
Anos de conspiração e controvérsia levaram os Estados Unidos a permanecerem no que era então um reino independente. Os Estados Unidos anexaram o Havaí ao seu território em 1898
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No final do século 19, os Estados Unidos eram uma superpotência em ascensão. E o Havaí era um pequeno Estado independente, chefiado por uma rainha nativa.
Mas, em breve, tudo mudaria para sempre.
Na década de 1890, o Havaí foi o cenário de conspirações, tensões políticas e manobras militares. Este processo culminaria com a decisão do presidente americano William McKinley (1843-1901) de anexar o arquipélago aos EUA, em 1898.
A medida foi decisiva para a expansão territorial do país. E, segundo alguns autores, para a formação do “imperialismo americano”.
Mas como era o Havaí naquela época? Por que os Estados Unidos tinham interesse em um local tão isolado? E como eles conseguiram tomar posse do arquipélago?
Esta é a história de como um país que emergia como uma grande potência mundial se apossou de um remoto reino insular e o transformou em um enclave estratégico para projetar e defender seu poderio global.
Como era o Havaí até 1890?
No início da década de 1890, o Havaí era uma monarquia independente, onde reinava a soberana nativa Lili’uokalani (1838-1917).
Localizado a meio caminho das rotas marítimas que ligavam os mercados americano e asiático, o arquipélago se transformava em uma peça cada vez mais cobiçada, em um mundo dominado pela disputa entre as grandes potências coloniais europeias, às quais se uniria brevemente a concorrência dos Estados Unidos.
A população polinésia autóctone havia assistido, nas décadas anteriores, à chegada de europeus e americanos. Eles eram atraídos pelas altas margens de lucro do cultivo de açúcar nas ilhas havaianas.
Muitos imigrantes japoneses também trabalhavam naquelas plantações. Eles eram frequentemente submetidos a exploração e abusos. Mas sua presença, aliada à localização estratégica do arquipélago e sua importância comercial cada vez maior, alimentava o desejo do Japão de tomar posse do Havaí.
A influência americana também vinha em crescimento, sobretudo devido ao papel dos comerciantes americanos. Eles dominavam os negócios relacionados ao açúcar, bem como grande parte do poder local.
“Eles ficaram muito ricos e, agora, queriam que seu poder político igualasse o econômico”, explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o historiador americano Robert Merry, autor de uma biografia do presidente McKinley.
O complô dos americanos
A rainha Lili’uokalani planejava promover uma nova Constituição que garantisse o direito dos nativos ao voto e reforçasse o poder da Coroa havaiana.
A notícia deixou os produtores brancos alarmados. Eles consideravam que os planos da rainha poderiam colocar em risco seus privilégios. E a decisão do governo americano de cobrar impostos de importação para proteger os produtores de açúcar dos Estados Unidos agravou ainda mais a situação.
O historiador americano Tennant McWilliams (1943-2023) afirmava que tudo isso “criou um grande problema para os produtores de açúcar do Havaí. Só havia uma forma para que eles sobrevivessem: passar a fazer parte dos Estados Unidos.”
Com este objetivo em mente, eles organizaram um complô contra a rainha, com o apoio do representante americano no arquipélago, John L. Stevens (1820-1895). A eles se uniu um grupo de mais de uma centena de fuzileiros navais americanos, que chegaram à capital havaiana, Honolulu, em um navio da Marinha dos Estados Unidos que estava na região.
“A rainha ficou sob enorme pressão e renunciou ao trono”, conta Merry.
Com a rainha detida e vigiada por homens armados, os agricultores brancos formaram um governo provisório, que solicitou a Washington a anexação do Havaí aos Estados Unidos.
O então presidente americano Benjamin Harrison (1833-1901) era favorável à ideia. Mas Merry conta que ele “enviou uma proposta de tratado de anexação ao Congresso, que foi recebida de forma modesta. Por isso, ele voltou atrás.”
A questão havaiana ficaria pendente para o sucessor de Harrison na Casa Branca em 1893: Grover Cleveland (1837-1908).
A recusa de Cleveland
A chegada de Cleveland à presidência americana trouxe uma reviravolta para a questão do Havaí.
O novo presidente ordenou uma investigação sobre os acontecimentos que levaram à queda de Lili’uokalani e suas conclusões foram as mais contrárias possíveis aos desejos dos produtores de açúcar.
Um artigo publicado pelo Instituto Gilder Lehrman de História dos Estados Unidos indica que “Cleveland se negou a levar a cabo a anexação do Havaí porque sua crença na justiça e na honra dos Estados Unidos se chocava com as ações para manter um governo provisório percebido como antidemocrático.”
O presidente declarou, em uma mensagem de 1893, que “é política estabelecida dos Estados Unidos conceder aos povos de outros países a mesma liberdade e independência (…) que sempre reivindicamos para nós”.
McWilliams destaca que, ao tomar conhecimento do relatório, Cleveland “não só condenou a agressividade dos Estados Unidos, a conspiração e o sigilo de tudo aquilo como ilegal e imoral, como também exigiu uma solução moral e muito pragmática: devolver o poder à rainha”.
Mas os americanos que haviam destronado a soberana se negaram a obedecer ao presidente — que, por sua vez, também não insistiu. “Cleveland não estava interessado em uma intervenção militar no Havaí” contra americanos, segundo Merry.
A contradição entre as posturas dos presidentes Harrison e Cleveland demonstra as diferentes visões sobre o papel que os Estados Unidos deveriam desempenhar no mundo, em um momento em que o país já se apresentava como grande potência industrial e militar.
Cleveland era isolacionista e não via benefícios para o seu país na anexação daquelas ilhas distantes na Polinésia. Mas outros americanos continuavam acreditando na teoria do Destino Manifesto.
