
O GCM teria manipulado diretamente as câmeras de monitoramento da prefeitura pouco antes do crime. No entanto, uma câmera registrou o crime. O MP vê que parte da corporação é corrompida e investiga milícia de GCMs na cidade. Secretário nega. Secretário da Segurança de Ribeirão Pires, na Grande SP, é condenado por furto
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O secretário Sandro Torres Amante, secretário da Segurança Pública de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão pelo crime de furto qualificado. A decisão foi tomada neste ano em 2ª instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
O crime aconteceu em junho de 2018 — à época, Sandro era subcomandante da Guarda Civil Municipal de Ribeirão, cidade que fica a cerca de 30km da capital.
Além dele, Gutembergue Martins Silva (inspetor-chefe da GCM à época) e o ajudante geral Marcelo Cruz Dallavali foram condenados pelo mesmo crime. A Justiça ainda decretou a perda dos cargos públicos de Sandro e Gutembergue.
Segundo a denúncia do Ministério Público, na madrugada de 18 de junho de 2018, o grupo realizou dois furtos quase em sequência:
Num intervalo de poucos minutos, os acusados levaram quase 60 kg de carne e R$ 28 mil dos açougues Izzo e Parati, que ficam a cerca de 300 metros um do outro, no Centro da cidade.
Do primeiro açougue, foram levados 15kg de picanha, 10kg de contrafilé black, 12kg de alcatra, R$ 8 mil em espécie e um cofre. Do segundo, foram 20kg de carne bovina, R$ 20 mil em espécie, cheques, câmeras de vigilância, DVD do circuito de monitoramento, roteadores.
As investigações apontaram que os crimes foram planejados, ou seja, não se trataram de furtos de ocasião. De acordo com os autos, Gutembergue teria manipulado diretamente as câmeras de monitoramento da prefeitura cidade pouco antes do crime.
As câmeras foram redirecionadas propositalmente para não enquadrar os açougues.
Além disso, enquanto as câmeras eram reposicionadas e depois alteradas, uma denúncia anônima falsa foi feita para que os efetivos da GCM e da Polícia Militar se deslocassem para longe do Centro, facilitando o crime.
Ribeirão Pires faz parte do ABC Paulista e tem cerca de 115 mil moradores e uma Guarda Civil Municipal com 120 agentes, todos comandados por Sandro Torres Amante. Ele segue no cargo porque a condenação está sendo analisada em terceira instância.
A TV Globo e o g1 foram falar com Sandro nesta quarta-feira (16) e ele afirmou que é inocente dos crimes e que não existe qualquer tipo de evidência da venda da segurança privada na cidade.
“Em primeira instância fui absolvido, em segundo instância, dos sete crimes que inventaram sobre mim, esse daí deu essa condenação que foi um acórdão, né? Que já foi respondido já foi o meu advogado já fez a defesa para agora para terceira Instância, né? E com fé em Deus vai ser esclarecido porque não tem nada a ver comigo. Com certeza, 30 anos de funcionário público aqui”, disse.
O prefeito, Gustavo Volpi (PL), não recebeu a equipe de reportagem.
A Prefeitura respondeu, por meio de nota, que não foi notificada sobre a condenação de Sandro. Sobre o GCM Gutembergue diz que houve ordem judicial para afastamento das funções na Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de vencimentos e sem, até o presente momento, determinação contrária (leia nota completa abaixo).
Prefeito de Ribeirão Pires e secretário da Segurança em ação dos 100 dias da gestão
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Ribeirão Pires
Arte/g1
Câmeras flagraram os acusados
Uma das testemunhas protegidas no processo disse que, ao retornar do descanso, percebeu que algumas câmeras estavam fora de posição e as recolocou no enquadramento original, tempo suficiente para flagrar Sandro, Gutembergue e Marcelo dividindo as mercadorias furtadas.
Nos registros, é possível ver que alguns carros circulam na região dos furtos — essas imagens foram essenciais para a identificação dos acusados.
