De cripto a jogador de futebol, PCC amplia esquema para lavar dinheiro

São Paulo — Uma série de operações deflagradas no último ano revelaram novos tentáculos do Primeiro Comando da Capital (PCC) em diferentes setores econômicos, órgãos públicos e até na polícia. À medida que aumenta seus lucros com o tráfico internacional de drogas, a facção tem sofisticado os mecanismos usados para lavar o dinheiro do crime.

Fintechs, empresas de ônibus, fundos de criptomoedas e até negociações envolvendo jogadores de futebol estão entre os métodos utilizados pelo PCC para despistar as autoridades e esconder o dinheiro do crime, segundo diferentes investigações do Ministério Público de São Paulo (MPSP), da Polícia Civil e da Polícia Federal (PF) . Algumas delas seguem em andamento.

É o caso dos inquéritos que apuram a morte do corretor de imóveis Vinícius Girtzbach, fuzilado no Aeroporto de Guarulhos no último dia 8 de novembro. Acusado de dar um golpe milionário no PCC, ele enriqueceu lavando dinheiro para chefões do tráfico por meio da compra e venda de imóveis. Ele também foi responsável por aplicar em criptomoedas US$ 100 milhões do PCC.

A delação de Gritzbach, além de implicar uma série de policiais civis suspeitos de corrupção, deu detalhes sobre a atuação do empresário de futebol Danilo Lima de Oliveira, o Tripa, da Lion Soccer Sports, e Rafael Maeda Pires, o Japa, que seria ligado à FFP Agency.

Em abril, duas importantes operações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) revelaram como o PCC havia se aparelhado de empresas com contratos com a administração pública em diferentes esferas para lavar dinheiro.

A Operação Munditia jogou luz sobre um esquema de direcionamento de contratos de serviços de limpeza, fiscalização e vigilância. Vereadores de três cidades foram presos por envolvimento. Já a Operação Fim da Linha revelou como o PCC se infiltrou no bilionário sistema de ônibus da capital, por meio das empresas UpBus e Transwolff.

Para dissimular dinheiro do crime, a facção também recorreu às chamadas “contas bolsão”, ou “contas gráficas”, em fintechs. Na modalidade, as instituições financeiras garantem aos correntistas proteção contra eventuais bloqueios judiciais, além de ocultarem as transações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Construção civil

Em sua delação, Vinícius Gritzbach deu detalhes sobre quatro empreendimentos da construtora Porte Engenharia e Urbanismo, do Tatuapé. A empresa é suspeita de vender mais de 10 imóveis para traficantes do PCC.

Segundo a delação premiada, executivos da Porte receberam pagamento de imóveis em dinheiro em espécie e sabiam de registros de bens em que o nome do verdadeiro proprietário ficava oculto.

Os criminosos também teriam lavado dinheiro adquirindo casas na Riviera de São Lourenço, em Bertioga, litoral sul paulista.

Gritzbach diz ter conhecido os integrantes do PCC justamente “no âmbito de trabalho da Porte”, por meio de um colega. Sua comissão, de acordo com a delação, chegava a R$ 1 milhão por mês.

Criptomoedas

A partir do contato com integrantes da facção, Gritzbach conheceu Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, para quem começou a fazer investimentos em criptomoedas. Cara Preta teria confiado a Gritzbach US$ 100 milhões para um investimento em bitcoins.

O dinheiro teria sido desviado, e o corretor passou a ser ameaçado de morte.

Com medo de ser morto, ele teria encomendado o assassinato de Cara Preta, que foi executado a tiros em 27 de dezembro de 2021.

Após o ocorrido, o corretor foi submetido a um tribunal do crime, “júri” em que integrantes do PCC realizam acerto de contas.

Gritzbach só não foi executado naquele momento porque, segundo uma investigação do Gaeco, ele entregou um token (chave eletrônica) com R$ 27 milhões para a facção e, assim, conseguiu comprar sua “absolvição”, prometendo devolver o restante do valor que teria sido desviado.

