Pai de jovem morto em operação da PM no RJ aguarda inquérito há 3 anos: ‘É descaso ou corporativismo’


Guilherme Martins, de 20 anos, foi morto enquanto estava com amigos em um bar no Morro do Chapadão, em Guadalupe. Ele e o amigo Gabryel Marques foram mortos. A Justiça inocentou o outro amigo deles, João Marcos, que também foi baleado, mas sobreviveu. Os três tinham servido no Exército e não tinham passagem pela polícia. Violência no Rio: dois militares morrem em Guadalupe
Três anos após o início das investigações, a 31ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro (Ricardo de Albuquerque) ainda não concluiu o inquérito que deveria apontar os culpados pelas mortes de Guilherme Martins de Oliveira, de 20 anos, e Gabryel Marques de Oliveira Rodrigues Rosa, de 21 anos.
Guilherme e Gabriel foram baleados após serem confundidos com criminosos durante uma operação da Polícia Militar, enquanto estavam em um bar, em umas das ruas que dão acesso ao Morro do Chapadão, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, no dia 4 de março de 2021. Os dois serviram no Exército juntos e não tinham passagem pela polícia.
As famílias das vítimas ainda aguardam o fim dos trabalhos da Polícia Civil para que o processo possa ser encaminhado ao Ministério Público do Rio (MPRJ). Os parentes pedem que os policiais que atiraram sejam denunciados.
Na opinião de Flávio Erasmo, pai de Guilherme, a demora para um desfecho do caso só pode ser por dois fatores: “É descaso ou corporativismo”.
“São três anos do assassinato. Eram três jovens e desde então a gente ta assim, sem resposta. A gente só queria que a delegacia findasse o inquérito e fizesse o relatório para o Ministério Público poder avançar no processo”, comentou Flávio.
Troca de delegado atrasa investigação
Os dois óbitos foram registrados pela Polícia Civil como “mortes por intervenção policial”, o antigo “auto de resistência”.
Guilherme Martins de Oliveira, de 20 anos, foi morto no dia 4 de março de 2021
Reprodução TV Globo
Na opinião do advogado Rodrigo Mondego, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, os dois casos já deveriam estar sendo investigados como homicídio, ou seja, sob a responsabilidade da Delegacia de Homicídios da Capital (DH).
Os parentes das vítimas acreditam que o atraso nas investigações são consequência da troca de comando na unidade de polícia durante a produção do inquérito e a falta de interesse do atual titular da 31ª DP, o delegado Marcio Petra de Mello.
“Em outubro, duas testemunhas foram ouvidas. O delegado da época disse que iria pedir a reprodução simulada (perícia realizada quando existem divergências entre as versões apresentadas). Mas depois disso, o delegado novo nunca mais nos atendeu”, comentou Rodrigo Mondego.
Jovem absolvido
No dia da operação no Chapadão, Guilherme e Gabriel estavam juntos com João Marcos da Silva Lima, o único sobrevivente do grupo após a ação dos policiais.
Jovem que sobreviveu a ação da PM no Chapadão revela sequelas de tiros
João foi baleado no estomago e ainda no hospital acabou preso por tráfico de drogas. Na época, a Polícia Militar disse que revidou ataques de criminosos e apreendeu materiais usados no tráfico. A PM afirmou também que três indivíduos foram encontrados feridos.
“Uma pistola, uma granada, rádio transmissor, munições e drogas: Esse foi o saldo do confronto de policiais do 41BPM com criminosos do morro do Gogó (Chapadão). Não deixando de mencionar que três indivíduos foram encontrados ao solo e socorridos ao HECC. Registro em andamento.”, postou a corporação.
Na época, a Polícia Militar disse que revidou ataques de criminosos e apreendeu materiais usados no tráfico.
Reprodução redes sociais
João sempre negou a versão apresentada pelos policiais.
“A polícia entrou e efetuou diversos disparos na nossa direção. Em questão de menos de 15 segundos já estava todo mundo no chão, baleado. Gabryel e Guilherme já caíram no chão sem vida”, afirmou João ao RJ1.
Na última segunda-feira (4), quando completou 3 anos da morte dos amigos, João escreveu em sua rede social sobre o que aconteceu aquele dia.
“Estávamos bebendo em uma praça perto de nossas casas quando de repente o blindado sobe e ao ver, eu, Gabryel e Guilherme próximos efetuam diversos disparos. Foram os 10 segundos mais longos da minha vida. Eu vi tudo passar em câmera lenta. lembro que assim que ouvimos e sentimos que os tiros eram na nossa direção eu e Guilherme nos abaixamos na mesa. Eu vi o semblante dele de medo e ele viu o meu”, contou.
“Quando tentamos atravessar a rua os 3 foram atingidos, não chegamos a andar nem 10 metros. Eu senti um impulso muito forte e a minha barriga “explodir” todos os 3 foram atingidos com tiro de fuzil (762) pelas costas”, relembrou João.
