A ligação do 8 de janeiro com o plano golpista é inconvincente

É inconvincente a parte do relatório da PF que tenta ligar o 8 de janeiro de 2023 ao plano de golpe de Estado dos kids pretos. A julgar pelo mesmo relatório e pelas provas nele incluídas, já estava claro para os golpistas, em meados de dezembro, que o Alto Comando das Forças Armadas não embarcaria na aventura e que, portanto, ela era impossível.

Em mensagem de 8 de dezembro de 2022 ao tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o general Mário Fernandes afirmou que “a gente não pode perder a oportunidade”, porque “a partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso para ele (Jair Bolsonaro), das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle, né?”.

O fato é que a manifestação recrudesceu com radicalismo, como protesto por seus participantes não terem conseguido promover uma quartelada. O 8 de janeiro ocorreu porque não houve e não haveria golpe militar. Pela mensagem de Mário Fernandes, os kids pretos até tentaram instrumentalizar as pessoas que acampavam na frente dos quartéis, mas não tinham controle nenhum sobre elas. A menos que surjam provas concretas em contrário, a invasão na Praça dos Três Poderes foi um movimento espontâneo de gente desapontada e com falta de parafuso na cabeça, não uma ação coordenada pelos kids pretos.

De acordo com a PF, Jair Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos, em dezembro de 2022, ainda com a expectativa de que o golpe seria possível com um evento como o 8 de janeiro, apesar da recusa prévia do Alto Comando de derrubar Lula. Fugiu para não ser preso caso o desfecho fosse negativo, segundo os investigadores.

Quando essa ilação veio à tona, em fevereiro deste ano, perguntei se Jair Bolsonaro era o sujeito mais estúpido da história brasileira. Afinal de contas, ele enviou todo o seu dinheiro líquido para os Estados Unidos (foi o que a PF escreveu na ocasião), mas voltou para o Brasil em março de 2023, correndo o mesmo risco de ser preso de quando partiu daqui, se o problema fosse o quebra-quebra em Brasília.

O que enxergo é que o 8 de janeiro não entra nesse roteiro, em que pesem os esforços da PF para encaixá-lo no plano golpista. Ao ir para os Estados Unidos, Jair Bolsonaro estava com medo é de o implicarem com os kids pretos. Voltou para o Brasil noventa dias mais tarde porque achou que não surgiria nada contra ele.

Um mês depois da volta de Jair Bolsonaro voltar ao país, Alexandre de Moraes mandou prender e apreender o celular de Mauro Cid. Por que o ex-presidente não fugiu outra vez? Porque confiava que o seu ex-ajudante de ordens não abriria a boca e não imaginava que seria possível recuperar tantas provas no celular do moço. A ficha de Jair Bolsonaro só caiu quando o seu passaporte foi apreendido em fevereiro deste ano. Quatro dias depois da apreensão, ele protagonizaria aquele episódio ridículo de dormir na embaixada da Hungria, temendo a prisão, conforme revelado pelo New York Times.

Há muita coisa a ser esclarecida, e não se pode dizer que tudo será colocado a limpo, embora a imprensa já tome o relatório da PF como verdade absoluta.

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