Governo pede desculpas à população negra por violações sofridas desde a escravidão


Reconhecimento decorre de uma ação judicial. Mecanismos de reparação também devem ser analisados, como a criação de um fundo para financiar políticas de igualdade racial. Neste ano, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra será feriado nacional
Frederico Dávila/TV Globo
O governo federal fez nesta quinta-feira (21) um pedido formal desculpas à população negra do Brasil pelas violações sofridas desde a escravidão.
O pedido público de perdão foi verbalizado pelo advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, que representou o Estado em uma cerimônia em Brasília.
O pedido de desculpas faz parte de um acordo firmado entre a União e a Educafro Brasil. Em 2022, a fundação entrou na Justiça pedindo a condenação do estado por ações e omissões que contribuíram com o racismo no Brasil, e também a reparação de danos causados à comunidade Afro-brasileira. Ao fazer o pedido de perdão o estado reconhece formalmente o prejuízo causado à população negra no período da escravidão e também após a abolição, com a falta de políticas públicas.
O reconhecimento do estado é o primeiro passo do acordo. A partir de agora, o governo federal deve viabilizar a criação de um fundo nacional para financiar políticas de igualdade racial e outras formas de reparação. Segundo o ministro Jorge Messias, a criação do fundo deve passar pela Junta de Execução Orçamentária, colegiado que reúne ministros do governo para discussão de medidas fiscais.
Também estavam na cerimônia as ministras Anielle Franco e Macaé Evaristo, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania. Organizações da sociedade civil também estavam presentes, como por exemplo, o Frei Davi, fundador da Educafro.
“A EDUCAFRO Brasil continuará trabalhando, incansavelmente para que as reparações previstas sejam efetivadas e que a sociedade brasileira, como um todo, assuma seu compromisso com a superação das desigualdades raciais.” Afirmou Frei Davi
O advogado da Educafro e idealizador da ação, Dr. Irapuã Santana, explica que o processo foi construído por uma equipe multidisciplinar e com base em três eixos: histórico, econômico e psicológico
“O pedido surgiu a partir do que houve em Chicago em 2019, quando reconheceram que tinham que reparar as pessoas negras. Aquilo ficou na minha cabeça, conversei com o Frei Davi para que o processo tivesse um conteúdo sólido e reunimos uma equipe qualificada. A ação tem 3 eixos: histórico com a conexão do estado brasileiro e o prejuízo causado a população negra, econômico, mensuramos o prejuízo, são 157 páginas sobre a questão econômica, foi debatido o impacto no mercado de trabalho, o orçamento público. Por fim, a perspectiva psicológica do racismo. O racismo é tratado como um estresse pós-traumático.” Explicou o advogado, Irapuã Santana
“A gente sabe como esse marco normativo é provocativo. Essa memória na sociedade brasileira de escravatura, não acaba no 13 de maio. No dia 14, teve o total abandono de pessoas negras no país…. ainda hoje temos um estado impregnado pelo racismo, colonialismo, isso está presente”, avaliou a ministra dos direitos humanos e cidadania, Macaé Evaristo.
Durante a cerimônia, a ministra Anielle Franco lembrou das dores e impactos que cenários racistas provocam na população negra.
“O que falta muitas vezes na luta antirracista é empatia e respeito, toda pessoa negra tem alguma experiência que toca num lugar diferente. Pra gente chegar aqui, entendendo tudo o que veio antes, mas requer também saber onde a gente quer chegar.” declarou.
“ARGUIÇÃO DAS VIDAS NEGRAS”
A ação movida pela Educafro vai de encontro a outra ação que está em debate do Supremo Tribunal Federal. A ADPF 973, chamada de “Arguição das Vidas Negras”, foi ajuizada por sete partidos políticos (PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede Sustentabilidade, PDT e PV) que foram instigados por movimentos da sociedade civil, como por exemplo, a Coalização Negra por Direitos.
A ação pede que a Suprema Corte reconheça a violência do estado ao longo dos anos para com as pessoas negras e também determine que o governo federal adote medidas de reparação e políticas públicas em favor das pessoas negras.
Na ação em debate no STF, a Educafro é “Amicus curiae” que significa “amigo da corte”. O posto é responsável por apresentar informações relevantes para a solução do caso, mas não pode fazer pedidos ou apresentar recursos, por exemplo.
Durante a cerimônia para o pedido de perdão, a Educafro lembrou da ADPF 973 e pediu que o ministro Jorge Messias proponha ao ministro Luiz Fux, relator da proposta, uma câmara de conciliação
EDUCAFRO Brasil
É uma organização não governamental que há mais de 40 anos atua em prol da educação de jovens negros e pobres no Brasil. Com um histórico de luta por igualdade racial, acesso ao ensino superior e efetivação da Convenção Interamericana contra todas as formas de discriminação racial, assinada pelo Brasil.
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