrânia. Diferentemente de abordagens anteriores, marcadas por beligerância e prolongamento das hostilidades, Trump tem priorizado o diálogo e a negociação, compreendendo que a paz, ainda que imperfeita, é sempre preferível à perpetuação da guerra. Sua política nesse sentido mostra-se mais pragmática e responsável que a de Joe Biden.
Entretanto, os aspectos negativos desses primeiros cem dias são igualmente evidentes e preocupantes. A desorganização da política externa americana é talvez o traço mais visível, com a adoção de posturas erráticas que abalam alianças históricas e desorientam parceiros estratégicos. O apoio irrestrito ao governo de Benjamin Netanyahu, em meio à grave crise humanitária em Gaza — classificada recentemente pelo Papa Francisco, falecido há poucos dias, como genocídio —, expôs a administração Trump a duras críticas e aprofundou o isolamento diplomático dos Estados Unidos.
Ademais, o cenário global atual é marcado por uma ruptura institucional sem precedentes, intensificada pelas medidas protecionistas adotadas por Trump, como o tarifaço sobre produtos estrangeiros. Embora visem proteger a indústria americana, tais políticas agravam tensões comerciais e contribuem para a fragmentação da ordem econômica internacional.
Outro aspecto de extrema relevância é o impacto dessas ações sobre a confiança no dólar e, mais amplamente, sobre a credibilidade dos Estados Unidos como parceiro econômico. Em meio a um cenário de fragilidade fiscal — em que o país gasta mais com o pagamento de juros da dívida do que com defesa —, a confiança internacional no sistema financeiro americano mostra sinais de erosão, fenômeno que poderá ter efeitos duradouros.
Vale ressaltar que Trump governa um país profundamente endividado e pressionado economicamente. Seu movimento de desengajamento gradual das responsabilidades globais, muitas vezes criticado, reflete, na realidade, uma necessidade imperiosa de ajuste interno: os Estados Unidos, ainda potentes, enfrentam as limitações próprias de um sistema em transformação.
O mundo que Trump enfrenta hoje não é mais o mundo de 1945, tampouco o de 1989. A transição de uma ordem unipolar para uma realidade multipolar é inevitável. Trata-se de um processo necessário, ainda que inquietante, pois o equilíbrio internacional contemporâneo precisa refletir a diversidade de forças e vozes que emergiram nas últimas décadas.
Assim, os cem dias de Trump expressam, em sua complexidade, as tensões de um país e de um mundo em transição: entre a nostalgia de uma hegemonia passada e a inevitável adaptação a um futuro mais plural e imprevisível.
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