
O que deveria ser uma manhã comum na rotina da micropigmentadora Camilla Angheben, de 36 anos, de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, se tornou um dos momentos mais assustadores de sua vida. Era 4 de dezembro de 2023 quando, com 35 anos, ela teve a rotina interrompida de forma abrupta após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral).

O AVC ocorre quando há alteração do fluxo de sangue para o cérebro – Foto: Freepik/ND
“Acordei cedo para ir à academia, mas, de repente, caí no chão. Não conseguia mover o lado direito do corpo nem falar”, relembra.
O AVC ocorre quando há alteração do fluxo de sangue para o cérebro, sendo uma das principais causas de morte e incapacidade no Brasil, mas a informação e o tratamento adequado podem fazer toda a diferença na recuperação.
E foi o marido, Cristiano Dellatorre, quem agiu rápido e acionou o Samu. No hospital, Camilla recebeu atendimento imediato, o que foi essencial para sua recuperação. Aos poucos, os movimentos voltaram e a fala, inicialmente confusa, foi retomada.
Cinco dias de internação e uma bateria de exames foram necessários para descobrir a causa do AVC: um problema cardíaco. “Meu coração estava grande, o ventrículo esquerdo não tinha força para enviar sangue ao cérebro, o que gerou coágulos e levou ao AVC”, explica.
Felizmente, por ter recebido medicação rapidamente, Camilla não ficou com sequelas graves e sua recuperação foi rápida.

Camilla Angheben sofreu um AVC aos 35 anos. – Foto: Arquivo Pessoal/ND
“No dia em que consultei com o cardiologista, ele me disse que, ao ler meu prontuário, achou que eu chegaria ao consultório sem falar e sem caminhar”, conta.
A micropigmentadora não precisou de fisioterapia para se recuperar e, apenas uma semana após o AVC, voltou ao trabalho, embora com carga horária reduzida devido à pressão baixa causada pelos medicamentos. Atualmente, toma cinco remédios por dia para manter o controle da saúde.
Apesar da recuperação impressionante, algumas dificuldades persistiram. “Minha escrita ficou mais confusa. Se escrevo rápido, é difícil entender o que escrevi”, relata. Nos primeiros meses após o AVC, Camilla também enfrentou lapsos de memória e esquecia palavras ao falar, mas esses sintomas foram diminuindo com o tempo.
“No dia em que tive um AVC, passei o dia normal”
Mari Adriane Sachetti Draczevski, de 47 anos, mora em São Miguel do Oeste, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, e sofreu um AVC aos 38 anos. Desde jovem sofria de enxaqueca crônica.
No ano em que sofreu o AVC isquêmico, suas crises estavam mais intensas e frequentes, e seu corpo parecia não responder adequadamente aos tratamentos. Um dos sinais que, segundo ela, poderiam ter servido de alerta foram as mãos amortecidas durante a noite.
“No dia em que tive um AVC, passei o dia normal. Trabalhei, e no fim da noite comentei com meu marido que estava com uma crise de enxaqueca diferente. Sentia uma torção nos olhos”, relembra.
O marido, percebendo algo incomum, insistiu para que ela ficasse na sala e, poucos minutos depois, Mari não conseguiu mais se comunicar e caiu em sono profundo.
Ele acionou o socorro imediatamente, garantindo que a esposa recebesse a medicação correta dentro do tempo ideal. “Fui atendida no Hospital Regional de São Miguel do Oeste pelo médico certo, que fez o procedimento correto”, conta.

Mari Adriane Sachetti Draczevski sofreu um AVC aos 36 anos quando as crises de enxaqueca pioraram. – Foto: Arquivo Pessoal/ND
Mesmo sem sequelas graves, Mari enfrentou desafios na reabilitação. “Saí da UTI com dificuldades, sem reflexo. Sabia ler palavras, mas não conseguia formar frases. Algumas memórias sumiram por um tempo, e eu precisei reaprender algumas coisas”, explica.
Mari precisou de fonoaudiologia e fisioterapia para recuperar os movimentos e habilidades afetadas.
Pequenos detalhes do dia a dia passaram a exigir esforço extra: Mari sabia dirigir, mas não conseguia frear o carro. Para reconhecer o sabor azedo, precisava provar um limão. Uma curiosidade em sua recuperação foi o uso do chiclete Babaloo, que ajudou a fortalecer as cordas vocais e a tornar sua voz mais clara.
Mari diz que buscou entender com os médicos a causa do AVC. Sem fatores de risco comuns como obesidade, colesterol alto, tabagismo ou consumo de álcool, ela procurou especialistas em diferentes cidades.
Em Passo Fundo (RS), os médicos refizeram todo o seu histórico clínico e encontraram duas prováveis causas: um fator hereditário, já que seu pai morreu de um AVC aos 57 anos, e o uso de anticoncepcional contínuo.
“Hoje, sempre alerto minhas amigas sobre a importância de consultar um neurologista antes de iniciar o uso do anticoncepcional”, diz Mari.
Outro fator descoberto foi um FOP (forame oval patente) no coração, que exige acompanhamento constante. Atualmente, ela faz uso de anticoagulantes diários e realiza consultas periódicas com especialistas.
Mari diz que acompanha muitas histórias que não tiveram o mesmo desfecho. “O AVC não tem idade, mas tem prevenção. Precisamos cuidar da alimentação, manter uma rotina de exercícios e fazer exames regularmente. Estamos aqui apenas de passagem e nem tudo está sob nosso controle”, destaca.
Em Santa Catarina, 88% dos casos de AVC foi de pessoas acima de 50 anos em 2024
Camilla e Mari fogem às estatísticas catarinenses e sofreram o AVC na faixa etária de 30 a 39 anos. No estado, em 88% dos casos a doença aconteceu com pessoas de 50 anos ou mais.
Dados do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares do SUS) mostram que, em 2023, Santa Catarina registrou 9.344 internações e 1.007 mortes em decorrência de AVC, enquanto em 2024, os números foram: 9.334 internações e 1.044 mortes.

