Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram todas as arguições de nulidade levantadas pela defesa dos seis acusados de integrar o núcleo 2 da trama para a consumação de um golpe de Estado no Brasil, entre 2022 e 2023. O julgamento teve início na manhã desta terça-feira (22). A sessão foi suspensa e será retomada no período da tarde.
Ao início da sessão, as defesas dos acusados apresentaram diversas preliminares, que são questionamentos quanto a questões processuais, como a nulidade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, a suposta ausência de parcialidade do procurador-geral da República (PGR) e dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, e até mesmo a incompetência do STF e da Primeira Turma para julgar a matéria. A PGR afastou todos os argumentos das defesas e, antes do voto dos ministros, os advogados fizeram suas alegações.
Os acusados e suas defesas
Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF): segundo a PGR, ele teria utilizado sua posição como diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para obstruir estradas e impedir que eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegassem aos locais de votação. Silvinei chegou a ser preso, mas foi solto e precisa usar tornozeleira eletrônica.

O advogado de defesa, Anderson Rodrigues de Almeida, se concentrou em argumentar sobre a suposta ausência de credibilidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que implicou o ex-diretor da PRF.
Almeida foi questionado pela ministra Cármen Lúcia por haver argumentado sobre a inocência de Silvinei, a partir dos dados sobre a abstenção, que teria diminuído do primeiro para o segundo turno das eleições. “Nenhum eleitor deixou de votar em 30 de outubro de 2022”, afirmou. “Não há relação”, retrucou a decana.
O advogado ainda disse que Silvinei foi vítima de perseguição por parte da Polícia Federal, “diante do histórico hostilidades entre a PF e a PRF”, disse.
Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro: o coronel da reserva e ex-assessor Especial da Presidência da República de Bolsonaro era, segundo a denúncia, responsável por monitorar o ministro e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Ele também teria envolvimento com o suposto extravio de joias do acervo da Presidência da República, a mando de Bolsonaro.
O advogado de defesa, Luis Eduardo Kuntz, iniciou sua defesa afirmando que “não há como falar que os fatos do 8 de janeiro não foram graves”, no entanto, defendeu a individualização das acusações. Kuntz acusou a PGR de não discutir os fatos concretos, e afirmou que não foi ofertado à defesa o acesso pleno às provas.
“Eu não estou dizendo que houve quebra da cadeia de custódia, ainda. Mas temos que discutir a licitude da prova no começo, na entrada do processo. E isso só pode ser feito com o acesso às provas”, afirmou.
Sobre a acusação de haver monitorado autoridades da República, o advogado se dirigiu ao ministro relator e pediu que a ação descrita na acusação fosse compreendida como “um controle de agenda, nada mais que isso”. E disse que o coronel da reserva “apagava incêndios” criados pelo governo anterior, diferente do que foi relatado na peça acusatória.
Finalmente, defendeu que o STF declinasse de sua competência para julgar a ação penal, pelo fato de não haver nenhum acusado com foro privilegiado no núcleo 2 da investigação sobre o golpe.
Marília Ferreira de Alencar, delegada da Polícia Federal e ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça: ela é apontada como braço direito do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que também era o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal em 8 de janeiro de 2023. Ela é acusada pelo Ministério Público de ter articulado junto ao ex-diretor da PRF os bloqueios em rodovias para impedir que os eleitores do presidente Lula chegassem aos locais de votação, por negligência e omissão durante os atos antidemocráticos.
Causou surpresa no plenário da Primeira Turma quando foi convocado o advogado de defesa da delegada Marília Alencar, por se tratar do ex-ministro da Justiça do governo da ex-presidenta Dilma Rousseff e ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Eugênio Aragão.
“Não é sem desconforto que estou aqui nesta tribuna, neste feito, mas faço com tranquilidade, porque conheço Marília Alencar há muitos anos”, disse o advogado, de partida.
Aragão disse haver tido divergências profundas com a delegada e que sofreu críticas dela quando assumiu o Ministério da Justiça do governo Dilma. “Uma coisa é o plano político que a gente diverge, outra coisa é o plano dos fatos”.
O ex-ministro afirmou destacou a gravidade dos eventos de 8 de janeiro, e saudou o STF por seu papel na defesa da democracia, no entanto, defendeu que a delegada apenas “cumpriu seu dever”. Aragão se somou ao argumento da defesa de Silvinei Vasques sobre uma suposta “hostilidade” entre a PF e a PRF, para descartar uma articulação com o ex-diretor da PRF para bloquear rodovias e impedir eleitores de votar.

“Todo mundo que já foi ministro da Justiça sabe que há entre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal uma hostilidade recíproca. Portanto, uma cooperação entre os dois é absolutamente improvável, até porque nem Silvinei conhecia Marília e nem Marília conhecia Silvinei”. Ao reconhecer que Alencar encontrava-se na sede da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições, disse que não deveria causar surpresa a ninguém, já que o Centro de Comando e Controle Nacional está localizado na sede da PRF. “Ela estar lá não é nenhum fato relevante, é um fato óbvio”.
Sobre o envolvimento da delegada nos atos de 8 de janeiro, Aragão argumentou que a denunciada estava há apenas cinco dias no cargo e que tomou todas as providências para conter a situação. “Ela estava acompanhando os fatos o tempo todo”, afirmou, pedindo a rejeição da acusação contra Alencar.
Fernando de Souza Oliveira, delegado da PF: ele era o secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Púnlica do Distrito Federal (SSP-DF) durante os atos de 8 de janeiro de 2023, enquanto o então secretário, Anderson Torres, estava fora do Brasil. Ele também é acusado de omissão ao não alertar sobre o planejamento do ato golpista e na prevenção da depredação da Praça dos Três Poderes.

