Relembre a escalada da crise entre Brasil e Venezuela

A relação diplomática entre Brasil e Venezuela foi amplamente colocada à prova em 2024. E, apesar do que se pode pensar, a crise entre os dois países latino-americanos não vem de agora, ela tem apenas se agravado com o tempo.

Para a doutora em antropologia da América Latina e Caribe Renata de Melo Rosa, quando Lula ascendeu ao poder em 2023, existia uma expectativa de que as relações bilaterais entre Brasil e Venezuela retomassem ao patamar Lula-Chávez. “O que não ocorreu: não só porque a conjuntura era outra, mas também porque a diplomacia brasileira observou o desgaste político de Maduro, que não atendeu a chamados bastantes razoáveis, como a disponibilização das atas das sessões eleitorais”, explica.

Recentemente, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o Brasil não pretende romper relações com a Venezuela e disse que o diálogo entre os dois países segue “normal” apesar das rusgas diplomáticas intensificadas em 2024.

Para isso, argumenta Renata de Melo Rosa, os países precisariam adotar uma estratégia clara e coerente, superar interferências ideológicas e pessoais, reconhecer a importância da relação e da construção de uma diplomacia pragmática e respeitosa.

Eleições presidenciais da Venezuela

A atual gestão da política externa do governo Lula decidiu ser a fiadora das últimas eleições venezuelanas. A tentativa de reafirmar a liderança regional na América Latina e de mediar Venezuela e Estados Unidos fracassou, argumenta Rosa. “O Brasil ganhou um descrédito substantivo por parte da Casa Branca e uma desavença importante por parte do governo Maduro”, afirma.

Além disso, as eleições presidenciais venezuelanas de 2024 foram repletas de acusações de irregularidades e de interferências de Maduro no resultado que o confirmou, mais uma vez, como presidente. Em julho, algumas semanas antes da votação, o líder chegou a afirmar que haveria um banho de sangue no país e guerra civil, caso não fosse reeleito.

A falta de divulgação das atas do pleito que reelegeu Nicolás Maduro pela terceira vez consecutiva gerou alvoroço internacional. Em um primeiro momento o governo brasileiro escolheu manter um tom ameno. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a afirmar que não via “nada de grave e nada de assustador” no país vizinho.

Depois, o Brasil passou a defender que as eleições presidenciais fossem novamente realizadas, porém, com a negativa de ambos os lados, a estratégia passou a ser outra: em um terceiro posicionamento, 18 dias após o pleito, Lula afirmou não reconhecer a reeleição de Maduro. “Ele [Maduro] arque com as consequências do gesto dele. E eu arco com as consequências do meu gesto. Agora, eu tenho consciência política de que eu tentei ajudar muito, mas muito e muito”, disse Lula na época.

Veto à entrada nos Brics

Com pouco menos de um mês após as eleições presidenciais na Venezuela, em agosto, durante a 16ª Cúpula dos Brics, na Rússia, o Brasil vetou a entrada da Venezuela no grupo econômico que reúne países emergentes. De acordo com Celso Amorim, assessor-chefe da Presidência e braço direito de Lula para assuntos de política externa, a Venezuela não cumpre requisitos básicos para integrar o bloco.

“Não é uma questão de regime político. É uma questão de perda de confiança. […] O Brasil concordou com Cuba e não concordou com a Venezuela porque existe esse mal-estar [nas relações]. Eu espero que possa se dissolver à medida que as coisas lá se normalizem, os direitos humanos sejam respeitados, as eleições transcorram com normalidade, as atas apareçam. Enfim, coisas desse tipo”, chegou a destacar Amorim na Câmara dos Deputados.

A decisão brasileira enfureceu Maduro. O líder da Venezuela comparou Lula a Jair Bolsonaro (PL), acusou o Itamaraty de exercer um poder imoral, classificou a postura brasileira como uma agressão e chegou, até mesmo, a ameaçar a tomada de “medidas necessárias” contra o Brasil.

Aliado de longa data do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente boliviano Evo Morales chamou a decisão do governo brasileiro, de vetar o ingresso da Venezuela nos Brics, de “erro”. Ele também disse que a determinação veio de uma herança da administração de Jair Bolsonaro.

“Como o governo vetou a entrada da Venezuela aos Brics, a mensagem é a de que não existe possibilidade de cooperação conjunta”, afirma Rosa. Essa “posição vacilante” do Brasil, segundo ela, “realmente não auxilia o processo político nem bilateral e nem multilateral”.

Convocação do embaixador

Já em outubro, Nicolás Maduro convocou o embaixador de seu país em Brasília, Manuel Vadell, para voltar a Caracas. Na diplomacia internacional, a convocação de um embaixador representa uma séria retaliação de um país a outro.

Em nota oficial, o governo venezuelano informou, ainda, que chamou o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil naquele país, Breno Hermann, “para manifestar a mais firme rejeição às recorrentes declarações de ingerência e grosserias de porta-vozes autorizados pelo governo brasileiro, em particular do assessor especial para Assuntos Externos, Celso Amorim”.

Ataques a Lula e Celso Amorim

No mesmo dia em que decidiu convocar o embaixador Manuel Vadell, um comunicado emitido pelo governo da Venezuela condenou as posições do Brasil e criticou a postura do ex-chanceler brasileiro e braço direito de Lula, Celso Amorim, que foi categorizado como “mensageiro do imperialismo norte-americano.”

Já em novembro, a agência de notícias estatal da Venezuela chegou a publicar diversas charges em crítica a Lula e ao Itamaraty. Em uma das artes, é sugerido que o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, está conectado de forma obscura à embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

Lula aparece, ao todo, em quatro charges. Em uma das imagens, o presidente brasileiro sai de um armário usando um terno estampado com as cores da bandeira dos EUA. “Que nojento esse velho é, mas pelo menos ele saiu do armário”, publicou o artista.

“Deixar-se levar por emoções tão fúteis como xingamentos ou provocações veiculadas na mídia demonstra uma baixa qualidade da política. A única coisa que nós precisamos entender (e quando eu digo nós me refiro a todo o conjunto da população brasileira) é: a Venezuela é importante para o Brasil? Em caso positivo, precisamos do detalhamento dessa importância em todos os aspectos”, ressalta Renata de Melo Rosa.

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