
Harley Virgens tem um câncer raro e está em cuidados paliativos. A diretora da equipe assistencial conta que atendeu a um sonho de anos do casal – oficializar o casamento em uma cerimônia religiosa. Paciente em estágio avançado oficializa casamento durante internação no Rio
Um casal realizou uma cerimônia de casamento no Parque Ecológico do Hospital São Lucas, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. A cerimonia, na semana passada, emocionou a equipe hospitalar, que interrompeu as atividades para acompanhar e celebrar o amor de Harley Virgens e Valéria Pessôa, juntos há 23 anos.
Harley é um paciente oncológico em estágio avançado. O câncer nas vias biliares, que é raro, foi diagnosticado quando a doença já se encontrava em estágio avançado, sem possibilidade de cura. Atualmente, ele recebe cuidados paliativos.
“Como cristãos, compreendemos que a união estável, apesar do compromisso e da convivência, não é respaldada pela palavra de Deus como o casamento é. Esse entendimento nos trouxe ainda mais urgência e verdade ao nosso propósito”, conta Valéria.
Paciente em estágio avançado oficializa casamento durante internação no Rio
Reprodução/Estenio Fernandes
Internado há 1 ano, Harley conta com a companhia da mulher.
“Percebi que ele uniu todas as forças pra ficar bem até o dia, onde aproveitou cada momento. Mas quando voltou para o quarto depois da cerimônia, ele apagou e dormiu. Sinto que ele realizou o que ele queria e agora está em paz, se permitindo descansar”, conta a enteada, Vanessa Pessôa.
A diretora assistencial Theia Castelloes disse que a ideia da celebração veio de um desabafo do paciente – o casal sonhava em oficializar o casamento com uma cerimônia religiosa.
A noiva Valéria Souza
Arquivo pessoal
Segundo ela, Harley ainda disse, emocionado, que os 23 anos de relacionamento foram vividos como se fosse o primeiro dia. Em 24 horas, a cerimônia foi organizada, graças ao empenho e dedicação de vários funcionários.
O cardápio da cerimônia foi adaptado para atender às restrições hospitalares, incluindo até um bolo de casamento em versão saudável. Além disso, funcionárias do hospital levaram vestidos que tinham em casa para que Valéria pudesse experimentar e escolher o traje para o casamento.
Pai de Valéria e Harley Alves abraçados no altar
Reprodução/Estenio Fernandes
“Reunimos flores de outras áreas do hospital para criar um caminho pra noiva e, de todo esse empenho feito com as rosas mais bonitas, surgiu um buquê. Família e amigos do paciente receberam um convite diretamente do mesmo, e a festa estava pronta. Um músico do hospital tocou no violino a marcha nupcial para a entrada da noiva”, acrescentou.
Em um dos momentos mais emocionantes da cerimônia, as alianças foram levadas pelo casal de cachorrinhos dos noivos, que também participaram da celebração. Essa foi a primeira vez que o hospital realizou um casamento como esse.
No encerramento, Harley, que também é fotógrafo, teve a oportunidade de matar a saudade da câmera, registrando alguns momentos especiais do evento.
O fotógrafo Harley Alves em sua cerimônia de casamento
Arquivo pessoal
“O Hospital São Lucas nos surpreendeu com um gesto que jamais esqueceremos. Cada detalhe que ficará guardado em nosso coração e nossa história para sempre. Hoje, caminhamos com o coração em paz”, conta Valéria.
“A luta ainda continua, mas agora com a certeza de que demos um passo importante diante de Deus. Receber o diagnóstico de câncer do meu esposo foi como ser atingida por uma tempestade inesperada. O chão se abriu e tudo mudou”, desabafa ela.
Importância dos cuidados paliativos
A médica Aline Affonso, coordenadora médica do Hospital São Lucas Copacabana, explica que o “cuidado paliativo é um cuidado a ser oferecido a todo paciente com uma doença ameaçadora de vida”. Cada caso é avaliado de forma personalizada, priorizando a qualidade de vida.
“É um cuidado centrado na pessoa e na família que busca valorizar a qualidade de vida, prevenindo e tratando o sofrimento em todas as esferas. Trabalha com os princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça”, explica a especialista em cuidados paliativos.
“Cuidado paliativo valoriza a vida e não a morte, não acelera e nem prolonga o processo de morte compreendendo-o como parte da vida”, emenda a especialista.
Cachorrinhos participaram da cerimônia
Reprodução/Estenio Fernandes
O tratamento pode acompanhar toda a trajetória da doença, por exemplo, e ser proporcional ao nível de necessidade do paciente.
Para optar pelos cuidados paliativos, é essencial compreender o que eles envolvem. Os pacientes têm conversas com as equipes médicas e debatem todas as possibilidades de abordagens.
Por exemplo, se o paciente sabe que a quimioterapia vai trazer mais sofrimento do que chance de remissão, ele pode optar somente pelos cuidados paliativos. Como a médica explica, não é acelerar a morte, mas traçar uma jornada com maior qualidade de vida possível para o paciente.
Para a especialista, ainda há preconceito com a modalidade de tratamento.
“Acham que é apenas cuidado de fim de vida e que cuidado paliativo significa desistir. É um caminho de muita técnica e afeto, exige muita dedicação dos profissionais envolvidos e são necessários muitos profissionais. Não é romântico, é duro, às vezes feio, às vezes fedorento… Dá muito trabalho, mas acho que é baseado no verdadeiro cuidado”, define Affonso.
“É também nesse lugar de fragilidade que tenho experimentado o poder da fé. Os cuidados paliativos nos ensinaram que há beleza até nos últimos capítulos da vida. É tempo de honrar, de cuidar com carinho, de dizer que ama todos os dias. Seguiremos com fé, com o coração cheio de amor”, conclui a esposa Valéria.