O advogado Danilo David Ribeiro iniciou dizendo-se surpreendido com a acusação de envolvimento do denunciado com os atos de 8 de janeiro e disse o ex-delegado da PF esteve sempre disposto a colaborar com as investigações.
“Fernando entregou o celular no dia seguinte ao indiciamento, buscando colaborar com as investigações, como delegado que é”, disse o advogado de defesa, acrescentando que não teria sido encontrada nenhuma mensagem no seu celular que demonstrasse alguma tendência política do delegado.
Assim como o defensor de Marília Alencar, Ribeiro disse que seu cliente trabalhou apenas quatro dias antes do dia 8 de janeiro e que, logo que assumiu, foi informado pelo secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, já réu pela participação na tentativa de golpe de Estado, entraria de férias, e que ele assumiria as decisões da SSP. E finalmente, afirmou que o secretário-adjunto tomou todas as providências diante da violência praticada no 8 de janeiro de 2022.
“Não houve omissão de Fernando no comando da secretaria. Ele esteve exposto a todo tipo de violência. Fernando cumpriu o dever de defender o Distrito Federal. O que mais ele precisava fazer?”, questionou o advogado.
Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência: o general é apontado pela PGR como responsável por elaborar o chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que planejava os assassinatos de Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes.

O advogado de defesa Marcos Vinícius de Camargo Figueiredo fez a defesa mais efusiva no julgamento desta terça e, de partida, reconheceu que a denúncia seria recebida. Em dado momento, se dirigiu diretamente ao relator, ministro Alexandre de Moraes. “Meu cliente não é inimigo da corte, ministro relator. Meu cliente não atentou contra a vida de vossa Excelência”.
Em seguida, o advogado mencionou diversas passagens bíblicas e acusou a corte de já haver tomado uma decisão sobre a culpabilidade de seu cliente. “É impossível que a sentença esteja pronta antes do devido processo legal”.
Sobre a minuta da operação chamada Punhal Verde e Amarelo, o advogado não negou que tenha sido elaborada, no entanto, afirmou que ela não foi entregue a nenhuma outra pessoa. “Fato incontroverso: essa minuta não foi apresentada a quem quer que seja”.
Figueiredo finalizou pedindo a revogação da prisão de Mário Fernandes e disse que o cliente está “tendo a pena antecipada”. O general está preso desde outubro de 2024, por determinação do STF.
Filipe Garcia Martins. O ex-assessor de Assuntos Internacionais do governo Bolsonaro, teria redigido uma minuta do golpe e apresentado o decreto ao então presidente.

O advogado Sebastião Coelho da Silva já é conhecido pelos ministros da Primeira Turma. Isso porque ele chegou a ser detido pela segurança do STF durante o julgamento do núcleo 1, em 26 de março, após provocar um tumulto na entrada do plenário, interrompendo a fala do ministro relator, Alexandre de Moraes.
Ele iniciou sua defesa tratando de naturalizar a presença de Filipe Martins no Palácio do Alvorada. “Filipe Martins não ia ao Palácio da Alvorada, ele trabalhava lá. Portanto, suas idas ao Palácio da Alvorada não podem causar perplexidade a absolutamente ninguém”.
Martins pediu que, caso seja aceita a denúncia, que o relator suspenda as medidas cautelares impostas, como a retirada da tornozeleira eletrônica determinada pelo STF em 2024. E ao final de sua fala, prestou “homenagens” a algumas das pessoas que já se tornaram réus pela tentativa de golpe.
“Quero deixar aqui minhas homenagens a todos os acusados, especialmente ao presidente Bolsonaro, a quem eu oro por sua saúde, ao general Braga Netto e ao doutor Anderson Torres”, afirmou.

O que disse a PGR?
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, se referenciou ao julgamento do “núcleo 1”, em 26 março passado, em que as defesas entraram com preliminares semelhantes, sendo todas afastadas pelo colegiado. Nesse sentido, Gonet focou em argumentos novos apresentados pelos denunciados, como o julgamento dos agravos regimentais no julgamento do primeiro núcleo, ou a suposta quebra da cadeia de custódia das provas colhidas na investigação.
“Os dados obtidos na investigação possuem registro claro de sua fonte e forma de extração, sem indicativo de adulteração ou manipulação indevida”, refutou o representante do Ministério Público. “Nenhuma dessas novas arguições convence de irregularidade nulificante”, disse.
“Senhores ministros, da mesma forma como ocorreu em 26 de março, a Procuradoria-Geral da República aguarda o recebimento integral da denúncia oferecida”, afirmou o PGR.