Brasília tem protesto contra resolução ‘transfóbica’ e ‘autoritária’ do CFM 

Cerca de 50 manifestantes se reuniram em frente ao prédio do Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília (DF), nesta sexta-feira, 25 de abril, para protestar contra a Resolução nº 2.427/2025, publicada pela entidade em 16 de abril. A norma eleva de 16 para 18 anos a idade mínima para terapia hormonal em pessoas trans, proíbe o bloqueio puberal e aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para cirurgias de afirmação de gênero.

Os manifestantes classificam a medida como “transfóbica” e “autoritária”, destacando que foi publicada sem consulta pública e contraria evidências científicas que embasam protocolos de atendimento. Cerca de 150 organizações da saúde, assistência social e movimentos trans assinaram uma nota conjunta repudiando a decisão.

Protesto reuniu cerca de 50 manifestantes, entre os quais representantes de entidades da comunidade trans. Foto: Brunna Ramos/BdF DF

O ato foi organizado pelo Diretório Central dos Estudantes da UnB, Coletivo UnB Trans, Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra),  AntraJus, Correnteza, Unidade Popular, Coletivo Juntos, PCBR e Coletivo Mis Manes. 

Bruna Benevides, presidente da Antra, afirma que a resolução viola direitos humanos: “Estamos mobilizando esforços para que nossa comunidade seja respeitada em sua dignidade e cidadania.”

Bruna Benevides é presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Foto: Camila Araujo

Médicos que atuam no atendimento a adolescentes trans também criticam a medida. Cecília Vianna, ginecologista do Adolescentro (SES-DF), destaca que a norma foi imposta sem diálogo, diferentemente da resolução de 2019, construída com participação social.

A resolução impede que adolescentes trans tenham acesso ao bloqueio puberal, tratamento que evita o desenvolvimento de características indesejadas relacionadas a gênero, como barba e mama, durante a puberdade. Especialistas argumentam que o adiamento da hormonização aumenta o sofrimento mental e os riscos de automedicação.

Luiz Fernando Marques, médico no Adolescentro, explica que o processo é feito em completo acordo com familiares e ressalta os riscos da proibição do procedimento: “Isso pode causar danos irreversíveis. Nas centenas de casos que acompanhamos, nenhum paciente se arrependeu.”

O deputado distrital Fábio Félix (PSOL-DF) declarou: “Ninguém se torna trans, ninguém se torna LGBT quando faz 18 anos ou quando faz 21 anos. Isso é parte da nossa identidade, da nossa construção social. O CFM ignora a ciência e a escuta qualificada dos movimentos, da sociedade civil e da universidade.”

Fábio Félix (PSOL DF), deputado distrital. Foto: Camila Araujo

No mesmo dia que a resolução do CFM foi publicada, o governo dos Estados Unidos negou o reconhecimento legal da identidade de gênero da deputada federal Erika Hilton (PSOL SP) e a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que a definição legal de “mulher” exclui mulheres trans, em um caso com consequências abrangentes para a aplicação das leis de igualdade no país.

Bruna Benevides, da Antra, enxerga na medida parte de uma “agenda global antitrans”. A entidade, em conjunto com o Ibrat, protocolou no STF a ADI 7.806 contra o que classificam como “resolução transfóbica e negacionista”.

“O CFM ignora o diálogo com a população afetada”, critica Benevides. “Esta medida violenta força nossa comunidade à automedicação, expondo pessoas a riscos sem acompanhamento profissional adequado.”

Kaleb Salgado, coordenador do Ibrat-DF, reforça: “A resolução despreza décadas de consenso médico sobre processos transexualizadores, criando barreiras que levam jovens à automedicação e à clandestinidade. O que demandamos é acesso seguro a tratamentos especializados.”

Maktus Fabiano, coordenador-geral do DCE e militante do Coletivo Juntos, contrasta a decisão com avanços recentes, como as cotas para pessoas trans na UnB: “Em 2025, é inaceitável que o CFM imponha exigências desproporcionais, como laudos e idade mínima para cirurgias, quando esses requisitos não se aplicam a procedimentos não trans. Isso patologiza identidades e viola a autonomia sobre nossos corpos.”

Representando o Mães pela Diversidade, Rejane Costa, relatou os impactos da burocracia na vida do filho, que só pôde iniciar a transição hormonal aos 18 anos, seis anos após sua autoidentificação: “Se ele tivesse tido acesso ao tratamento no momento certo, seu sofrimento teria sido menor. A nova resolução, sob o pretexto de ‘proteção’, nega a evidência científica: o reconhecimento precoce da identidade evita adoecimento mental. É transfobia institucional.”

Integrantes do movimento Mães Pela Diversidade seguram cartaz “Buzine contra a transfobia”. Foto: Camila Araujo

Para enfrentar a chamada “vulnerabilidade normativa”, a médica Cecília Vianna defende que o Ministério da Saúde deveria emitir uma resolução afirmando explicitamente os direitos das pessoas trans. “A omissão do ministério abre espaço para medidas autoritárias. Já deveria existir um protocolo nacional estabelecendo diretrizes claras sobre esses cuidados”, afirma. 

Enquanto essa regulamentação federal não existe, profissionais e pacientes podem recorrer a documentos internacionais como as Normas de Cuidados para Pessoas Transgênero da WPATH ou ao protocolo municipal de São Paulo como referências para o atendimento adequado.

O autor da polêmica resolução do CFM é o ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente, conhecido por posições conservadoras. Parente foi relator da norma que proibiu assistolias fetais em abortos legais após 22 semanas – medida suspensa pelo STF, mas que depois inspirou o PL Antiaborto por Estupro. Eleito conselheiro pelo Rio de Janeiro, o médico já defendeu publicamente a abstinência sexual como método contraceptivo para adolescentes e ocupou cargo de secretário no Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro.

Relator de resolução controversa publicada pelo CFM, Raphael Câmara Medeiros Parente. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A atual gestão do CFM, que segue até 2029, inclui outros integrantes polêmicos: médicos que promoveram o uso da cloroquina contra Covid-19 durante a pandemia e uma conselheira que celebrou os atos golpistas de 8 de janeiro. Em nota oficial, o Conselho alega que a nova resolução busca “atualizar regras para aprimorar o atendimento médico”.

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