
Lumen Muller Lohn, de 45 anosm, a major transgênero aposentada compulsoriamente pela Polícia Militar de Santa Catarina, afirmou estar chocada com a decisão, uma vez que continuou trabalhando durante todo o andamento do processo. A corporação argumenta a transferência para a reserva ocorreu por “inconstância laboral” e “questões comportamentais”.

A major transgênero, Lumen Lohn Freitas, foi aposentada, compulsoriamente, por não ser “habilitada ao acesso” a nova patente – Foto: Arquivo pessoal/ND
A decisão, assinada pelo governador Jorginho Mello (PL), foi publicada em edição extra do Diário Oficial do Estado no dia 4 de abril de 2025. O documento considera “procedente a justificação militar” e recomenda transferência da oficial para reserva remunerada por considerar “não habilitada para o acesso em caráter definitivo”.
Major transgênero queria progredir na carreira
Em entrevista ao ND Mais, a major Lumen afirmou que recebeu com surpresa a decisão, uma vez que permanecia atuando à Diretoria da Saúde, da Polícia Militar durante todo o andamento do processo. Ela foi designada para o setor em 2022, após retornar de um afastamento de dois anos por depressão.
“Eu segui trabalhando durante o curso do processo. Para quem estava ali, parecia que o processo era inútil e uma perda de tempo porque eu continuei trabalhando, interagindo com os oficiais do Conselho. Eu fiquei chocada com o resultado e mais chocada ainda por ter sido unânime”, revelou a major transgênero à reportagem.

Decisão foi publicada em edição extra do Diário Oficial do Estado em 4 de abril – Foto: DOE/Governo de Santa Catarina
O processo para aposentadoria compulsória da major transgênero começou em 2022, depois que ela foi recusada para promoção a tenente-coronel três vezes, mesmo período em que ela iniciou a transição de gênero.
“Eu queria continuar trabalhando, progredir na carreira. Tem um plano quando se ingressa em uma carreira como essa e é horrível ser impedida no meio, sem um motivo para isso”.
Conforme o artigo 102, inciso VIII, do Estatuto dos Militares (lei Nº 5.774/1971), “pôr o oficial considerado não habilitado para o acesso em caráter definitivo” deverá ser passado para a inatividade, mediante transferência para a reserva remunerada.
“Eles estão me mandando embora sem razão”, diz militar
A major transgênero possui diagnósticos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e TAB (Transtorno Afetivo Bipolar), ambos em remissão, segundo ela. À reportagem, Lumen afirmou que os transtornos não são consideradas justificativas para o pedido de afastamento.
“A Junta Médica disse que se há tratamento, está tudo certo e eu estou em remissão. A questão é que eles não fariam essa pergunta sobre uma pessoa que tem diabete, por exemplo. No processo, não existe nenhuma acusação, nenhuma conduta, nenhum fato que justifique o meu afastamento. Não é nem que justifique, não tem. Eles estão me mandando embora sem razão. A argumentação é o fato de eu não ter sido promovida”, afirmou Lumen.
A justificativa dada a ela, à época em que foi recusada para a promoção a tenente-coronel, foi de que ela havia permanecido em afastamento por motivo de saúde por muito tempo, o que impediria a promoção.

Ao ND Mais, Lumen afirmou que tinha o desejo de continuar na ativa – Foto: Arquivo pessoal/ND
Logo após as recusas, a corporação pediu ao Conselho de Justificação da Polícia Militar que iniciasse um procedimento para transferência da major transgênero à reserva. A fase de instrução começou em 2023 e o processo foi concluído com a aposentadoria compulsória. O conselho é composto por três oficiais, homens, superiores à major transexual.
“O processo começou logo depois que eu iniciei a transição. A corporação afirma que só soube disso depois que eu apresentei o ofício, em janeiro de 2023, mas não tinha como não terem visto. Quando eu decidi que iria fazer a transição, eu não fiz escondida”, contou Lumen. A major transgênero irá recorrer, judicialmente, da determinação.
Contraponto
Em nota conjunta, a Polícia Militar de Santa Catarina e o governo do Estado afirmam que a decisão de encaminhar a major transexual para a reserva “teve como base pareceres técnicos e jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado e do próprio Conselho de Justificação da Polícia Militar. A alegação foi de incompatibilidade para continuar na ativa”.
O posicionamento diz ainda que “essa justificativa foi considerada válida, de acordo com a legislação vigente, e por isso ocorre a determinação de que se afaste do serviço ativo e passe para a reserva”.