DJs falam sobre desafios de difundir cultura do hip-hop, rap e funk na ‘cidade do sertanejo’: ‘A gente resiste e segue na contramão’


São José do Rio Preto (SP), ‘berço’ da dupla Zé Neto & Cristiano, é popularmente conhecida como ‘terra do sertanejo’. DJs que participam de bailes de hip-hop, rap e funk citam desafios enfrentados. Cultura do hip-hop, rap e funk na cidade do sertanejo: ‘A gente resiste e segue na contramão’
Reprodução
Em um trecho da música “Abaixo do Radar”, o rapper paulistano Febem diz: “Na selva de concreto, não é gíria, é dialeto”. A frase pode ser usada para simbolizar os desafios de profissionais que atuam na cultura do rap, hip-hop e funk em São José do Rio Preto (SP), cidade popularmente conhecida como “terra do sertanejo”.
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A cultura do hip-hop ainda é vista, por muitos, como algo marginalizado, além de ser deixada de lado. Na cidade que é berço de grandes cantores, como Zé Neto & Cristiano, dupla referência no gênero sertanejo, esse conceito ainda existe.
Mesmo sendo alvo de discriminação em algumas situações, a cultura do rap é símbolo de resistência para dois DJs de Rio Preto que tocam estilos musicais diferentes – subgêneros do hip-hop – em bailes e casas noturnas.
Do break aos bailes
DJ Kayque, de São José do Rio Preto (SP)
Pedro HP/Arquivo pessoal
Kayque Gambirasi, de 30 anos, mais conhecido como DJ Kayque, é de São José do Rio Preto e produz o Baile do Kayque, uma festa voltada para o rap, rhythm and blues (R&B), afrobeats e dancehall. O DJ participa de todo o processo de produção, desde a arte até a montagem do evento e do setlist.
Antes de se tornar DJ, Kayque foi b-boy (também conhecido como break boy) durante 13 anos, mas foi só mais tarde que ele entendeu que fazia parte do cenário musical.
“Eu comecei no breaking, mas a primeira vez que toquei na vida foi em 2015. Somente em 2019 que eu realmente comecei a entender o que eu estava fazendo”, explica.
Baile do Kayque, realizado em São José do Rio Preto (SP)
Pedro HP/Arquivo pessoal
Ao g1, o DJ contou que, por Rio Preto ser uma cidade “dominada pelo sertanejo”, trabalhar no cenário do rap é um grande desafio.
“É uma cidade bem conservadora. Em um lugar onde o gênero principal é o sertanejo, trabalhar com esse tipo de arte não é fácil, mas a gente resiste e segue na contramão”, revela.
DJ Kayque, que é de São José do Rio Preto (SP), produz um baile com rap, hip-hop e funk
Pedro HP/Arquivo pessoal
O público dos bailes e das casas noturnas onde Kayque se apresenta é bem jovem, principalmente quando o DJ toca funk e rap. No entanto, por ser um gênero que tem se popularizado na cidade, ele afirma que tem conseguido atingir outros públicos.
“Estamos chegando cada vez mais em pessoas que muitas vezes não tinham ideia que esse tipo de ‘rolê’ existe na cidade”, conta.
Kayque é um DJ de Rio Preto (SP) que toca rap, rhythm and blues (R&B), afrobeats e dancehall
Pedro HP/Arquivo pessoal
O DJ resume a experiência que abrange o rap, hip-hop e o funk em uma palavra: “Liberdade. É nesses lugares que nos sentimos à vontade para ser quem realmente somos, sem aquela opressão do dia a dia de ter que se enquadrar em moldes impostos pela sociedade”.
Preconceito x resiliência
Bárbara Ananda é DJ de funk em São José do Rio Preto (SP)
Lola Ferrari/Arquivo pessoal
Além da baixa adesão ao estilo musical, mulheres que atuam como DJs reclamam da invisibilidade e das diferenças de gênero. A DJ Bárbara Ananda, de 28 anos, moradora de Rio Preto, conta que, por conta disso, muitas delas desistem de atuar na área.
“Além de sermos poucas, acho que poderíamos ser mais. É como se rolasse menos parcerias, fora as conotações de assédio que temos no meio profissional”, comenta.
Bárbara Ananda é uma DJ de Rio Preto (SP) que toca principalmente funk durante os bailes dos quais participa
Bárbara Barbosa/Arquivo pessoal
A DJ conta que, desde pequena, sempre foi conectada a esse meio, mas, depois que cresceu, foi dentro do funk que se encontrou.
“Quando criancinha, eu fiz aulas de teclado, canto, dança, pintura. Quando cresci, foi durante a pandemia, em contato com outros DJs de São Paulo, que fiz um workshop sobre mixagem de som baseado nos estilos dancehall e funk. Encontrei essa paixão latente”, explica.
Bárbara Ananda, de São José do Rio Preto (SP), ainda criança, tocando um teclado
Arquivo pessoal
A musicalidade paulista, que tem essa cultura urbana, boêmia e marcada por graves fortes, é o foco dos bailes dos quais a DJ participa. Mas, entre tantos desafios, ela busca forças para se manter no funk.
“O nosso papel é surpreender e trazer o que há de mais interessante para os ouvidos. O funk é um gênero subjetivo e versátil. Por conta dessa característica, ele conquista mais espaços e me proporciona criar sonoridades diferentes para públicos diferentes, além de ser extremamente brasileiro”, conta.
Bárbara Ananda é uma DJ de Rio Preto (SP) que toca em bailes na cidade
Bárbara Barbosa/Arquivo pessoal
Para ela, o funk é uma manifestação popular que surgiu da própria cultura brasileira: “Ele faz parte do nosso DNA. É uma manifestação popular na forma mais genuína, como é o carnaval, o Festival de Parintins. Vem tomando proporção para ser, quem sabe um dia, a cara do Brasil” , finaliza.
O Festival de Parintins é uma festa popular brasileira realizada no interior do Amazonas, entre a última sexta-feira e o último domingo do mês de junho. O evento simboliza uma disputa a céu aberto entre duas agremiações folclóricas: a do Boi Garantido e a do Boi Caprichoso.
*Colaborou sob supervisão de Henrique Souza
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