Milagreiros de cemitérios em SP atraem devotos em busca de realizações

São Paulo — Newton Tomio Miyashita, de 68 anos, visita pelo menos uma vez na semana o túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação, no centro de São Paulo (na foto em destaque). Com flores em mãos, ele agradece Antoninho pelos milagres recebidos ao longo de mais de três décadas de devoção. Médico ginecologista e obstetra, Newton atribui a Antoninho a cura completa de uma hepatite C que quase o levou à morte, além de duas recuperações de quadros de câncer.

Enquanto isso, no extremo sul da cidade, Anderson Lemos, de 36 anos, vai regularmente ao Cemitério de Santo Amaro com sua família. Lá, o sacerdote de umbanda presta homenagens e expressa gratidão às “almas caridosas” de mais de um milagreiro, mas principalmente de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha). Anderson atribui às graças de Noêminha a melhora na saúde da filha, que teve problemas respiratórios graves, como pneumonia constante.

No fim de ano, muitos devotos como Newton e Anderson procuram com mais frequência os chamados “Milagreiros de Cemitério”, indivíduos comuns cujas mortes, frequentemente marcadas por martírios ou grandes sofrimentos, fizeram com que seus túmulos se tornassem locais sagrados e de devoção popular.

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Túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação

Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro
Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro
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Túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação

Thiago de Souza

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Túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação

Thiago de Souza

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Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro

Thiago de Souza

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Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro

Thiago de Souza

“As pessoas procuram os milagreiros em datas como o Dia de Finados [2 de novembro] ou o final e o começo do ano, geralmente para agradecer pelas graças recebidas ou para pedir ajuda para o que está por vir”, explica Thiago Souza, autor do livro “Milagreiros de Cemitério” e idealizador do projeto “O que te Assombra?”. Em sua pesquisa, Thiago catalogou 25 milagreiros em cemitérios da cidade.

Ao Metrópoles, ele afirmou que essa busca está conectada a uma espiritualidade popular, mais ligada ao reconhecimento espontâneo das comunidades do que a dogmas religiosos. As visitas aos cemitérios são regadas a flores e velas, e os devotos rezam agradecimentos ou ainda pedem por por novas bênçãos. Suas sepulturas, muitas vezes simples, se tornam altares espontâneos onde devotos deixam “ex-votos”, pequenas placas de agradecimento pelas graças alcançadas.

“A beleza do fenômeno está exatamente no reconhecimento popular. Não é algo oficial, é o povo que transforma essas pessoas em milagreiros. Cada devoção é quase particular, um pacto entre o devoto e o milagreiro”, disse Thiago.

Na avaliação do estudioso do tema, os túmulos não apenas guardam memórias, mas se transformam em símbolos de fé e esperança. Para muitos, visitar esses locais é uma forma de buscar soluções para problemas cotidianos ou transformar a dor de uma tragédia em possibilidade. “Os milagreiros são quase patrimônios imateriais das comunidades. Eles representam o poder de conversão de uma grande tragédia em algo maior: fé, esperança e até mesmo o divino.”

Antoninho da Rocha Marmo

Antoninho da Rocha Marmo, segundo o livro de Thiago de Souza, foi um menino nascido em 1918 no bairro do Bom Retiro, no centro de São Paulo, durante a epidemia da gripe espanhola. Desde cedo, demonstrou uma forte conexão com a fé católica, destacando-se por suas premonições, incluindo a consciência do dia de sua morte, ocorrida em 1930, aos 12 anos.

Mesmo após sua morte precoce, Antoninho é lembrado por milagres atribuídos a ele, como a cura de um braço condenado à amputação, e seu túmulo no Cemitério da Consolação tornou-se um local de devoção. Atualmente, ele é reconhecido pela Igreja Católica como Servo de Deus, estando em processo de canonização.