Popularizada em meados do século 19, esta teoria afirma que os Estados Unidos seriam uma nação predestinada a se expandir e dominar o mundo. Por isso, as ideias isolacionistas de Cleveland logo seriam derrotadas.
McKinley e a anexação do Havaí
Em 1897, entra em cena outro protagonista desta história: William McKinley, que passa a ser o novo presidente dos Estados Unidos.
Ele retoma à questão havaiana, que não havia sido um tema dominante na campanha eleitoral vencida por ele.
Descrito como “ardente imperialista”, McKinley voltou a ser lembrado nos últimos tempos nos Estados Unidos. O atual presidente, Donald Trump, reivindica o legado do seu antecessor e admira a expansão territorial produzida durante seu mandato.
McKinley retomou alguns dos argumentos defendidos por Harrison a favor da anexação, como o risco de que o Havaí pudesse cair nas mãos de alguma potência estrangeira. Ele considerava que esta seria uma possível ameaça à segurança dos Estados Unidos.
Sua tese é semelhante aos argumentos atuais de Donald Trump sobre a Groenlândia e o Canal do Panamá.
“McKinley não era um visionário que chegou com grandes ambições territoriais à presidência americana”, explica Merry, “mas sim um grande gestor, que sabia observar as oportunidades e percebeu que a manutenção do Havaí como entidade independente no Pacífico provavelmente não era viável.”
Por isso, em 1897, o então presidente americano tentou, pela primeira vez, fazer com que o Congresso dos Estados Unidos aprovasse a anexação do arquipélago.
McKinley tentou convencer os legisladores que, se os Estados Unidos não o fizessem, o Japão tomaria a iniciativa e se apossaria do Havaí. Mas a anexação foi novamente rejeitada.
A sorte dos havaianos só seria decidida no ano seguinte, influenciada por uma guerra deflagrada em uma ilha muito distante do Havaí: Cuba, onde os rebeldes locais passaram anos combatendo o domínio espanhol e lutando pela sua independência.
A incapacidade da Espanha de conter a insurreição causava irritação nos Estados Unidos. Afinal, uma potência europeia em decadência estava desestabilizando o que os americanos consideravam sua área de influência, prejudicando seus interesses na região.
Washington exigia a Madri que fizesse concessões aos insurgentes cubanos. Inicialmente, as exigências não foram atendidas. E, quando a Espanha cedeu, as concessões acabaram sendo insuficientes para trazer a paz.
Por fim, os Estados Unidos entraram em guerra contra a Espanha, que ainda conservava três últimos vestígios do seu vasto império: Cuba, Porto Rico e as Filipinas.
A guerra “levou os Estados Unidos a anexar o Havaí, porque demonstrou a importância militar do arquipélago frente ao aspecto moral da anexação”, segundo o Instituto Gilder Lehrman.
O Havaí havia se transformado em um ponto fundamental de escala e abastecimento. O arquipélago servia de plataforma para possibilitar à Marinha americana, cada vez mais poderosa, atacar alvos espanhóis nas Filipinas.
Por fim, em 12 de agosto de 1898, McKinley sancionou a lei aprovada no dia anterior pelo Congresso, transformando o Havaí em território americano.
A importância estratégica
Desde a sua anexação, o Havaí é uma das grandes plataformas do poderio dos Estados Unidos na região da Ásia e do Pacífico.
Merry explica que, “no final do século 19, você precisava do Havaí para ter posição dominante no Pacífico”.
“Era a época dos grandes navios de aço movidos a carvão, e os Estados Unidos estavam formando uma grande frota, que precisava de um ponto de abastecimento”, prossegue o historiador.
Em 1941, o ataque a Pearl Harbor marcou o início das hostilidades japonesas contra os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O evento deixou evidente a importância do Havaí.
“O Japão atacou o Havaí, mas, se tivesse o controle do arquipélago, teria conseguido atacar a costa oeste dos Estados Unidos.”
Décadas depois, o Havaí continua sendo a base da Frota do Pacífico, a maior da Marinha americana. São 200 navios e cerca de 1,5 mil aviões.
Agora que a China é a grande rival dos americanos, “o Havaí ainda é a base para as armas e os recursos empregados pelos Estados Unidos para continuar atuando como potência na Ásia e no Pacífico”, conclui Merry.
A reação no Havaí
A queda da monarquia havaiana e o estabelecimento da soberania dos Estados Unidos sobre o arquipélago formam um episódio histórico espinhoso. Afinal, embora tenham contribuído para o crescimento de um país (os Estados Unidos), os eventos também levaram ao desaparecimento de outra nação – o Havaí independente.
As ações dos produtores brancos de açúcar que derrubaram a rainha Lili’uokalani foram condenadas pelo presidente Cleveland e também por muitas pessoas, no Havaí e nos Estados Unidos.
A decisão de McKinley de anexar o Havaí também ignorou, entre outros, os milhares de nativos que assinaram uma petição para que a anexação não fosse realizada.
Em 1993, quase 100 anos depois, o Congresso americano aprovou uma resolução pedindo “desculpas aos nativos havaianos pela derrubada do reino do Havaí”.
A resolução qualificou de “ilegal” a conspiração que levou à queda de Lili’uokalani e reconheceu que, antes da incorporação aos Estados Unidos, “o povo nativo havaiano vivia em um sistema social altamente organizado e autossuficiente, baseado na posse comunitária da terra”.
A convicção de que os acontecimentos que levaram à anexação do Havaí foram um agravo injusto aos nativos gerou um movimento pela soberania do Havaí, que permanece ativo no arquipélago até hoje.