Memória cruel
O jovem viu os amigos Gabryel e Guilherme morrerem na sua frente. Baleado na barriga, João foi levado para o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Lá, ele acordou preso.
“Após a cirurgia eu acordei preso, com 3 bolsas na barriga, 60 pontos por fora e o dobro por dentro. Acordei magro (…) Fiquei ostomizado por 2 anos e meio sem nenhum tipo de ajuda do Estado, apenas Deus, família e os amigos”, contou.
João ficou detido por 21 dias. Ele deixou a cadeia para responder em liberdade pelo crime de tráfico. Contudo, três meses depois, foi absolvido pela Justiça por falta de provas e depoimento contraditório dos PMs.
“O tempo passa, fico feliz pela minha vida, mas eu nunca mais vou ser feliz por completo. Tem noção do poder dessa frase? E realmente é real, sempre que eu penso que tô feliz eu lembro disso tudo e tudo desaba, o pior é que eu lembro disso toda hora”, comentou João.
Guilherme Martins e Gabryel Marques foram mortos durante ação da PM. A Justiça inocentou o outro amigo deles, João Marcos, que também foi baleado, mas sobreviveu.
Reprodução redes sociais
Os PMs Mário Lucio da Silva Júnior e João Henrique Pontes Baptista, investigados pelas mortes de Gabryel e Guilherme, até o momento não foram denunciados ao Ministério Público.
“Após 3 anos nada foi resolvido, os polícias continuam soltos e a vida do Guilherme nunca mais vai voltar. É uma dor sem fim, uma pergunta sem resposta. Hoje em dia, prefiro acreditar na justiça de Deus do que na justiça do Homem, nada passa batido aos olhos dEle”, completou o sobrevivente.
Celular encontrado no caveirão
Além de ver seu filho morto pela polícia e apontado como traficante, o pai de Guilherme afirmou que ainda passou por outra situação revoltante depois da ação da PM no Complexo do Chapadão.
Depois de ficar desaparecido por quase 40 dias, o celular de Guilherme foi encontrado dentro do blindado da Polícia Militar.
O pai da vítima afirmou ainda que os PMs que encontraram o aparelho não apresentaram o telefone na delegacia, como determina a lei. O celular só teria sido devolvido após o pai do jovem informar que tinha imagens do rastreador do celular, que mostrava sua localização
Antes de apresentar prints do aplicativo, o pai de Guilherme diz que foi informado que o celular não tinha sido encontrado.
A Polícia Militar confirmou que o aparelho foi localizado dentro do blindado da corporação, veículo conhecido como caveirão.
“Quando eu fui dar minha oitiva, eu comentei esse fato do telefone. Logo depois, um agente entrou em contato comigo dizendo que o telefone foi encontrado dentro do caveirão e que ninguém sabia de quem era. Mas isso demorou 30 dias. Eles pegaram o telefone do Guilherme”, disse o pai do jovem.
Celular de jovem morto durante operação no Chapadão é encontrado dentro de veículo blindado da PM
Segundo o rastreador do aparelho, o telefone esteve em três endereços diferentes antes de perder o sinal.
Segundo o aplicativo que mostra a localização do telefone em tempo real, o aparelho ficou durante a noite do dia 5 de março dentro do blindado da PM, na entrada da comunidade onde Guilherme foi baleado, na Rua Fernando Lobo.
A família de Guilherme continuou acompanhando o telefone e diz que o aplicativo de rastreamento do celular mostrou que no dia seguinte o aparelho foi parar em um endereço na esquina entre as ruas Arquimedes Memória; e Ana Frank, em Vila da Penha, na Zona Norte do Rio.
O local fica bem perto da 27ª DP (Vicente de Carvalho), delegacia responsável por investigar a prisão de João Marcos da Silva, o sobrevivente do ataque.
O pai de Guilherme levou as fotos do rastreador do telefone na 31ª DP. Contudo, segundo ele, o celular só apareceu no dia 13 de abril, 39 dias depois da operação no Chapadão.
O que dizem os citados
Em nota a Polícia Militar informou que o Inquérito Policial Militar (IPM) relativo ao caso foi concluído pela Corregedoria Geral da Corporação e remetido ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em março de 2022.
O Inquérito Policial Militar (IPM) que investigou a atuação dos policiais Mário Lucio da Silva Júnior e João Henrique Pontes Baptista concluiu que ‘não foram encontrados fragmentos de ilicitude na conduta dos policiais’ durante a ação na favela.
Em resposta ao RJ1, o MPRJ disse que a promotoria de investigação penal da área onde houve o crime remeteu o inquérito de volta para a delegacia. Mas o órgão não respondeu sobre o motivo do processo ainda não ter sido concluído.
Questionado pelo g1 sobre o prazo para o final das investigações, o MPRJ não respondeu, até a última atualização desta reportagem.
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