Posteriormente, surgiu outra versão: a de que o PCC teria absolvido o delator, por provar que ele não tinha relação com os homicídios — usados como argumento por policiais civis para tentarem extorquir o corretor.

PCC Futebol Clube

Três empresas que negociam atletas para o futebol brasileiro e para o exterior são alvos de uma investigação do MPSP por suspeita de lavarem dinheiro para o PCC. Os promotores têm em mãos mensagens, contratos e o depoimento de Vinícius Gritzbach dando detalhes sobre a operação.

As três empresas investigadas são grandes nesse segmento e agenciam ou já agenciaram jogadores como Emerson Royal (atualmente no Milan), Eder Militão, (Real Madrid), Du Queiroz (ex-Corinthians) e Igor Formiga (também ex-Corinthians e agora defendendo o Novorizontino).

São citados ainda na investigação Gustavo Scarpa (Atlético-MG), Felipe Negrucci e Caio Matheus (ambos da base do São Paulo), Marcio Bambu (aposentado), Guilherme Biro (Corinthians) e Murillo (ex-zagueiro corintiano e hoje no Nottingham Forest, da Inglaterra).

Rafael Maeda Pires, o Japa, da FFP Agency, seria representante do PCC e teria intermediado o agenciamento de vários jogadores de futebol, estabelecendo “livre trânsito” com dirigentes do Corinthians.

Japa foi encontrado morto em 14 de maio do ano passado com dois ferimentos na cabeça dentro de um Corolla preto, blindado, no subsolo do edifício comercial Castelhana Offices, no Tatuapé.

Danilo Lima de Oliveira, conhecido como Tripa, também estaria envolvido. Ele teve participação na negociação que culminou na contratação do lateral-direito Emerson Royal pelo Barcelona por quase R$ 60 milhões.

Ele também teria atuado em negociações envolvendo os zagueiros Murillo, ex-Corinthians, e Vitão, do Internacional, além de diversos jogadores de divisões de base.

Contratos públicos

Conforme revelado pela Operação Munditia, o PCC se infiltrou em pelo menos 13 cidades do estado, para fraudar licitações e obter contratos públicos para desviar dinheiro de impostos e lavar dinheiro do tráfico de drogas.

O envolvimento da facção criminosa ocorreu por meio da associação com empresários que já tinham expertise em fraudar licitações e contatos com agentes públicos que aceitavam propina para viabilizar os contratos.

A quadrilha alvo da operação agia, segundo o promotor, nas seguintes cidades: Guarulhos, Ferraz de Vasconcelos, Mogi das Cruzes, Guararema, Poá, Santa Isabel e Arujá, na região metropolitana; Santos, Guarujá e Cubatão, na Baixada Santista; e Itatiba, Sorocaba e Buri, no interior do estado.

Na operação, três vereadores foram presos: Flavio Batista de Souza (Podemos, de Ferraz de Vasconcelos), Luiz Carlos Alves Dias (MDB, de Santa Isabel) e Ricardo Queixão (PSD, de Cubatão).

Entre os serviços prestados por empresas que teriam se beneficiado do desvio de contratos estão limpeza, vigilância e segurança.

Empresas de ônibus

De acordo com a Operação Fim da Linha, do MPSP, o PCC movimentava cerca de mais de R$ 900 milhões por ano subsídios da Prefeitura da capital, para operar linhas nas zonas sul, por meio da Transwolff, e leste, por meio da UpBus.

De acordo com a Promotoria, os lucros obtidos pela facção eram investidos em revendedoras de veículos de luxo e empresas patrimoniais.

Vinte e seis pessoas foram denunciadas por suspeita de envolvimento com os crimes, que teriam tido início em 2008.

Na Transwolff, segundo o MPSP, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, era o principal representante do crime organizado. Ele chegou a ser preso, mas foi solto ainda no ano passado. Pandora nega qualquer envolvimento com a facção.

No caso da UpBus, Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, e Décio Gouveia Luiz, o Décio Português, ambos foragidos, seriam os principais representantes do PCC. Assim como Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, e Cláudio Marcos de Almeida, o Django, que foram mortos em disputas internas da facção.

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