União indeniza funcionária vítima de assédio sexual cometido pelo juiz Marcos Scalercio em fórum


Advocacia-Geral da União fez acordo com servidora após CNJ confirmar que ela sofreu assédio no gabinete dele em SP. Mulher teve redução de salário ao ser transferida por superiores após denunciar crime e teve despesas com terapia psicológica. Acusado foi punido com aposentadoria. Marcos Scalercio também era professor do cursinho Damásio.
Reprodução/Instagram
Após sete anos, a União vai pagar indenização por danos morais e materiais a uma funcionária vítima de assédio sexual cometido pelo então juiz Marcos Scalercio no fórum trabalhista em São Paulo. O crime foi cometido em 2018 dentro do gabinete do magistrado, segundo a acusação.
As denúncias de assédio sexual contra Scalercio foram reveladas em 2022 pelo g1 após as mulheres procurarem a organização que combate o assédio contra mulheres Me Too Brasil e o Projeto Justiceiras (leia mais abaixo).
A decisão de indenizar a vítima foi confirmada pela Advocacia-Geral da União (AGU), em seu site oficial, e pela funcionária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) e o seu advogado ao g1. Eles não divulgaram o valor da indenização por conta do sigilo do processo. O nome da vítima também foi mantido em segredo.
A equipe de reportagem não conseguiu localizar a defesa do ex-juiz Scalercio para comentar o assunto.
Ele deixou a magistratura em 2023, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na capital federal, o julgou e o puniu administrativamente com a aposentadoria compulsória após ele ter sido acusado de assédio sexual e importunação sexual contra ao menos três mulheres na capital paulista. Em outras ocasiões, o ex-magistrado sempre negou as acusações e se dizia inocente.
Uma das dessas vítimas naquela ocasião foi a servidora do TRT-2. Ela havia entrado com um processo na Justiça Federal para que a União pagasse à vítima, porque, além de ter tido redução no salário ao ser transferida de função por seus superiores após denunciar o assédio, teve despesas médicas e com terapia psicológica em razão da violência sexual que sofreu.
De acordo com a AGU, o órgão avalia a possibilidade de entrar com “ação regressiva em face do magistrado para reaver os valores despendidos com a indenização”, ou seja, que o juiz pague o valor depois.
“Com seriedade e profissionalismo apontamos os danos e apuramos os valores, e uma equipe de Advogados da União analisou e conferiu cada elemento, concluindo que um acordo seria melhor e menos custoso para a União, do que prosseguir a disputa processual. E depois de alguns meses de negociação, chegamos num ponto de equilíbrio para os dois lados, permitindo uma significativa economia para a União e uma adequada compensação para a vítima”, disse o advogado da servidora, José Lucio Munhoz.
“Esse acordo com a União representa o segundo momento de resgate da dignidade de uma mulher servidora que foi vítima, que não teve amparo da sua instituição e que sofreu as dores da injustiça”, falou a funcionária em depoimento à AGU.
‘Tentava me beijar’, diz vítima
Funcionária do TRT-SP denuncia juiz por assédio
Em 2022, o g1 entrevistou duas das três vítimas, uma delas a funcionária do TRT que recebeu a indenização após ter sido assediada sexualmente por Scalercio dentro da sala do magistrado, no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa. Ele era juiz substituto do TRT à época.
“Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que ‘sabia que eu queria’ e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila”, contou a servidora do TRT sobre o que ocorreu em 2018, segundo ela (veja vídeo acima).
As outras duas vítimas que acusaram Scalercio de assédio e importunação sexual disseram que os crimes ocorreram em 2014 e 2020. Elas são, respectivamente: uma aluna do cursinho Damásio para estudantes de direito, onde o juiz era professor, e uma advogada, que era seguidora dele nas redes sociais por causa de seu trabalho.
A ex-estudante do Damásio contou que foi atacada pelo docente quando o encontrou numa cafeteria.
“Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar”, afirmou a ex-aluna. O Damásio também desligou o docente após as denúncias terem sido reveladas pelo g1.
E a advogada disse que o juiz a importunou pela página dele na internet durante a pandemia de Covid. “Começou com conversas relacionadas às dúvidas, sendo solícito como professor, mas já partiu para uma conversa de cunho sexual”, disse a advogada na acusação contra Scalercio no CNJ. Como ela não deu bola, foi chamada por ele de “assexuada”.
PF fez operação contra ex-juiz
CNJ pune juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual em SP
No último dia 19 de março de 2025, a Polícia Federal (PF) realizou operação de busca e apreensão contra o ex-juiz Scalercio. O motivo é o fato de ele também ser investigado criminalmente por suspeita de ter cometido violência sexual contra mulheres em São Paulo.
Segundo a PF, a “Operação Verres” cumpriu mandado expedido pela Justiça Federal. A investigação tem como objetivo encontrar e apreender elementos que comprovem informações das denúncias das vítimas que estão no inquérito.
Os agentes da PF iriam apreender computadores e outros equipamentos eletrônicos do juiz. Scalercio responde aos crimes em liberdade. Apesar disso, o inquérito pode resultar em prisão, caso ele seja considerado culpado.
São apurados crimes contra a dignidade sexual. Além das três vítimas citadas acima, a Polícia Federal recebeu outras denúncias de mulheres contra o magistrado.
Após a repercussão dos casos na imprensa, o Me Too Brasil recebeu mais relatos de mulheres que acusam Scalercio de crimes sexuais. Até 2023, o movimento totalizava 96 denúncias. Seis delas o acusaram de estupro (veja vídeo acima).
A investigação contra Scalercio na Polícia Federal é acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.
Com a punição do CNJ, Scalercio deixou a função de juiz e passou a receber a aposentadoria proporcional, que será calculada pelo tempo de serviço. Para isso, o salário dele será usado como base de cálculo. Segundo o site do TRT-2, um juiz substituto ganha, em média, salário de mais de R$ 32 mil mensais.
Mulheres denunciam juiz do TRT por assédio sexual
Após denúncias, outras mulheres acusam juiz e professor de assédio sexual
Leia mais:
Mulheres acusam juiz e professor de assédio sexual após reportagem do g1
Juiz e professor de SP é acusado de assédio sexual a mulheres em fórum trabalhista e nas redes sociais
Mulheres que acusam juiz relatam beijos, agarrões, pedido de foto de calcinha e assédio na webcam: ‘Estava pelado e se masturbando’
Origem da hashtag ‘Me Too’, usada no Twitter por mulheres que sofreram violência sexual
Adicionar aos favoritos o Link permanente.