Racismo: chamada de “Juma”, mulher recebe R$ 50 mil em dano moral

JustiçaLorena Amaro

Uma decisão recente proferida pela 13ª Vara do Trabalho da Zona Leste de São Paulo resultou na condenação de uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil a uma vendedora de origem angolana, vítima de assédio moral com conotação discriminatória, chamada de “Juma” e “sovaquenta”.

A sentença reconheceu não apenas o caráter abusivo e reiterado das condutas dos superiores hierárquicos, mas também a presença de elementos de racismo e intolerância religiosa, configurando uma violação grave à dignidade da trabalhadora.

De acordo com o que consta no processo, as agressões verbais partiam de dois chefes diretos da funcionária, que dirigiam ofensas tanto de maneira presencial quanto por meio de chamadas pelo aplicativo Skype.

O que aconteceu

Segundo o relato da testemunha ouvida em audiência, os gestores chegaram a dizer que a vendedora “cheirava mal”, utilizando o termo pejorativo “sovaquenta” para ridicularizá-la perante os colegas de trabalho. Ainda segundo o depoimento, a mulher era chamada de “Juma” – referência à personagem indígena da novela Pantanal – em tom depreciativo, como forma de insinuar que ela não possuía higiene pessoal ou padrões de comportamento civilizado.

A situação se agravou ainda mais quando um supervisor proferiu comentários discriminatórios ligados à religião praticada pela funcionária, alegando que sua fé “matava animais”, o que, segundo o magistrado, representa uma forma clara de racismo religioso.

A testemunha ainda declarou que, embora a empresa tivesse conhecimento das condutas abusivas, nenhuma providência foi adotada para coibir ou punir os responsáveis pelas ofensas, o que contribuiu para a perpetuação do ambiente hostil.

A empresa, em sua defesa, tentou minimizar os fatos, afirmando que o apelido “Juma” teria sido utilizado apenas em um contexto privado e de forma supostamente inofensiva, chegando a apresentar o termo como uma forma de “carinho” ou até de elogio.

No entanto, essa argumentação não foi acolhida pela juíza responsável pelo caso, Aline Soares Arcanjo, que classificou a conduta como um exemplo claro de racismo recreativo — expressão utilizada para descrever atitudes racistas disfarçadas de humor ou brincadeiras.

Na fundamentação da sentença, a magistrada fez referência ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (Resolução nº 598/2024), que recomenda a análise sensível de casos envolvendo discriminações raciais, inclusive aquelas manifestadas de forma sutil, como as chamadas microagressões.

A juíza destacou que tais comportamentos, embora frequentemente naturalizados no cotidiano, provocam efeitos profundos e duradouros sobre a saúde mental, emocional e profissional das vítimas.

A decisão judicial também levou em conta o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em parceria com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

Segundo o documento, o racismo religioso configura um conjunto de práticas que traduzem o preconceito contra religiões de matriz africana ou indígena, atingindo não apenas os praticantes dessas crenças, mas também os espaços sagrados e tradições culturais que integram essas religiões.

Diante da gravidade dos fatos apresentados e da confluência de múltiplos fatores de vulnerabilidade — especialmente raça, gênero e religião — a juíza concluiu que a trabalhadora foi submetida a um quadro de discriminação estrutural e institucionalizada, onde a omissão da empresa apenas reforçou a exclusão e o sofrimento impostos.

Além da condenação à reparação financeira, a sentença reconheceu que a autora do processo não havia se desligado da empresa por vontade própria, mas sim em razão de um ambiente de trabalho insustentável, o que levou à conversão do pedido de demissão em rescisão indireta do contrato — instituto jurídico que reconhece o rompimento do vínculo empregatício por justa causa do empregador.

Segundo a trabalhadora, ela aceitou um novo emprego com remuneração inferior e menos benefícios apenas para preservar sua saúde mental e bem-estar, chegando a perder mil reais mensais em salário fixo.

Como medida adicional, a magistrada determinou o envio de ofícios ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) para que sejam apuradas possíveis responsabilidades administrativas, cíveis e até criminais por parte dos envolvidos.

O processo segue pendente de análise de recurso pelas partes envolvidas.

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