
O Agro capixaba experimenta um momento único em sua história. O ano de 2024 foi o melhor da história do setor para o Espírito Santo e, muito, graças ao café. Especialmente o Conilon. No ano passado, as exportações do agronegócio no Estado passaram dos US$ 3,6 bilhões. Isso dá mais de R$ 23 bilhões.
Os valores superaram qualquer ano desde o início da série histórica. O crescimento foi superior a 71% em comparação com 2023. Nesse sentido, das exportações brasileiras de café, 76% do total saíram aqui do Espírito Santo. Isso significa que o Estado é um dos maiores produtores de café Conilon não só do Brasil, mas do mundo inteiro.
Não tem como falar de café Conilon sem falar da Cooabriel. Liderada por Luiz Carlos Bastianello, a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel da Palha tem 61 anos de fundação e é a maior cooperativa de café Conilon do Brasil. Os números da Cooabriel conseguem dar a dimensão da importância da cooperativa para o agro.
O faturamento bruto da Cooabriel em 2024 foi de R$ 2,57 bilhões. Só com café foram R$ 2,03 bilhões. São mais de 8.170 cooperados.
Veja abaixo a entrevista com Luiz Carlos Bastianello:
Como se chega aos números do Conilon no ES?
Podemos considerar que o Espírito Santo hoje é o maior produtor de café Conilon do Brasil. Se fôssemos um país, seríamos o segundo maior produtor mundial de café da espécie Canephora.
Para contextualizar: Canephora é a espécie, e Conilon é uma variedade, como também temos o Robusta. O Conilon é cultivado aqui no Espírito Santo (embora haja também robustas) e na Bahia. Já o Robusta é tradicionalmente cultivado em Rondônia, no Norte do país.
E o que tem de tão especial em São Gabriel da Palha?
São Gabriel da Palha não é exatamente o berço do Conilon, mas é onde ele surgiu com mais força. Durante o período de erradicação do café arábica (entre 1960 e 1970), o município, com sua elevação acidentada, enfrentou dificuldades. Havia um normativo do governo federal que proibia financiamentos para lavouras em municípios com altitude abaixo de 400 metros.
O Conilon surgiu como uma oportunidade por sua tolerância ao calor e ao clima da região Norte do Estado. Isso foi ganhando força até chegarmos à posição atual do Espírito Santo como maior produtor de Conilon do país.
Deu muito certo, foi um trabalho que realmente frutificou.
Como você avalia 2024 para o café Conilon?
2024 foi um ano desafiador. Enfrentamos dificuldades climáticas em 2023 que resultaram numa quebra de safra. No entanto os preços melhoraram e compensaram essa quebra. O mercado também teve oscilações de preço às quais não estávamos acostumados. Subia muito, depois caía muito.
Foi um grande aprendizado. Porém no fim, os resultados foram muito bons, os melhores da história, especialmente por conta da evolução dos preços.
Ao que você atribui esse sucesso? Qual foi o papel da cooperativa?
Podemos dividir isso entre cooperativismo e o trabalho da Cooabriel, que tem 61 anos de história. Como cooperativa, nosso foco é a prestação de serviço e proximidade com o cooperado, que é a nossa base. Essa proximidade facilita levar informações, profissionalização e tudo o que ele precisa para fomentar a atividade.
A filosofia da Cooabriel é de que o produtor só precisa da mão de obra e do local para plantar. O resto, a cooperativa faz. Desde a escolha do local até a profissionalização, estamos juntos com ele.
Como isso vai além de São Gabriel da Palha?
A atuação da Cooabriel se estende a diversos municípios. O Espírito Santo, como um todo, implantou culturalmente o café Conilon na sua atividade agrícola. Isso cria um ecossistema favorável: mão de obra qualificada, insumos disponíveis, logística facilitada. Tudo isso viabiliza a atividade.
Em 2024, o Conilon ultrapassou os R$ 2 mil por saca, o maior valor da história. Hoje, está por volta de R$ 1.500. Qual a expectativa para 2025? E o que 2024 ensinou?
A expectativa para 2025 depende de vários fatores. A produção e o consumo mundial influenciam diretamente o preço. Hoje, o maior consumo é interno porque o preço não compensa a exportação.
O café é cotado em bolsa: Londres para Conilon e Nova York para Arábica. Atualmente, estamos consumindo mais internamente. Os estoques mundiais estão baixos, e a produção de Arábica tem caído nos últimos quatro anos. Nesse sentido, isso interfere nos preços e cria um momento muito bom para o Espírito Santo. Porém o mercado é complexo, e a decisão de vender deve ser pessoal do produtor.
Então, teremos um 2025 melhor que 2024?
A tendência é de mais um ano com bons preços. Se somarmos isso à expectativa de uma boa produtividade, acreditamos que será um ano muito bom.
O Vietnã é um concorrente? O que aprender com eles?
Estive no Vietnã recentemente. Lá, não há liberdade econômica. Tudo é regulado pelo Estado. Cada produtor tem concessão de até 2 hectares. Eles produzem bastante por causa da grande população, no entanto ainda estão atrás da nossa profissionalização.
O Vietnã tem o tamanho do Maranhão, mas com metade da população do Brasil. É muita gente. Em 2006, vi que a movimentação de cargas era feita com motocicletas sucateadas, caindo aos pedaços. Em 2024, percebi uma mudança: melhor infraestrutura, moradias saindo das lavouras e indo para as margens das rodovias.