Três veículos aparecem nas filmagens:
Um Peugeot vermelho de posse e dirigido por Gutembergue;
Um Fiat 500 branco de posse e dirigido por Marcelo Cruz Dellavali;
E um Hyundai i30 preto de posse e dirigido por Sandro Torres Amante.
Logo depois dos furtos, as câmeras flagraram:
O Peugeot estacionado nas proximidades dos açougues. Pouco depois, o Fiat 500 encosta e estaciona à frente;
Sandro e Gutembergue, junto com outros, são vistos realizando a divisão das mercadorias furtadas entre os veículos;
O Peugeot e Fiat 500 saíram juntos da cena. Em seguida, o i30 dirigido por Sandro passou a acompanhar os outros dois veículos.
Grupo que inclui secretário da Segurança de Ribeirão Pires divide mercadoria furtada
Três indivíduos não identificados saíram a pé, entraram em um Fiat Siena e acompanharam o Fiat 500 até a cidade de São Paulo, conforme registrado pelo sistema de monitoramento Detecta, do governo estadual.
A movimentação organizada reforçou para o Ministério Público o entendimento de que o grupo já atuava de forma estruturada.
Outro ponto destacado no processo é que, no dia seguinte aos crimes, Gutembergue permaneceu horas na sala de monitoramento da GCM e, supostamente, teria tentado excluir as imagens relativas à noite do furto.
Condenação
O grupo foi condenado após o Ministério Público denunciar seis pessoas pelos crimes de furto e formação de milícia privada (leia mais abaixo).
A 1ª Vara de Ribeirão Pires entendeu que havia provas suficientes apenas para a condenação de Gutembergue. Em decisão de outubro de 2023, o juiz Daniel Adriano Araldi Martins absolveu Sandro Torres, Marcelo Dellavali e os outros quatro nomes.
No entanto, o MP, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, recorreu e conseguiu a condenação dos outros dois denunciados.
“A materialidade e autoria dos crimes está devidamente comprovada pelo depoimento das testemunhas protegidas, pelos boletins de ocorrência, pelas imagens coletadas no dia dos fatos e pelas provas produzidas durante a instrução processual”, destacou o procurador Nadir de Campos Júnior em sua apelação.
Em janeiro deste ano, a 5ª Câmara de Direito Criminal do TJ concordou nesse sentido e afirmou que as materialidades dos furtos praticados em 18 de junho de 2018 ficaram comprovadas pelos boletins de ocorrência, pelo relatório de análise dos vídeos entregues pelas testemunhas protegidas e pelas imagens captadas pelas câmeras de monitoramento da própria prefeitura de Ribeirão Pires.
Agora, os acusados tentam reverter a decisão no Superior Tribunal de Justiça.
Nomeação para a pasta da Segurança
Ato de nomeação de Sandro Torres Amante como chefe da pasta de Segurança de Ribeirão Pires
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Apesar de ter respondido como réu no processo por furto, em 6 de dezembro de 2023 Sandro foi nomeado Secretário Municipal de Segurança Urbana, Mobilidade e Defesa Civil de Ribeirão Pires, ocupando um cargo de confiança na prefeitura.
O procurador que recorreu pela condenação do atual secretário afirmou que é grave o fato de uma pessoa condenada por furto comandar a segurança da cidade.
“Não é possível que alguém acusado de colocar em risco a segurança pública seja, ao mesmo tempo, o secretário municipal, o prestador do serviço de segurança pública”, lamentou Nadir.
A decisão do Tribunal de Justiça aponta que, quando não houver mais possibilidade de recurso, os três condenados devem iniciar o cumprimento da pena, e que Sandro e Gutembergue devem perder seus cargos públicos.
Secretário da Segurança de Ribeirão Pires, condenado por furto a açougues
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MP vê formação de milícia
Além dos furtos, a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, identificou indícios de formação de milícia privada por parte dos envolvidos — tanto que o grupo também foi denunciado por esse crime.
