Retaliação a parlamentares da base governista que apoiam anistia para golpistas seria passo ‘arriscado’, diz consultor político

O governo Lula se viu, na última semana, diante da adesão formal de uma parte da base aliada ao requerimento que pede urgência para a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro de 2023, pauta à qual a gestão tem sido duramente contrária. Apresentado no último dia 14 à Câmara dos Deputados, o pedido conta com a assinatura de 262 parlamentares, reunindo nomes de siglas como PSD, MDB, PP, União Brasil e Republicanos, todas com cargos na Esplanada dos Ministérios. Juntas, elas respondem por 140 signatários do pedido.

Para o consultor político Antônio Augusto de Queiroz, conhecido como Toninho, uma eventual represália do governo ao grupo poderia trazer danos maiores à gestão, comprometendo a aprovação de pautas de interesse da administração Lula na Câmara. “Acho que retaliar seria uma coisa arriscada. É melhor uma negociação política no sentido de não pautar e segurar o requerimento do que ir pra retaliação. Se o governo começar a demitir gente, o parlamentar [infiel] certamente se colocará numa posição de oposição ao governo daqui pra frente porque ele não terá mais nenhum ‘compromisso’, já que seus aliados teriam sido demitidos, teriam sido punidos, e é da natureza humana reagir. Então, aqueles que perderem cargos viram oposição mesmo”, projeta o analista.

Acenos críticos mais incisivos foram dados por parte do líder da bancada do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), por exemplo. Em entrevista concedida à GloboNews no mesmo dia de apresentação da urgência para a anistia, ele disse que aqueles que pertencem à tropa de choque do Planalto e resolveram assinar o requerimento decidiram “romper com o governo”. “Não é razoável o governo aceitar alguém que queira anistiar quem tentou matar o Lula”, disse Farias.

Ministra das Relações Institucionais e figura responsável pela articulação da gestão junto ao Congresso Nacional, Gleisi Hoffmann também se queixou publicamente da postura do grupo, afirmando que seria uma “profunda contradição apoiar o projeto sendo da base do governo”. A petista disse que a gestão não estaria investindo em uma “operação de retaliação”, mas sim expondo o que chamou de “gravidade politica, jurídica e institucional que significa apoiar este projeto”.

Toninho observa que, no grupo dos 262 signatários do pedido de urgência para a anistia, há diferentes interesses em jogo por conta do perfil de alguns parlamentares. “Muitos dos que assinaram são parlamentares que vivem da patronagem, ou seja, de favores do Estado. Então, provavelmente assinaram para negociar com o governo a retirada da assinatura. Outros – e veja que a bancada ruralista, a Frente Parlamentar Agropecuária, assinou em peso – estão se antecipando para protegerem aliados deles que são do núcleo financiador do golpe, que ainda não foram denunciados.”

Para o analista, o cenário demonstra a dissonância que há entre o Palácio do Planalto e uma parte da tropa de choque do governo no Congresso Nacional. “É uma base com a qual o governo jamais vai poder contar integralmente. Vai contar apenas com parte dela. Alguns assinaram para tentarem negociar com o governo, outros é porque são bolsonaristas mesmo, por exemplo, mas o fato é que você tem uma base que é instável, e o governo desde o início sabia disso.”

Em uma análise em retrospectiva, Toninho ressalta que, por conta dessas características, o governo Lula tem tentado trabalhar desde o início da gestão somente em cima de “temas centrais”. “Tanto tem sido assim que ele não teve nenhuma derrota de mérito até hoje no parlamento. Derrota em termos de procedimento, sim, teve. De mérito, nada. Aprovou tudo o que quis. Aprovou aumento real do salário mínimo, retorno dos programas sociais, reforma tributária, igualdade salarial entre homens e mulheres. Provavelmente, vai aprovar agora a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, etc. São temas para os quais, pela composição do Congresso, não haveria clima para aprovar, mas foram. Mas é fato que o governo tem uma dificuldade permanente com sua base em temas como o da anistia porque, nesses casos, os parlamentares também, de certa forma, lavam as mãos: eles sabem que o Motta não vai pautar”, analisa.

Pressão

Enquanto isso, a ala bolsonarista segue tentando ampliar a pressão sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pedir a inclusão do tema na ordem do dia. Em declaração dada à imprensa nesta quarta (23), o líder da bancada do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), sinalizou que uma negativa final à colocação da pauta em discussão representaria uma forma de “desprestigiar” o grupo signatário do pedido de urgência. Ele também criticou a possibilidade de criação de um colegiado específico para discutir o assunto, chance que chegou a ser cogitada por Motta como forma de evitar uma discussão do tema direto em plenário.

“A comissão especial era uma solução para o ano passado, na gestão Arthur Lira. Essa matéria já está vencida. Já comuniquei no colégio de líderes que, se for para criar comissão especial, é melhor não fazer nada. Ou ele [Motta] atende à maioria da Casa e pauta a urgência, ou vai desprestigiar essa maioria”, alfinetou Sóstenes. O líder do PL deve voltar a tocar no assunto nesta quinta (24), durante reunião de líderes, ocasião em que pretende novamente tentar convencer Motta a inserir a pauta em votação.

Durante participação em um evento do canal CNN nesta quarta (23), o presidente da Câmara voltou a comentar o assunto e, mais uma vez, demonstrou enxergar a pauta como sendo de menor importância na agenda da Casa. Motta disse que a proposta que prevê isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil “tem apelo muito maior” que a urgência da anistia. Destacando novamente que a proposta dos bolsonaristas divide os parlamentares, o líder paraibano disse que seria necessário evitar uma “crise institucional”.

Costuras

Para Toninho, a gestão petista poderia ter evitado o atual cenário de adesão massiva de aliados ao requerimento de urgência se tivesse investido em uma articulação mais efetiva nesse sentido. O consultor político ressalta que um canal fundamental para isso teria sido o grupo de nomes do centrão que ocupam cargo de ministro na Esplanada. “Faltou soldado na linha de frente pra assumir essa briga e ir lá conversar com os parlamentares de diversos partidos para evitar que assinassem. Nisso o governo falhou”, avalia.

“É que esse é um tema no qual, se não tiver um apelo muito forte apontando que ele cria problema com o governo e o STF, se o parlamentar não tiver algo que ele possa analisar em termos de custo-benefício, ou seja, se ele não receber nenhum contraponto diante da pressão que recebe das redes sociais e dos partidos favoráveis à anistia, ele acaba assinando, até porque é um mero procedimento, já que a assinatura do pedido de urgência não significa que todos esses signatários irão votar a favor do mérito do projeto”, continua Toninho.

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