Além da repercussão popular negativa, o projeto do governador Romeu Zema (Novo) de conceder rodovias da região norte de Belo Horizonte para a iniciativa privada, com a instalação de 12 praças de pedágios, enfrenta análise do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG).
Na última segunda-feira (14), o conselheiro Agostinho Patrus, relator do processo, determinou o prazo de 10 dias para que a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) dê explicações ao órgão sobre a proposta.
Entre as exigências do TCE-MG estão a apresentação de estudos técnicos que justifiquem a modelagem de licitação. O tribunal também pede informações sobre tarifas, viabilidade ambiental e investimentos.
Se for adiante, o projeto de Romeu Zema pode levar à privatização de quase 125 quilômetros de vias que ligam a capital mineira a outras nove cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A medida tem preocupado moradores e especialistas, uma vez que elas possuem relação de interdependência econômica e social. Muitos trabalhadores moram em um município e trabalham em outro, por exemplo.
Pedágios: quem vai pagar a conta?
“A instalação de pedágios no vetor norte de BH é uma conta que o Zema quer instalar agora, mas que vai cair no bolso da população só depois de 2026. Vão ser os pedágios mais caros do Brasil, em uma zona urbana muito adensada, com alto índice de população de baixa renda”, alertou a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), em entrevista ao Brasil de Fato MG.
O mandato da parlamentar fez uma pesquisa que indicou que 80% do movimento pendular da região onde o governador quer instalar pedágios é de pessoas que recebem até três salários mínimos. Ou seja, esses moradores podem ter parte essencial de sua renda afetada pela cobrança para utilizar as vias, como destaca Gonçalves.
“Inclusive, grande parte da arrecadação que se pretende com esses pedágios está no trecho que liga BH a Vespasiano. Ou seja, serão os mais pobres que irão pagar a conta da instalação desses pedágios. Isso é muito absurdo, mas tem tudo a ver com o Zema”, critica a deputada.
Também na segunda-feira (14), o prefeito de Vespasiano, José Wilson (PSDB), deu declarações à imprensa contrárias à instalação dos pedágios na região.
Salto nas concessões e risco de fraude
Nos últimos 12 anos, cresceu em 461% a quantidade de pedágios no estado. Ao todo, são mais de 3 mil quilômetros de extensão de vias concedidas. Entre as cinco concessões estaduais, três foram firmadas durante o governo de Romeu Zema.
Em 2024, a Justiça de Minas Gerais tornou réu o ex-secretário da Seinfra Fernando Marcato e outros três servidores da pasta por suspeitas de abuso de poder econômico durante o leilão que concedeu as rodovias MGC-452, BR-452, BR-365, MGC-462, LMG-798, MG-190 e MG-427, na região do Triângulo Mineiro.
“Mesmo com um ex-secretário sendo investigado por fraude, o governador não para e quer implementar mais pedágios. Além dos pedágios do vetor norte, ele também está propondo outros para a região de Ouro Preto. São áreas onde circulam muita gente”, conclui Bella Gonçalves.
No caso das vias que ligam a RMBH, o TCE-MG também exigiu que a Seinfra apresente a metodologia para o cálculo das tarifas e informações sobre os estudos de tráfego na região. O órgão ainda questionou o governo de Minas se foram realizadas audiências públicas nos municípios que serão impactados pela medida, como forma de garantir a participação das comunidades afetadas.
A ação do tribunal aconteceu após Bella Gonçalves, Beatriz Cerqueira (PT) e Ulysses Gomes (PT), que fazem parte do bloco de oposição ao governador na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), entrarem com uma representação pedindo a suspensão do edital de concessão.
“Além disso, foi determinado que o governo comunique ao TCE-MG, com no mínimo cinco dias úteis de antecedência, qualquer ato que represente avanço do processo licitatório, sob pena de multa”, disse o tribunal, em nota.
Na sexta-feira (11), após a ampla repercussão negativa da proposta, Romeu Zema deu declarações de que irá adaptar o projeto, prevendo, por exemplo, o estabelecimento de cobrança única para pessoas que trafeguem mais de uma vez por dia em algum dos trechos onde serão instaladas as praças. Mas não deu mais detalhes sobre as mudanças.
Alternativas em tramitação
Além dos impactos financeiros para as famílias da região, os críticos à medida temem que outra consequência do projeto seja a fragmentação da RMBH. Em resposta, foi protocolada na ALMG, em fevereiro, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para proibir a cobrança de tarifas e pedágios entre os trechos.
O projeto é de autoria de Bella Gonçalves, mas conta com as assinaturas de outros 32 parlamentares. A iniciativa tem como base a compreensão de que os municípios de regiões metropolitanas são interdependentes, no que diz respeito à economia, ao trânsito e às políticas públicas.
Também foi protocolado no legislativo estadual um projeto de lei (PL) que propõe que a distância mínima entre praças de pedágio seja de no mínimo 100 quilômetros. A iniciativa é dos deputados estaduais Lohanna França (PV) e Betão (PT).
“Não tem como defender os pedágios de um homem [Zema] que fica falando que é contra aumentar a taxa de imposto para as pessoas. O governo está colocando uma cobrança adicional sobre as pessoas”, criticou França, em reunião na ALMG.
“Não faz o menor sentido impor barreiras para que a região metropolitana funcione. As pessoas têm que dar conta de entender que todo mundo vai pagar mais, enquanto Zema sobe no palanque e fica falando que o que ele defende é que ninguém pague nada a mais”, continua a deputada.
O outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com o governo de Minas para comentar sobre o caso, mas não obteve respostas, até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.