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Oração no túmulo de Antoninho da Rocha Marmo

Túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação, no centro de São Paulo
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Oração no túmulo de Antoninho da Rocha Marmo

Thiago de Souza

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Oração no túmulo de Antoninho da Rocha Marmo

Thiago de Souza

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Túmulo de Antoninho da Rocha Marmo, no Cemitério da Consolação, no centro de São Paulo

Thiago de Souza

Newton Miyashita conheceu a história de Antoninho há cerca de 30 anos, depois de contrair hepatite C após um acidente com um bisturi. Ele passou meses em repouso absoluto, debilitado. “Eu já havia perdido praticamente tudo, e minha família vivia em um caos. Foi minha sogra quem sugeriu pedir a intercessão de Antoninho”, contou o médico.

A partir do momento em que sua esposa fez uma promessa no túmulo do menino no Cemitério da Consolação, Newton relatou à reportagem que sua recuperação tomou um rumo milagroso. Ele não apenas se curou da hepatite C, mas teve a rara condição de não deixar nenhuma cicatriz sorológica. “A cura foi tão perfeita que, nos meus exames, não há nenhum vestígio da doença. É como se ela nunca tivesse existido.”

Hoje, suas visitas frequentes ao túmulo de Antoninho são movidas por gratidão. “Levo flores em agradecimento pela presença dele na minha vida. Converso com ele como quem conversa com um amigo, e sempre agradeço mais do que peço.”

Noêmia Jessnitzer (Bebê Noeminha)

Noêmia Jessnitzer, conhecida como Bebê Noeminha, viveu apenas seis meses em 1899 e tornou-se um símbolo de devoção no Cemitério de Santo Amaro. Seu túmulo era conhecido por verter água santa que devotos utilizavam para curar feridas e doenças, especialmente relacionadas à saúde de crianças.

Devido a preocupações sanitárias, o túmulo foi transferido duas vezes, mas ainda hoje atrai fiéis em busca de graças, mantendo viva a memória da milagreira.

Motivado pelas bênçãos que Anderson Lemos acredita que a “Menina Noêmia”, como a chama, concedeu à sua filha, o sacerdote foi atrás de mais informações da milagreira, por meio de relatos de familiares, e escreveu um livro sobre a menina. O texto inclui não apenas a história de sua vida, mas também testemunhos de outras graças alcançadas por diversos devotos. “Cada graça alcançada é um testemunho tocante do poder da fé e da intercessão dessas almas caridosas”, afirma.

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Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro

Voto de agradecimento ao Bento do Portão, no Cemitério de Santo Amaro
Voto de agradecimento ao Bento do Portão, no Cemitério de Santo Amaro
Voto de agradecimento ao Bento do Portão, no Cemitério de Santo Amaro
Túmulo de Alzira Branco Jacinto, no Cemitério de Santo Amaro
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Filha de Anderson em visita ao Cemitério de Santo Amaro

Anderson Lemos

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Túmulo de Noêmia Jessnitzer (Bebê Noêminha) no Cemitério de Santo Amaro

Thiago de Souza

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Voto de agradecimento ao Bento do Portão, no Cemitério de Santo Amaro

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Voto de agradecimento ao Bento do Portão, no Cemitério de Santo Amaro

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Túmulo de Alzira Branco Jacinto, no Cemitério de Santo Amaro

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Túmulo de Alzira Branco Jacinto, no Cemitério de Santo Amaro

Thiago de Souza

Anderson ainda é devoto de Antônio Bento do Portão e Alzira Branco Jacinto, ambos milagreiros cujos túmulos também ficam no Cemitério de Santo Amaro. Ele é o criador do grupo B.N.A. (Bento, Noêmia e Alzira), formado por 18 devotos ativos que se reúnem mensalmente para preservar a história do cemitério.

O grupo, que surgiu em resposta ao vandalismo e furtos no cemitério, tem como objetivo não só a limpeza e manutenção do local, mas também a celebração das graças recebidas, mantendo viva a memória e a religiosidade que envolvem os milagreiros que ali repousam. “Esses encontros são uma forma de manter viva a memória e o legado dessas almas caridosas, além de promover a união e a fé entre os devotos.”

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