O professor Rafael Pinheiro Araújo, especialista em história da América na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), avalia que o resultado das eleições presidenciais no Equador levanta dúvidas legítimas sobre sua validade, sobretudo diante da decretação de estado de exceção às vésperas do pleito. A medida, adotada pelo presidente reeleito Daniel Noboa, restringiu liberdades civis em províncias cruciais para a oposição, incluindo a capital Quito.
“Não é normal que, às vésperas de uma eleição, se decrete estado de exceção sob o argumento de combater a violência urbana. O problema da violência pode ter sido usado para conter manifestações ou até manipular o processo eleitoral”, questionou o professor em entrevista ao programa Conexão BdF, do Brasil de Fato.
Apesar da participação nas urnas no segundo turno ter sido superior à registrada na primeira rodada, paira no país a denúncia de fraude eleitoral feita por Luisa González, candidata da Revolução Cidadã. “É um cenário ainda nebuloso, mas são alegações graves que devem ser apuradas. […] Cabe à comunidade sul-americana investigar se houve de fato uma manipulação eleitoral”, alerta.
A eleição colocou em disputa dois projetos antagônicos: de um lado, a extrema direita, representada por Noboa — jovem político de 37 anos, herdeiro de um império exportador de bananas, com formação nos Estados Unidos e trajetória política recente; do outro, um campo de centro-esquerda progressista vinculado ao legado do ex-presidente Rafael Correa, representado por González, ex-deputada e figura relevante da Revolução Cidadã.
O Narcotráfico e a pauta da violência
O historiador também chama atenção para o papel central que a violência e o narcotráfico desempenharam no pleito. O Equador, por sua localização estratégica entre Colômbia e Peru, se tornou rota fundamental para o tráfico de cocaína, com estimativas indicando que até um quarto do PIB do país pode estar vinculado ao narcotráfico. “A taxa de homicídios do Equador é hoje a mais alta da América Latina”, destacou.
Segundo ele, o governo Noboa tem capitalizado esse cenário com uma política de militarização e endurecimento, que dialoga com setores da sociedade impactados pelo medo, mas que ignora abordagens mais eficazes de prevenção. “Fazer parte de espectro político que naturaliza a brutalização e uso da força como expediente principal de combate ao narcotráfico fez com que a pauta dele colasse num setor do eleitorado equatoriano que está assustado com a violência e o narcotráfico. Mas a violência não se combate só com o uso da força; sabemos que isso não resolve o problema, se não o Rio Janeiro não estaria como está”, comparou.