AVC: sinais, prevenção e recuperação; o que dizem especialistas e pacientes – Foto: Divulgação/Freepik/ND
A taxa de mortalidade passou de 10,78% em 2023 para 11,18% em 2024, um pequeno aumento que pode indicar que os casos estão ficando mais graves.
A distribuição por idade mostra um fator de risco claro: o envelhecimento. Do total de internações, 8.253 foram de pessoas com 50 anos ou mais, o que representa cerca de 88% dos casos.
No grupo de 20 a 49 anos, foram 1.059 internações. Já entre crianças e adolescentes até 19 anos, os casos foram raros, somando apenas 22.
O mesmo acontece com as mortes. Das 2.051 registradas, 990 foram de pessoas com 50 anos ou mais, enquanto 52 foram entre adultos de 20 a 49 anos. Entre jovens e crianças, houve apenas duas mortes.
Os números mostram que o AVC atinge principalmente os idosos, já que a maioria dos casos e mortes aconteceu com pessoas acima dos 50 anos.
Como reconhecer os sinais?
A neurologista Cristiane de Camargo e Silva, médica cooperada da Unimed Chapecó, explica que reconhecer os sinais precoces e buscar atendimento imediato podem ser decisivos para a recuperação do paciente. Segundo ela, o AVC pode ser classificado em dois tipos: isquêmico e hemorrágico.
- Isquêmico: acontece quando uma artéria cerebral é obstruída por um coágulo, impedindo a circulação do sangue e levando à morte dos neurônios devido à falta de oxigenação. Principais sinais: dificuldade para falar, perda de força ou sensibilidade em um lado do corpo.
- Hemorrágico: ocorre quando há o rompimento de um vaso sanguíneo no cérebro, causando um sangramento que pode afetar gravemente as funções cerebrais. Principais sinais: dor de cabeça intensa e vômitos.
A neurologista alerta para os fatores de risco para o AVC:

Principais causas do AVC – Foto: Arte/ND
A janela terapêutica e a agilidade no tratamento
A rapidez no atendimento faz toda a diferença no prognóstico do paciente. Conforme a médica, existe uma “janela terapêutica”, período crítico em que o tratamento pode ser mais eficaz.
No caso da trombólise endovenosa, utilizada no AVC isquêmico, o procedimento precisa ser feito em até 4 horas e 30 minutos após o início dos sintomas.
Já a trombectomia mecânica, uma técnica de cateterismo cerebral, pode ser realizada em até 8 horas, com possibilidade de extensão para 24 horas em alguns casos.
“Quanto mais rápido o paciente recebe o tratamento adequado, menores são os danos ao cérebro e maiores as chances de recuperação com qualidade de vida”, destaca a neurologista.
Atenção ao coração
O cardiologista e especialista em hemodinâmica e cardiologia, intervencionista da Unimed Chapecó, Julio Barbiero, reforça que problemas cardiovasculares, como hipertensão e arritmias, são fatores de risco significativos para o AVC.
Conforme o médico, a hipertensão, presente em cerca de 40% dos adultos brasileiros, pode levar ao desenvolvimento da fibrilação atrial, uma arritmia que facilita a formação de coágulos no coração.

