Estado é condenado a pagar R$ 50 mil a garçom que levou chute de PM e juiz cita poema para abordar violência policial


Caso de agressão aconteceu em Guaraí, em agosto deste ano, na frente de distribuidora onde garçom trabalhava. Poema utilizado por juiz foi escrito durante o período em que o Brasil esteve sob ditadura militar. Vídeo mostra policial chutando homem em frente a distribuidora que trabalhava
Uma agressão policial cometida contra um homem em Guaraí, região centro-norte do Tocantins, levou a Justiça a condenar o governo do Estado a pagar R$ 50 mil de indenização. A vítima levou um chute de um militar em serviço. Para embasar a decisão, abordando a violência policial, o juiz que julgou o caso citando um poema escrito na época da ditadura militar (veja abaixo).
O caso de agressão aconteceu no dia 19 de agosto de 2024. A sentença assinada pelo juiz Océlio Nobre da Silva saiu nesta terça-feira (17) e ainda cabe recurso. O g1 pediu um posicionamento do Estado sobre a sentença e aguarda resposta.
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Conforme o documento, o homem agredido contou que trabalhava como garçom na distribuidora de bebidas da irmã. Por volta das 17h50, ele foi abordado por uma viatura com três policiais na frente do comércio, enquanto esperava por um carro de aplicativo para ir para casa.
Um dos PMs mandou a vítima encostar em uma parece e quando ele iria obedecer à ordem, recebeu um chute na altura do peito. O garçom acabou caindo e batendo a cabeça no chão. Os policiais ainda o acusaram de ter cometido um roubo e lhe deram um pontapé nas costas. Também foram relatadas ameaças por parte dos policiais.
O garçom entrou com um processo de indenização por dano moral, que começou a tramitar no dia 27 de agosto, juntando o boletim de ocorrência registrado e imagens de câmeras de segurança que filmaram toda a ação.
Policial militar chuta peito de homem em frente a distribuidora em Guaraí
Reprodução
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Ataque aos direitos humanos e à honra
Na sentença de primeiro grau, o juiz citou que no caso houve um atentado aos direitos fundamentais da vítima de ter garantidas a integridade física, proteção da honra e da imagem. “A auto estima do cidadão é um valor que deve ser preservado, promovido, jamais destruído por ato dos agentes públicos”, escreveu.
O juiz também destacou a violência policial como um problema social e que neste caso, o garçom levou chutes em um local público e o policial “demonstra não ter qualquer temor de consequências jurídicas”.
“Ou se convive pacificamente com o poder público ou a sociedade viverá sob o medo generalizado, como se o respeito aos direitos fundamentais dependesse do bom humor dos agentes do estado”, diz trecho da decisão.
Ainda dentro do questionamento sobre a violência policial, Océlio Nobre destacou quase que na íntegra um poema escrito por Eduardo Alves da Costa, chamado “No Caminho com Maiakóvski”, escrito no período em que o Brasil estava sob a ditatura militar, na década de 60. Veja trecho:
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!
O juiz ainda destacou que a conduta dos policiais foi comprovada e que o Estado tem responsabilidade conforme o chamado nexo de causalidade, pois os policiais estavam em serviço.
“O respeito à Constituição e, assim, aos direitos fundamentais, só será realidade se a sociedade assim o exigir, se as instituições assim se posicionarem, se o direito for aplicado, se o medo for vencido, se a esperança reinar”, completou o juiz.
O Estado foi condenado ao pagamento de R$ 50 mil por dano moral ao garçom e ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do processo.
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