Apadrinhamentos e nomeações sem critérios técnicos reforçam precarização da rede federal de hospitais do Rio

Uma das suspeitas envolve secretário do Ministério da Saúde e o caso foi denunciado ao Ministério Público Federal; sucateamento das unidades deixou mais de 18 mil pacientes sem cirurgias e procedimentos, e fez com que mais de R$ 20 milhões em materiais médicos passassem do prazo de validade. Apadrinhamentos e nomeações sem critérios técnicos reforçam precarização da rede federal de hospitais do Rio
O Fantástico teve acesso com exclusividade aos seis hospitais da rede federal do Rio de Janeiro e constatou uma série de precariedades estruturais, materiais médicos vencidos e milhares de pacientes esperando por atendimento.
Por trás desse cenário, uma longa lista de denúncias sobre loteamento nesses hospitais. Há décadas, cargos cobiçados na direção das unidades são disputados por grupos políticos, que indicam nomes para funções sem o devido critério técnico.
Em muitos casos, esses apadrinhados estão sendo investigados por denúncias sobre ineficiência, negligência e corrupção.
Um dos casos suspeitos envolve Helvécio Magalhães, secretário responsável pela atenção especializada hospitalar no Ministério da Saúde.
No começo de março, a dona de uma empresa chamada Potenza, do ramo da construção civil, usou o nome dele para entrar em um dos hospitais federais, o de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio.
Imagens de câmeras de segurança mostram Grasielle Esposito circulando pela unidade no dia 8 de março. Uma ata registrou uma declaração de Grasielle dizendo que teria sido enviada ao hospital por Helvécio como consultora, para avaliar as condições da estrutura de energia e tratar da reabertura da emergência da unidade.
A ala está fechada há mais de 3 anos, justamente pela incapacidade da rede elétrica do hospital de supri-la com segurança.
Na quarta-feira (13), Grasielle voltou ao hospital e participou de uma reunião ao qual o Fantástico teve acesso. Nela, citou novamente Helvécio, dizendo que ele havia pedido para que fosse feito um estudo sobre o status de conservação dos hospitais federais, com ciência da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Em entrevista, Grasielle negou que ocupe cargo público atualmente. Perguntada sobre a reunião, ela reforçou que não foi como empresa, mas como pessoa física.
Grasielle Esposito já conhecia Helvécio Magalhães há anos. Em 2016, quando ele era secretário estadual de planejamento e gestão de Minas Gerais, nomeou Grasielle para supervisionar a sede administrativa do governo mineiro.
Em nota, Helvécio confirmou que a enviou ao Hospital Federal de Bonsucesso e alegou que ela passava por processo de contratação como consultora da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. E que a visita ocorreu devido à urgência das condições do hospital. O secretário não respondeu à pergunta sobre a visita ter acontecido sem Grasielle ter qualquer vínculo com o Ministério da Saúde.
Funcionários do hospital denunciaram o caso ao Ministério Público Federal. A ministra da Saúde disse que vai mandar que o fato seja apurado.
“Desconheço esse fato, de uma empresa ter falado em meu nome, ou em nome do secretário. Qualquer fato que mereça apuração, será apurado, qualquer fato. Nenhuma empresa foi procurar um hospital em meu nome.”
A ministra garantiu ainda que não vai permitir qualquer tipo de influência na gestão dessas unidades. “Hoje, não há grupo político dono desses hospitais, do ponto de vista da sua gestão. Isso posso dizer com toda a clareza”.
O Tribunal de Contas da União, que fiscaliza as atividades dos hospitais federais no Rio de Janeiro, vai acompanhar de perto a mudança na gestão das unidades.
“A má gestão desses hospitais é crônica, eu posso te dizer que ela é crônica, por isso vamos avaliar. Deve ter muita gente incomodada, mas é necessária dar esse passo”, disse Vital do Rego, ministro do TCU.
Referências no atendimento de alta complexidade, os hospitais federais do Rio realizam procedimentos como tratamentos de câncer, cardiologia e transplantes. Para 2024, o orçamento passa de R$ 862 milhões.
Ainda assim, mais de 18 mil pacientes aguardam algum tipo de procedimento cirúrgico. Em muitos setores dos hospitais, os aparelhos médicos estão quebrados e caixas de materiais vencidos ou danificados — como utensílios cirúrgicos e próteses ortopédicas, cujo valor passa dos R$ 20 milhões.
Em julho de 2023, o Ministério da Saúde fez um relatório sobre os hospitais federais do Rio de Janeiro. O documento reforçou a situação de calamidade e precarização.
Ouça os podcasts do Fantástico
ISSO É FANTÁSTICO
O podcast Isso É Fantástico está disponível no g1, Globoplay, Deezer, Spotify, Google Podcasts, Apple Podcasts e Amazon Music trazendo grandes reportagens, investigações e histórias fascinantes em podcast com o selo de jornalismo do Fantástico: profundidade, contexto e informação. Siga, curta ou assine o Isso É Fantástico no seu tocador de podcasts favorito. Todo domingo tem um episódio novo.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.