Problema vasculares são fatores de risco para o AVC – Foto: Freepik/Reprodução/ND
“Esses coágulos podem se deslocar e obstruir artérias cerebrais, causando um AVC”, esclarece.
Barbiero observa que o colesterol alto também contribui para o AVC, pois pode levar ao acúmulo de placas nas artérias carótidas, responsáveis pelo fluxo sanguíneo para o cérebro. “Se essas artérias forem obstruídas, há um alto risco de ocorrência de um evento isquêmico cerebral”.
Para reduzir o risco de um AVC por causas cardíacas, o médico recomenda o controle rigoroso da hipertensão, colesterol e diabete, além da prática regular de atividade física – pelo menos quatro vezes por semana, por 50 minutos por sessão.
O cardiologista ressalta que pacientes que já tiveram um AVC devem manter um acompanhamento cardiológico constante, pois o maior fator de risco para um novo AVC é já ter sofrido um anteriormente.
“O tratamento deve ser multidisciplinar, envolvendo cardiologistas, neurologistas, nutricionistas, fisioterapeutas e outros especialistas para garantir a melhor recuperação e prevenir novas ocorrências”, afirma.
A alimentação como aliada
A alimentação desempenha um papel fundamental na prevenção e recuperação do AVC. A nutricionista clínica no Hospital da Unimed Chapecó, Jesica Zuanazzi, explica que a dieta moderna, rica em alimentos industrializados, contribui para doenças crônicas como hipertensão e diabetes, aumentando o risco de AVC.

Alimentação saudável diminui os riscos do AVC – Foto: Freepik/ND
“Somos estimulados pela mídia e pela praticidade do dia a dia a consumir alimentos com alto teor de sódio, açúcares e gorduras, que favorecem o acúmulo de gordura no sangue e podem levar ao entupimento das artérias”, alerta.
Para reduzir esses riscos, a nutricionista recomenda priorizar alimentos naturais, como frutas, legumes e verduras frescas, e minimizar o consumo de produtos ultraprocessados, como embutidos, refrigerantes e alimentos congelados.
Para quem já teve um AVC, a mudança alimentar é essencial. “Não há alimentos proibidos, mas deve-se reduzir o consumo de frituras, gorduras saturadas e açúcares”, explica Jesica.
“Alimentos grelhados, carnes magras e substituições inteligentes, como trocar biscoitos recheados por frutas, são atitudes que fazem diferença”.
O consumo de álcool também deve ser controlado. “O álcool afeta a pressão arterial, a circulação sanguínea e pode aumentar os riscos de AVC, principalmente quando ingerido em grandes quantidades e com frequência”, alerta a nutricionista.
Na recuperação de pacientes que sofreram AVC, a alimentação desempenha um papel importante na reabilitação. “Pacientes com disfagia, por exemplo, podem precisar de adaptações na dieta, como alimentos pastosos ou líquidos espessados. Nesses casos, o trabalho conjunto da nutrição com a fonoaudiologia é fundamental para garantir uma dieta equilibrada e segura”.
Sequelas motoras, o que fazer?
A coordenadora do COTEP (Corpo Técnico Profissional) do Hospital Unimed Chapecó, Fernanda Flores Desessards, destaca que um AVC pode deixar sequelas motoras como paralisias totais ou parciais, alterações do tônus muscular e dificuldades de coordenação motora.

A fisioterapia contribui para a recuperação motora. – Foto: Freepik/ND
A fisioterapia é essencial para recuperar movimentos e proporcionar maior independência ao paciente, utilizando mobilizações, alongamentos e exercícios específicos para ajustar a postura e prevenir deformidades.
Segundo a especialista, a reabilitação deve ser iniciada o mais cedo possível, respeitando a estabilidade clínica do paciente. No Hospital Unimed Chapecó, a avaliação fisioterapêutica ocorre dentro das primeiras 24 horas de internação.
“Os tratamentos mais eficazes incluem a reabilitação neuromotora funcional, combinada com terapias especializadas. A recuperação dos movimentos depende da gravidade do AVC e da área do cérebro afetada, mas um trabalho intensivo pode garantir grandes avanços na maioria dos casos”.
A reabilitação da fala após o AVC
O AVC pode comprometer a comunicação e a capacidade de engolir alimentos, pois afeta áreas do cérebro responsáveis por essas funções. O fonoaudiólogo atua na reabilitação da fala por meio de estimulação orofacial e comunicação alternativa quando necessário.
Fernanda destaca que a recuperação total da fala depende da extensão da lesão e da resposta do paciente ao tratamento. Quando a deglutição é prejudicada, a fonoaudiologia trabalha na reabilitação neuromotora e sensorial, ajustando a consistência dos alimentos para evitar riscos como broncoaspiração.
Exercícios específicos podem ser indicados para o paciente praticar em casa, mas sempre com avaliação profissional para garantir a segurança e eficácia do tratamento.
O cuidado com a saúde mental
Além das sequelas físicas, Fernada observa que o AVC pode gerar impactos emocionais significativos. Ela explica que o paciente enfrenta desafios como a aceitação das limitações, adaptação à nova rotina e mudanças no convívio social.

É importante cuidar da saúde mental em todas as etapas do processo de recuperação – Foto: Unsplah/ND
“O AVC pode levar à depressão e ansiedade, sendo essencial um acompanhamento psicológico adequado”.
A saúde mental influencia diretamente a recuperação, pois a motivação e resiliência do paciente são fundamentais no processo.
O suporte familiar também desempenha um papel crucial, oferecendo acolhimento e compreensão sem cobranças excessivas. É importante respeitar o tempo de reabilitação e, quando necessário, buscar apoio profissional para o paciente e seus familiares.