
Registros da espécie invasora também foram feitos em unidades de conservação. Dispersão do molusco pode causar prejuízos ambientais, econômicos e sanitários. Mexilhão verde flagrado no litoral do estado de São Paulo
Gilberto Manzoni
Uma pesquisa publicada na revista Marine Biology revelou que o mexilhão verde (Perna viridis), uma espécie exótica invasora originária do Indo-Pacífico, está se espalhando pela costa de São Paulo, inclusive em unidades de conservação (UCs).
Conduzido por cientistas do Instituto de Pesca de São Paulo, da Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições parceiras, o estudo identificou 41 registros da espécie, sendo 12 dentro de áreas protegidas, como parques nacionais e reservas ecológicas.
Segundo os especialistas, o aumento do número de registros é preocupante em razão dos impactos ambientais, econômicos e sanitários que o molusco pode causar.
O animal foi encontrado em diversas regiões do litoral paulista, incluindo praias e enseadas de Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Ubatuba, Cananéia, Iguape, Ilha Comprida, Peruíbe, São Vicente e Santos. Na maioria dos locais, ele foi identificado junto a colônias do mexilhão nativo (Perna perna), mas também foi visto incrustado em cordas de amarração de barcos.
Espécie apresenta características ecológicas típicas de uma espécie invasora
yulingfz / iNaturalist
Os pesquisadores mapearam a distribuição do mexilhão verde a partir de amostragens em campo, revisão da literatura científica e registros da plataforma iNaturalist, que permite a colaboração de cidadãos na identificação de espécies.
Edison Barbieri, pesquisador do Instituto de Pesca, alerta que a presença do Perna viridis pode impactar os ecossistemas marinhos ao competir com moluscos nativos por espaço e alimento, comprometendo a cadeia alimentar marinha.
“É importante destacar que ela apresenta características ecológicas típicas de uma espécie invasora, como alta taxa de reprodução, crescimento rápido, tolerância a diferentes condições ambientais e forte capacidade de fixação em substratos artificiais e naturais”, explica Barbieri.
Segundo ele, esses atributos são semelhantes aos observados na ostra Saccostrea cuccullata, espécie também exótica que se estabeleceu de forma dominante no estuário de Cananéia (SP), inclusive em regiões com elevado grau de proteção ambiental.
“Essa ostra rapidamente formou agregações densas, modificando a paisagem bentônica e alterando dinâmicas ecológicas locais”, relata.
Diferenças em relação ao nativo
Barbieri comenta que é possível diferenciar as duas espécies a olho nu com base em características morfológicas externas bastante distintas. O mexilhão verde, como o próprio nome sugere, possui uma concha de coloração verde brilhante nas extremidades, com superfície relativamente lisa e formato mais alongado.
Saccostrea cuccullata é uma espécie de mexilhão nativo
洪清漳 / iNaturalist
“A coloração pode variar do verde intenso ao castanho esverdeado, mas o brilho metálico esverdeado nas bordas da concha é uma das características diagnósticas mais visíveis. Já o mexilhão nativo apresenta coloração predominante marrom-avermelhada, com conchas mais rugosas e com costelas visíveis, além de uma forma menos afilada”.
Além disso, o nativo geralmente forma agregações mais compactas em costões rochosos expostos a forte ação das ondas, enquanto o exótico tem preferência por águas mais calmas, podendo se fixar também em substratos artificiais, como pilares de pontes e cascos de barcos.
“Essas diferenças morfológicas permitem que pesquisadores, gestores e mesmo pescadores locais realizem a identificação preliminar em campo, contribuindo para o mapeamento da expansão de P. viridis”, destaca o pesquisador.
Mexilhão-verde (Perna viridis)
Malaika Mathew Chawla / iNaturalist
Impactos econômicos, sanitários e ambientais
Além dos danos ao meio ambiente, a bioincrustação causada pelo mexilhão verde pode gerar prejuízos econômicos, pois o acúmulo da espécie em cascos de embarcações e estruturas marinhas aumenta os custos de manutenção e afeta a navegabilidade.
No campo da saúde, a espécie também pode atuar como vetor de microrganismos patogênicos, comprometendo a segurança alimentar e a aquicultura local.
Para o especialista, a introdução do mexilhão verde no Brasil pode estar associada ao transporte marítimo internacional, especialmente pela liberação de larvas presentes na água de lastro de navios. Além disso, plataformas petrolíferas e embarcações podem atuar como vetores para a fixação e dispersão da espécie ao longo da costa.
Outra possibilidade considerada pelos cientistas é a poluição plástica. Fragmentos de plástico que flutuam no oceano podem servir como substrato para a fixação de larvas do mexilhão verde, facilitando sua disseminação para novas áreas.
Ameaça em unidades de conservação
Pela capacidade de alterar cadeias tróficas, competir com espécies nativas por espaço e alimento, espécies invasoras como o mexilhão verde podem modificar a estrutura física dos habitats, especialmente em áreas sensíveis como estuários e zonas entremarés.
“Como ele se estabelece rapidamente em agregações densas, sua expansão descontrolada dentro de UCs pode comprometer a biodiversidade local, especialmente em ambientes com alto endemismo ou já sob pressão de ações humanas”, alerta Barbieri.
“Algumas alternativas em avaliação incluem a remoção manual de colônias em áreas críticas, o monitoramento periódico da distribuição e densidade populacional, e ações preventivas de biossegurança em embarcações e estruturas costeiras para reduzir a dispersão da espécie”.
“A elaboração de planos de manejo específicos para o controle de P. viridis e S. cucculta nas unidades de conservação costeiras e marinhas, especialmente no litoral sul de São Paulo, é urgente”, afirma. Esses planos devem integrar ações de pesquisa, monitoramento, educação ambiental e políticas públicas voltadas à contenção de espécies exóticas invasoras.
A população também pode contribuir para o monitoramento do mexilhão verde por meio da ciência cidadã. O registro de ocorrências da espécie em plataformas digitais, como o iNaturalist, ajuda os cientistas a mapear a dispersão do molusco. Além disso, campanhas de conscientização são fundamentais para evitar a dispersão acidental para novas áreas.
O grupo de pesquisadores seguirá acompanhando a expansão do Perna viridis e seus impactos a longo prazo. Os próximos estudos deverão focar nas interações do mexilhão verde com moluscos nativos e na busca por estratégias eficazes de controle e mitigação. Os exemplares coletados foram depositados no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) para futuras análises
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