O lançamento do livro Confissões de um torturador: a última entrevista do coronel Ustra, da jornalista Cleidi Pereira, reuniu cerca de 100 pessoas, na terça-feira (22), no salão nobre da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Antes da sessão de autógrafos, um painel com a autora, o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, e o jornalista Elmar Bones debateu o papel da imprensa durante a ditadura militar no Brasil.
A atividade foi conduzida pela jornalista Márcia Christofoli, diretora do portal Coletiva.Net, que promoveu o evento em parceria com a ARI. A solenidade teve a presença dos ex-prefeitos de Porto Alegre Raul Pont (PT) e José Fortunati ( PTB) e do vereador Pedro Ruas (Psol).
Na abertura, o presidente da ARI, José Nunes, anunciou o lançamento de uma carta da entidade contra a anistia aos golpistas de 8 de janeiro, tema em debate atualmente no Congresso Nacional. No documento “ARI Contra a Anistia”, a entidade manifesta “inequívoca rejeição a uma eventual anistia aos condenados, indiciados ou processados por planejar e executar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 no Distrito Federal”.

Em seguida falou a autora do livro, que contou toda a trajetória desde a sua curiosidade até a publicação da entrevista com torturador pelo jornal Zero Hora, em 2014. Pereira lembrou que chegou a sentir medo depois de tratar com a esposa do entrevistado, ao ouvir a voz de Ustra concordando com a entrevista e ao mesmo tempo ameaçando-a. “Se não divulgares o meu livro, corto o teu pescoço”, disse a autora relembrando aquele momento. A jornalista disse ainda que na sua obra estão listadas todas as 60 pessoas mortas ou desaparecidas com a participação do “ídolo de Bolsonaro”.
Na sequência, Krischke, que assina o prefácio do livro, ressaltou a importância da obra para a memória histórica brasileira e o incentivo dado pelo MJDH ao trabalho de Cleidi Pereira. O último a falar foi o jornalista Elmar Bones, também conhecido como Bicudo. Ele contou sua experiencia profissional durante os anos de chumbo e criticou o papel desempenhado pela grande imprensa durante a ditadura, que depois de sofrer censura direta dos militares passou ela mesma a censurar os seus profissionais.

ARI inaugura estúdio
Momentos antes deste evento, a ARI inaugurou seu estúdio de rádio, no sétimo andar da sua sede no centro de Porto Alegre. O espaço será utilizado pela entidade para a gravação do programa Conversa de Jornalista e será ser compartilhado com parcerias para agravação de podcasts.
O estúdio foi batizado de Ênio Rockenbach, em homenagem ao radialista criador do programa Conversa de Jornalista e diretor da ARI por muitos anos. A inciativa é da diretora do Departamento de Divulgação da ARI, Tatiana Gomes. “Ter um estúdio novinho em folha e moderno é, para nós, motivo de muito orgulho”, celebrou.

Sobre o livro
Natural de Santa Maria (RS), o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra chefiou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, entre 1970 e 1974. Neste período 502 pessoas foram torturadas e ao menos 50 assassinadas, conforme dados do Grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão Nacional da Verdade. Ustra morreu impune em 2015.
A jornalista e pesquisadora radicada em Lisboa, Paula Pereira, revive essa trajetória no livro publicado pela editora Insular, com 189 páginas. A obra detalha os bastidores da entrevista que ela fez com o militar — considerada pela autora como “o mais próximo que Ustra chegou de uma confissão”. Na ocasião, ele admitiu o uso de “interrogatórios contínuos”, técnica de tortura que priva o preso de sono.
Confissões de um torturador: a última entrevista do coronel Ustra também traz depoimentos de sobreviventes. No último capítulo, apresenta os nomes e as biografias de 60 vítimas em que Ustra figura na cadeia de comando, segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade.
Integra da carta divulgada pela ARI
ARI Contra a Anistia
Em observância ao seu compromisso histórico de defesa da democracia, da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, a Associação Riograndense de Imprensa manifesta sua inequívoca rejeição a uma eventual anistia aos condenados, indiciados ou processados por planejar e executar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 no Distrito Federal.
Ao mesmo tempo em que defende o debate político como legítimo, pois cabe ao Parlamento examinar temas de interesse da sociedade, a ARI posiciona-se contrariamente ao perdão indiscriminado, injustificado aos responsáveis por destruir o patrimônio público e articular uma tentativa de golpe de Estado – fatos inquestionavelmente comprovados pelo jornalismo profissional e pela investigação policial.
Em adendo, a ARI reitera sua confiança de que, em respeito à posição que vier a ser adotada pelo Congresso Nacional e sem renunciar à sua independência, o Judiciário brasileiro saberá reavaliar as condenações impostas aos infratores para que as penas efetivamente aplicadas sejam justas e compatíveis com a participação de cada indivíduo na referida ação criminosa.
Associação Riograndense de Imprensa
