A guerra das emendas (por Antônio Carlos de Medeiros)

A guerra das emendas escalou nos últimos dias. O Congresso enfrenta o Executivo e o Judiciário para manter controle sobre as emendas parlamentares, tentando ainda driblar a transparência e a rastreabilidade.

Em 2014 as emendas representavam menos do que 4% das despesas não obrigatórias do Orçamento da União. Hoje, se mantém maior do que 20%. Em 2020 chegou perto de 29%. É o Tesouro da Partidocracia brasileira.

Trata-se da máquina brasileira do desequilíbrio institucional. Não dá sinais de reversão. Pelo contrário. Ganha tração. Onde vamos parar em termos de desequilíbrio, instabilidade e baixa representatividade política?

A reforma política de 2017, com a aplicação da cláusula de barreira que ainda vai aumentar até 2030, estabeleceu regras que estão reduzindo o número de partidos.

A boa notícia é que está reduzindo a fragmentação partidária e, portanto, ampliando a possibilidade de construção de consensos. Mas a má notícia é que a escalada das emendas tem aumentado o poder das oligarquias partidárias e, ao mesmo tempo, tem estimulado a conformação de grandes máquinas partidárias.

A Lei de Ferro das Oligarquias conforma uma Partidocracia brasileira, impede a renovação política e aumenta o fosso entre o Poder político e a sociedade.

Efeito bumerangue.

Além de alimentar as máquinas partidárias, a guerra das emendas vem para exacerbar ainda mais o conflito distributivo em torno da apropriação do Orçamento Geral da União. Crescem as emendas parlamentares; crescem os lobbies empresariais e corporativos por benefícios e desonerações; e crescem os jeitinhos e penduricalhos no Judiciário, para contornar o teto salarial constitucional.

É uma espécie de “acordo pelo alto” que pressiona e desestabiliza o Orçamento Geral da União e realimenta o crescimento dos juros e da dívida pública.

No final, a defesa do Status Quo sai vencedora. Mas a resultante é a desancoragem das expectativas políticas e econômicas. E a crise de confiança vivida neste final de 2024.

Efeito bumerangue.

A confiança é a base do diálogo e alicerce da renovação constante do consenso. Sem consenso, sai atingida a democracia e a estabilidade política e econômica. Caldo de cultura para o autoritarismo populista.

Está se formando um círculo vicioso. Conflito distributivo que alimenta o impasse institucional. Impasse institucional que retroalimenta o patrimonialismo.

No plano político, a burocracia oligárquica está vencendo a democracia. No plano econômico, a crise de confiança impede a superação dos repetidos voos de galinha da economia brasileira.

Em seu livro “O que vi dos presidentes” Cristiana Lôbo relata um episódio contado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorrido durante o enterro de Nelson Mandela, em dezembro de 2013.

Naquele momento, a então presidente Dilma e os ex-presidentes (FHC, Lula, Collor e Sarney) dividiram o mesmo voo para a África do Sul.

No voo, relata Cristiana Lobo, Fernando Henrique iniciou conversa sobre os problemas do sistema partidário no Brasil, “ponderando que os partidos não queriam mudar e continuavam dando problemas”. Teve a concordância de Sarney.

Depois, FH vaticinou: “o nosso sistema está podre, não no sentido de corrupção, mas de não funcionar”.

Isto foi em 2013. Ano das manifestações de ruas que evidenciaram mudanças de “espírito de época” no Brasil.

Pois bem. Estamos no limiar de 2025.

Aquele “novo espírito de época” ainda está latente. Mas o nosso (des)arranjo institucional ainda perdura. Até quando?

Em entrevista a Lauro Jardim, Edinho Silva defende que é “hora de uma trégua”. E vaticina: “essa guerra estabelecida na economia vai derrotar o país”…

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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