A formação de milícia privada consiste em constituir, organizar, integrar, manter ou financiar uma organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar outros crimes.
Ao menos entre 2019 e 2023, os GCMs denunciados integraram milícia para cometimento de crimes, segundo o Ministério Público. De acordo com as testemunhas, os agentes atuavam junto de empresas de segurança legalizadas:
“Os serviços de segurança oferecidos aos clientes parecem ter como função principal a obtenção de pagamentos para que os estabelecimentos comerciais não sejam vítimas da própria criminalidade do grupo, como ocorreu nos dois furtos ora denunciados”, aponta trecho da denúncia.
O MP aponta também que testemunhas apresentaram elementos de prova que ligam o secretário Sandro Torres “a outros delitos, como corrupção passiva decorrente de recebimento de propina de traficantes”.
Embora a Justiça não tenha aceitado a denúncia por milícia, as investigações relativas a esses e outros crimes continuam.
“O Ministério Público continua investigando pessoas que formaram a verdadeira milícia particular dentro da GCM. Isso fez parte da investigação do Gaeco que apontou que o trabalho de segurança privada para o município era desvirtuado da função de segurança pública para que os membros da própria guarnição pudessem desviar o foco das câmeras para que crimes de furto pudessem ser praticados na comarca de Ribeirão Pires”, explicou o procurador Nadir Campos.
GCMs temem represálias
O g1 e a TV Globo ouviram duas pessoas que conhecem o funcionamento da guarda e decidiram denunciar a forma como a corporação vem sendo conduzida e liderada. Por medo de represálias, elas preferiram não se identificar.
De acordo com elas, parte da corporação é corrompida e age penas por interesse próprio, deixando a segurança da cidade em segundo plano.
“Eles criam a dificuldade para vender a facilidade. De que forma? Seu comércio, sua residência é furtado e você faz o boletim de ocorrência. Sabendo disso, ele [Sandro], até porque participa dos crimes, vai até esse local oferece serviços [de segurança privada]. Você está fragilizado e acaba aceitando”, relatou uma das pessoas.
Para o procurador Nadir de Campos Júnior, essa é, de fato, uma das estratégias do grupo:
“Me parece bem claro isso. A tática era criar dificuldades para vender facilidades, ou seja, a população, atemorizada com esses crimes praticados […], precisa da prestação do serviço de segurança, e me parece que aumentava-se, inclusive, o valor para a prestação desses serviços”.
“Está muito caracterizado que a empresa Ecam, e algumas outras pelas quais já haviam passado esses guardas civis municipais, todos eles encontraram uma situação de divisão da herança correspondente aos crimes por eles praticados”, pontuou o procurador.
Em conversa com a reportagem, umas das denunciantes relatou que já presenciou, inclusive, uma viatura da ROMU — agrupamento especial da GCM na cidade — “pegando dinheiro do tráfico de droga, soltando traficante, extorquindo comerciante para que pague pelo serviço de monitoramento da empresa e negociando valores de propina”.
A denunciante contou que guardas são colocados para trabalhar sozinhos em postos onde há perigo eminente.
O que diz a Prefeitura
“Em atendimento à solicitação da TV Globo, a Prefeitura de Ribeirão Pires informa que não foi notificada pela Justiça sobre eventual condenação, em segunda instância, em processo movido contra Sandro Torres, Secretário de Segurança do município.
Sandro Torres é Guarda Civil Municipal de carreira na Prefeitura de Ribeirão Pires há 30 anos. Atuou como inspetor de policiamento padrão, chefiou a Romu (equipe ostensiva) e foi comandante da corporação.
Em relação ao GCM Gutembergue Martins Silva, a Prefeitura esclarece que houve ordem judicial para afastamento das funções na Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de vencimentos e sem, até o presente momento, determinação contrária.
A Prefeitura de Ribeirão Pires permanece à disposição para prestar informações e eventuais esclarecimentos.”