Comissão de Anistia vai recomendar à Funai que desista de recurso que ‘trava’ reparação ao povo Krenak


Nesta terça-feira (2), Comissão formalizou anistia e pediu desculpas, em nome do estado brasileiro, aos indígenas Krenak, perseguidos e obrigados a deixar suas terras durante o regime militar. Justiça Federal em Minas já havia condenado Funai, União e governo do estado; caso ainda está em tramitação. Presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, pede desculpa ao povo Krenak em nome do estado brasileiro
Comissão de Anistia/ Reprodução
A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos vai recomendar à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que desista do pedido de efeito suspensivo à decisão da Justiça Federal que condenou o órgão, a União e o governo de Minas Gerais por violações dos direitos do povo indígena Krenak durante a ditadura militar e determinou o cumprimento de uma série de obrigações.
Nesta terça-feira (2), a Comissão de Anistia formalizou anistia e pediu desculpas, em nome do estado brasileiro, aos Krenak, perseguidos e obrigados a deixar suas terras durante o regime militar.
“Estou pedindo perdão pela perseguição que nos últimos 524 anos o seu povo, assim como todos os demais povos originários, sofreu por conta da invasão que os não indígenas fizeram nessa terra, que é de vocês”, disse a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, à liderança indígena Djanira Krenak.
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Condenação
Em setembro 2021, a pedido do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, a Justiça Federal já tinha obrigado União, governo de MG e Funai a realizar, em seis meses, cerimônia para reconhecer as violações cometidas seguida de pedido de desculpas a povo Krenak, além de ter ordenado que:
a Funai a concluísse o processo administrativo de identificação e delimitação da terra indígena Krenak de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas, no prazo de seis meses, e a estabelecesse ações de reparação ambiental das terras degradadas pertencentes aos Krenak;
a Funai e o estado de Minas implementassem, com participação do povo Krenak, ações voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak por meio do Programa de Educação Escolar Indígena;
a União disponibilizasse na internet, em até seis meses, toda a documentação relativa às violações dos direitos humanos dos povos indígenas, para livre acesso do público.
No entanto, em 2022, a Funai pediu a concessão de efeito suspensivo em recurso de apelação, alegando que o prazo de seis meses “desconsidera os parcos recursos orçamentários, carência de servidores qualificados e a própria natureza complexa dos trabalhos do processo demarcatório”.
Em outubro do mesmo ano, a Justiça deferiu o pedido da Funai e concedeu efeito suspensivo à apelação, o que significa que a sentença perde efeito até o julgamento do recurso e impede que o MPF exija o cumprimento das obrigações.
O g1 questionou ao Ministério dos Direitos Humanos quando a recomendação à Funai sobre o recurso será expedida e aguarda retorno.
Avanços
Apesar da suspensão dos efeitos da sentença, houve avanços. Em abril passado, a Funai assinou o ato de identificação e delimitação da terra indígena Krenak de Sete Salões, na Região do Rio Doce.
Essa é uma das etapas do processo demarcatório, que só é finalizado após o registro da área em nome da União com usufruto indígena.
Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação do MPF, a decisão da Comissão de Anistia pode contribuir para a conclusão da demarcação.
“O julgamento já resultou no pedido de desculpas e repercutirá em um conjunto de políticas públicas que podem ser aplicadas pelos órgãos públicos, que receberão recomendações pela Comissão de Anistia, inclusive com relação aos direitos territoriais. A primeira reivindicação de reparação feita pelo povo indígena Krenak é a conclusão da demarcação do território de Sete Salões, que é sagrado e tem um valor espiritual e cultural muito relevante”, afirmou.
Outro avanço foi a comprovação, por parte da União, da disponibilização da documentação relativa às violações dos direitos dos povos indígenas.
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Comissão da Verdade/Reprodução
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Entenda
De acordo com as investigações do MPF, diversas arbitrariedades foram praticadas contra os povos indígenas em Minas Gerais durante a ditadura militar.
▶️ Em 1969, em Resplendor, na Região do Rio Doce, a Polícia Militar e a Funai instalaram o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, na área do Posto Indígena Guido Marlière, onde viviam os Krenak, para o confinamento de indígenas classificados como “perturbadores da ordem tribal”.
▶️ Eles chegavam ao reformatório, uma espécie de presídio, sem uma “pena” definida, de forma que o tempo de permanência dependia do responsável pelo estabelecimento, Manoel dos Santos Pinheiro, conhecido como Capitão Pinheiro, que também era réu na ação – ele morreu em 2023.
▶️ Não havia julgamento. A tortura era comum, e os indígenas eram obrigados a fazer trabalhos forçados.
▶️ O local abrigou, até 1972, indígenas de mais de 15 etnias levados de vários estados do Brasil pela Guarda Rural Indígena. Os Krenak passaram também à condição de detidos.
▶️ A primeira turma da Guarda Rural Indígena, criada em 1969, foi treinada pela PM e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país. Eram indígenas punindo e vigiando outros, o que causou desagregação e estimulou conflitos entre eles.
▶️Em 1972, os indígenas que viviam no reformatório foram compulsoriamente transferidos para uma fazenda localizada na cidade de Carmésia, também na Região do Rio Doce, a Fazenda Guarani. Os Krenak, portanto, foram expulsos de suas terras e obrigados a viver a mais de 300 km de distância, em uma espécie de campo de concentração.
▶️ Grande parte das terras antes ocupadas pelos indígenas em Resplendor foi distribuída a posseiros.
▶️ Em 1993, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou nulas as transferências das terras habitadas pelo povo Krenak aos posseiros. Os indígenas recuperaram parte do território, mas a área de Sete Salões ficou de fora.
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