
Caso a UFPA descumpra a determinação da Justiça, será aplicada multa diária de R$ 5 mil, por 30 dias. Estudantes reprovados na banca de heteroidentificação da UFPA, no Pará.
Reprodução / Arquivo Pessoal
A Justiça Federal concedeu liminar determinando, nesta segunda-feira (24), que a Universidade Federal do Pará (UFPA) refaça, no prazo de 15 dias, o procedimento para os candidatos que tiveram negadas suas autodeclarações raciais.
A decisão ocorreu duas semanas após a Defensoria Publica da União (DPU), em Brasília, pedir a anulação da banca de heteroidentificação da UFPA. O motivo seria irregularidades identificadas pela DPU no processo.
Caso a UFPA descumpra a determinação da Justiça, será aplicada multa diária de R$ 5 mil, por 30 dias.
Expedida pela 5ª Vara Federal Cível do Pará, a decisão da Justiça estabelece que a banca responsável pela avaliação racial dos candidatos deve apresentar uma motivação detalhada e individualizada em casos de indeferimento das autodeclarações raciais.
Segundo o documento, a justificativa precisa esclarecer especificamente quais características fenotípicas levaram a concluir que o candidato não se enquadra nas categorias de pessoa preta ou parda.
O Prosel
O Processo Seletivo 2025 da UFPA (Prosel) utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, para aprovar e classificar seus candidatos, no ato da inscrição o candidato deve escolher em qual grupo de vagas pretende concorrer, entre ampla concorrência ou o sistema de cotas.
Para este ano foram ofertadas 7.668 vagas disputadas por 72.351 mil candidatos em 183 cursos distribuídos entre os 12 campi no estado, dessas vagas 5.750 foram destinadas a candidatos classificados pelo sistema de cotas, um total de 80%.
As vagas de cotas raciais são destinadas a pessoas negras de cor preta ou pessoas negras de cor parda. O candidato deve comprovar a sua autodeclaração perante uma banca de heteroidentificação criada para este fim.
A analise da banca leva em consideração o fenótipo negro como cor da pele, textura do cabelo e aspectos faciais. De acordo com as diretrizes, é automaticamente excluído e, portanto, desclassificado, o candidato que não alcançar as características estipuladas.
Calouros reprovados na banca de heteroidentificação
O g1 Pará conversou com três calouros que foram aprovados e classificados no último listão divulgado pela UFPA, no dia 24 de janeiro.
Naiany Batista é uma das candidatas que perdeu a vaga do curso de serviço social, ela conta que passou pela banca presencial no dia cinco de fevereiro e foi reprovada, pois, segundo os avaliadores, suas características não eram compatíveis segundo os componentes da banca.
A caloura entrou com um recurso para ser avaliada novamente, dessa vez por uma banca on-line. “Eles informaram que eu não tinha as características, meu cabelo, nariz e cor da pele não eram de uma pessoa parda”, disse Naiany.
Marcos Pimenta é outro calouro que também passou no curso de serviço social ofertado pela instituição. Ele natural de Capanema, nordeste do Pará, e aplicou a vaga para a capital.
Após ser aprovado, Marcos já estava com a mudança pronta para Belém quando soube da desclassificação. “Esse ano de 2025 é o segundo ano que eu tento. dessa vez me empenhei mais ainda. A gente estuda, trabalha, tem uma jornada dupla, abdica de certas coisas. Foi frustrante a desclassificação”, contou.
Beatriz Cruz é caloura do curso de Ciências Naturais da UFPA, do campus do município de Bragança também no nordeste paraense, e ficou de fora da lista de classificados da banca de heteroidentificação.
Segundo ela, o sistema travou durante a análise da banca de recursos. “A avaliação foi feita por uma banca de heteroidentificação on-line, porém na hora deu um ‘bug’ no sistema e o acesso travou. Alguns dias depois divulgaram a lista de homologação.” Para foi o fim de um sonho, “Foi muito triste para mim, porque tem todo um esforço para passar e, em seguida, vem a desclassificação. É deprimente”, contou.
Documento da UFPA reprova estudante na banca de heteroidentificação.
Reprodução / Arquivo Pessoal
Autodeclaração
Segundo a advogada da Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará – OAB/PA, Suena Mourão, a autodeclaração é um direito fundamental dentro do sistema de cotas e parte do princípio de que a identidade racial de uma pessoa deve ser respeitada. Trata-se do reconhecimento de como o indivíduo se enxerga e se identifica dentro do contexto racial.
“A autodeclaração tem um peso significativo nesse processo, pois é a partir dela que se inicia o acesso as políticas afirmativas, à heteroidentificação, um mecanismo complementar adotado para evitar fraudes. Esse sistema, no entanto, deve sempre estar alinhado com os princípios da dignidade da pessoa humana, do respeito à identidade racial e do devido processo legal. É crucial que as comissões de heteroidentificação sigam critérios objetivos, garantindo ampla defesa, evitando subjetividades ou possíveis injustiças”, explicou a advogada.
O g1 entrou em contato com a UFPA, que preferiu não se pronunciar nem sobre o caso dos calouros reprovados e nem sobre o pedido de anulação da banca de heteroidentificação da instituição, feito pela DPU.
A DPU sustenta que a UFPA descumpriu a norma e a jurisprudência sobre a política de cotas. O edital do processo seletivo estabelece que candidatos não reconhecidos como negros pela banca perdem automaticamente a vaga, sem chance de ingresso por outras modalidades, como a ampla concorrência.
Segundo o defensor regional de Direitos Humanos do Pará, Marcos Teixeira, há algumas irregularidades durante o processo.
“Como percebemos que é uma situação que ocorreu com vários estudantes ingressamos com uma ação coletiva, alegamos várias irregularidades praticadas pela UFPA, não há uma divulgação especifica sobre o resultado da banca, apenas geral”, detalhou.
A ação coletiva da DPU pretende atingir a todos os candidatos que foram prejudicados pela banca de heteroidentificação. A ação requer a anulação das decisões da banca, a reavaliação dos casos por uma nova comissão. Em caso de indeferimento, pode ocorrer o remanejamento dos candidatos para a ampla concorrência, além de indenização de R$ 10 mil reais por danos morais a cada estudante prejudicado e multa diária de R$ 50 mil reais, caso a decisão judicial não seja cumprida.
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