Eles usam 70% da renda com café para melhorar a qualidade de vida, e 30% voltam para a lavoura. Porém, a produtividade deles não evoluiu muito. Produzem muito porque têm muita gente, mas temos mais eficiência aqui no Espírito Santo.
Como está a tecnologia na lavoura?
Essa tecnologia da irrigação o produtor assimilou rapidamente. Hoje não se planta mais uma muda de café se não tiver irrigação. É a primeira coisa a ser pensada na nossa região. Se plantar sem, ele vai perder.
Normalmente, a esmagadora maioria da irrigação é de gotejamento, que é mais econômica, consome menos água e atende muito bem à planta. Por meio dessa irrigação, você consegue não só combater pragas e doenças, mas também nutrir a planta e irrigar ao mesmo tempo, tudo com um único equipamento.
A gente ainda está engatinhando na parte de mecanização, até por causa do relevo acidentado da região, mas isso tem mudado muito. O uso de drones, por exemplo, facilita bastante no combate às pragas. Muitas propriedades já estão migrando para a mecanização ou semi-mecanização, tanto na colheita quanto nas demais atividades ao longo do ano.
Com as dificuldades mundiais recentes, tivemos que mudar a dinâmica. A tecnologia permite maior eficiência, redução de custos e mais competitividade. Ainda há muito a fazer, mas já avançamos bastante.
Você vê potencial para a Cooabriel atuar no Sul do ES?
Sim, essa possibilidade existe. Inclusive, montamos uma unidade de comercialização de insumos em Afonso Cláudio. Foi nosso primeiro passo no Sul do Estado. E temos falado bastante sobre ampliar nossa atuação por lá.
Acreditamos que uma cooperativa como a Cooabriel faria diferença na região, ajudando na profissionalização da produção. Nesse sentido, o produtor precisa começar bem, com foco em resultados mesmo em momentos difíceis. E isso passa por profissionalização e uso da tecnologia. Então, sim, é possível que em breve estejamos de vez no Sul do Espírito Santo.
O que significa agregar valor ao Conilon? Como a cooperativa vê a instalação de uma fábrica de café solúvel?
O café solúvel é uma forma clara de agregar valor. A Cooabriel vê isso com bons olhos. Porém, montar uma fábrica exige um investimento significativo.
Por isso, temos buscado parcerias para viabilizar esse projeto. Seria mais uma indústria na Região Norte. E o Conilon, que é nosso principal produto, tem ótimo rendimento para o café solúvel.
Além disso, o Norte do Estado está dentro da área da Sudene, o que nos dá acesso a benefícios fiscais. Isso atrai investimentos. O que falta para colocar de pé? Parcerias certas, profissionais e comprometidas.
Como você vê o momento atual do agro no ES?
O Espírito Santo é um estado pequeno, mas muito valente. Temos profissionais capacitados na Seag (Secretaria de Estado da Agricultura) e vemos incentivos reais acontecendo.
O Estado tem condições de evoluir não só no café, mas também na fruticultura, na soja, no trigo. Temos terras férteis tanto no Norte quanto no Sul. Além do Conilon, o céu é o limite se a gente planejar bem e trabalhar com seriedade.
O Espírito Santo tem água suficiente?
Sim, tanto o Norte quanto o Sul têm água suficiente. O que precisamos é trabalhar com reservatórios e pensar também em água subterrânea. Temos que usar os recursos hídricos com consciência e responsabilidade. Temos municípios ricos em água, como Linhares, por exemplo.
Além disso, a logística do Espírito Santo é muito boa, o que nos dá mais possibilidades de avanço.
Falando em logística, como as novas estruturas portuárias impactam o negócio de vocês?
Vão fazer toda a diferença. Hoje enfrentamos dificuldades para exportar contêineres de café. Embarcamos em Vitória, mas eles seguem por cabotagem até o Rio. Com o porto da Imetame em operação, poderemos embarcar direto. Isso reduz custo e facilita a operação.
Também precisamos falar da duplicação da BR-101, que ajudaria muito. Já temos aeroportos em Linhares, São Mateus, Cachoeiro e Vitória. Com BR duplicada e portos operando plenamente, teremos a faca e o queijo na mão.
A Cooabriel já se prepara para esse novo cenário logístico?
Com certeza. Estamos melhorando nossa estrutura interna, da porteira para dentro, para que possamos preparar o café, principalmente o Conilon, e já enviá-lo em contêineres estufados direto ao porto. Se tivermos o porto de Aracruz disponível, facilita ainda mais. Com uma BR-101 duplicada, ganhamos em agilidade e competitividade, porque o custo menor torna nosso produto mais atraente lá fora.
Você vê espaço para uma nova fronteira agrícola, além do Conilon, no Estado?
Culturalmente, tudo ainda gira em torno do café aqui no Estado. Em qualquer pedaço de terra, o primeiro pensamento é plantar o Conilon. Porém, acredito que pode surgir outra cultura que se adeque bem ao nosso Estado. Vai depender do momento certo.
O Espírito Santo é um Estado pequeno, mas muito forte. Com essa gestão atual e nota A+ do Tesouro Nacional, temos base para avançar sim, inclusive com novas culturas.
Qual é o futuro da Cooabriel?
O futuro é trabalhar muito, estar atento ao nosso entorno, às possibilidades e oportunidades. Buscamos sempre atender bem ao cooperado e, à medida que novas oportunidades surgem, vamos planejando e colocando a mão na massa.
Luiz Carlos Bastianello é presidente da Cooabriel
Veja abaixo a entrevista completa em vídeo: