Após oito anos, reitora da UnB faz balanço da gestão; Márcia Abrahão foi primeira mulher a ocupar cargo


Rozana Naves, eleita em setembro, assume reitoria nesta quinta-feira (21). ‘Sustentabilidade ambiental, vestibular 60+ e a creche são meus xodós’, diz Márcia Abrahão. Reitora da Universidade de Brasília, Márcia Abrahão
Beto Monteiro / Secom UnB
A reitora Márcia Abrahão assumiu a gestão da Universidade de Brasília (UnB), em 2016, e deixa o posto após dois mandatos nesta quinta-feira (21). A nova reitora, eleita em setembro, é a professora Rozana Naves e a nomeação por parte do Ministério da Educação ocorre até sexta-feira (22).
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Depois de oito anos de gestão, uma pandemia e cortes orçamentários, Márcia Abrahão faz um balanço da sua condução à frente da UnB, elencando os pontos altos e as dificuldades enfrentadas.
“É uma característica minha, eu vou lá e enfrento o problema”, afirma.
Ao g1, a primeira mulher a ocupar o cargo de reitora na UnB destaca três projetos desenvolvidos na sua gestão que são motivo de orgulho.
“A política de sustentabilidade ambiental, o vestibular 60+ e a creche são os meus xodós”, diz sorridente a reitora.
Além dos projetos e iniciativas, a reitora fala sobre os seguintes pontos:
Panorama geral
Erros e desafios
Conquistas no ensino, pesquisa e extensão
Políticas de inclusão social e auxílios
Investimentos em infraestrutura
Sustentabilidade
Recursos humanos
Legado para a próxima gestão
Leia abaixo a entrevista da reitora Márcia Abrahão
Qual o balanço destes dois mandatos? Como estava a UnB, em 2016, quando a senhora assumiu, e como está agora em 2024?
É interessante chegar a oito anos depois, parece que voou. Mas por outro lado, vemos quanta coisa aconteceu. Então, fazendo uma comparação, havia uma grande quantidade de obras inacabadas e logo no primeiro ano, em 2017, houve uma redução de 50% do orçamento da UnB. Além disso, os sistemas de gestão e internet ainda estavam na transição entre analógico e digital.
Hoje a universidade, inclusive em função da pandemia, precisou passar toda para o digital e avançou muito na área de sistemas de gestão administrativa e acadêmica. Eu criei o programa Simplifica UnB, com uma série de simplificação de processos. […] Além disso, tudo é discutido e aprovado de forma bastante democrática, os órgãos colegiados [Conselho de Administração, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e Conselho Universitário] voltaram a funcionar com ampla participação da comunidade.
Estabelecemos também uma política de direitos humanos muito importante. Criamos Secretaria de Direitos Humanos, investimos na política de acessibilidade e o vestibular 60 + é uma das coisas mais bonitas que a gente fez.
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Além dos acertos, há erros ou decisões que gostaria de ter feito diferente?
A gestão pública é muito difícil. Eu acho que essa questão dos imóveis residenciais, a gente poderia ter feito mais reformas. Poderia ter avançado mais, mas não tinha dinheiro.
A relação com os moradores, muitas coisas que fizemos, eles ficaram sem saber, há um problema sério de comunicação com os moradores dos apartamentos residenciais e criou-se uma relação não muito boa com eles, eu melhoraria a minha relação com eles.
Avançamos muito na parte de simplificação, mas talvez tivesse que ter avançado ainda mais. Algumas coisas não dependem muito de mim, tem uma cultura institucional muito burocrática e por mais que a gente tente, a gente luta contra um sistema. Existe um embate o tempo inteiro contra uma estrutura muito rígida.
Quais foram as principais conquistas da UnB em termos de ensino, pesquisa e extensão durante a sua gestão?
No ensino, incorporamos tecnologias, fizemos curricularização da extensão para incorporar atividades com a comunidade externa, o Brasil todo fez isso, não só a UnB. Em função da pandemia, temos um Centro de Ensino à Distância e Tecnologia Educacionais, isso trouxe uma modernização, na matrícula, nos relatórios.
Na pesquisa, nós dividimos o decanato de Pesquisa e Pós-Graduação: um ficou só pós-graduação e o outro ficou pesquisa e inovação. Avançamos na pesquisa, fortalecemos o parque científico e tecnológico.
Melhoramos muito nos rankings nacionais e internacionais. Somos nota máxima como universidade, nota 5. A maioria dos nossos programas era [nota] 4, hoje a UnB é média 5. Hoje podemos dizer com tranquilidade que a UnB é nota máxima na graduação, inclusive à distância. Na pós, mais da metade dos cursos tem conceito 5, 6 e 7.
Na extensão, nós criamos polos de extensão, que são anexos da UnB. São espaços que temos em regiões administrativas e também em Cavalcante (GO) e são projetos com a comunidade local. Aqui no DF estão no Recanto das Emas, Ceilândia, Paranoá, Estrutural e na Comunidade Kalunga, em Cavalcante.
Além dos polos, temos uma rede de casas de cultura. A UnB tinha conhecida apenas a Casa da América Latina, no Setor Comercial Sul. A UnB tem hoje uma joia, a casa de Niemeyer, que estava cedida para reuniões, retomamos, virou uma casa de cultura. Beijódromo, Espaço de Memória Oscar Niemeyer também. E temos a Semana Universitária.
Qual é a situação atual das políticas de inclusão social da UnB e como a senhora as encontrou em 2016?
Aumentamos o valor das bolsas de graduação, iniciação científica, de assistência estudantil. Eram R$ 400, passamos para R$ 700. Isso só foi possível a partir do ano passado, quando melhorou o orçamento em função da mudança de governo.
Ampliamos os auxílios, mesmo durante a crise orçamentária e dos ataques sofridos durante o governo Bolsonaro. Eu resolvi fazer ao contrário: quanto mais ele atacava, mais a gente ampliava.
Então criamos o auxílio-creche, auxílio-saúde mental, auxílio-transporte, auxílio para compra de computadores para estudantes com vulnerabilidade socioeconômica. Para os indígenas pagamos passagens para eles voltarem para a aldeia e depois voltarem para Brasília.
Aumentamos o valor da bolsa de auxílio-socioeconômico, era R$ 400 e passamos para R$ 500. Em 2024, passamos para R$ 700 um total de 3.865 auxílios, ou seja, bolsas de assistência estudantil. Ao todo 9 mil estudantes comem de graça café, almoço e jantar todos os dias da semana.
A política de inclusão também envolve as cotas. Nós tínhamos as cotas na graduação para negros, indígenas e quilombolas. Na nossa gestão criamos cotas na pós-graduação, que não tinha, refizemos as normas sobre concurso público para professor e ampliamos a possibilidade de ingresso de professores por meio de cotas raciais e PCD, em 2023.
Em termos de inclusão, aumentamos as vagas para indígenas, acabamos de criar cotas trans na graduação, tem o vestibular 60+ que também é uma política de inclusão, são vagas extras. E na questão da permanência de mulheres, fizemos o auxílio-creche, ampliamos o tempo dela na pós-graduação, criei uma Secretaria de Direitos Humanos, uma política voltada para mães, materno parental. Entregamos fraldários em todos os campi, nos dois banheiros, masculino e feminino. Na biblioteca entregamos duas salas de amamentação.
Quais foram os maiores investimentos em infraestrutura na sua gestão?
Infraestrutura sempre é um desafio. Nós temos o desafio da infraestrutura dos imóveis residenciais e que ficaram anos sem manutenção. Mesmo em uma situação de redução de orçamento e pandemia, conseguimos concluir praticamente todas as obras inacabadas na Faculdade de Tecnologia, na Faculdade de Saúde, o Hospital Universitário.
O meu instituto, o de Geociências, ainda está em obras, não foi concluída. Vou inaugurar o teatro Helena Barcelos, que ficou mais de 10 anos fechado, por conta do desabamento do palco.
O Instituto de Artes foi totalmente construído. No campus do Gama, entregamos um prédio de laboratórios inteiro. No campus da Ceilândia, um outro prédio de laboratórios. Em Planaltina também fizemos reformas.
Fizemos obras de acessibilidade, elevadores. Criei a diretoria de acessibilidade, houve investimentos em tecnologia assistiva, de atenção à saúde da comunidade. Biblioteca modernizada, 24h funcionando.
Fizemos contratos de manutenção. Precisamos de muito mais recursos do que a gente tem para fazer tudo. Mas, mas com certeza, hoje é uma outra universidade. Foram mais de 70 obras grandes e há três outras obras que estão caminhando e que a nova reitora vai inaugurar.
E em relação à sustentabilidade?
Hoje, estamos entre as três melhores universidades em termos de sustentabilidade ambiental do Brasil. A UnB Gama é totalmente autossustentável em energia elétrica. Ela gera energia positiva, que cai na conta e é abatida nos outros campi da UnB.
Todos os campi da UnB tem geração de energia fotovoltaica. Toda nossa poda de corte de grama e árvores vai para a compostagem, a gente não compra mais adubo na UnB. Hoje, somos grandes geradores de reciclável para cooperativas. Mais de 100 famílias são beneficiadas.
Criei uma Secretaria de Meio Ambiente. Havia um setor de meio ambiente dentro da área de infraestrutura e obras. Eu tirei dentro da área de construção a parte de meio ambiente, porque ele não pode ficar subordinado. Foi fundamental vincular diretamente ao gabinete a área de meio ambiente, que tem autonomia para dizer para obras não serem feitas.
Quais ações foram tomadas para valorizar os servidores da UnB?
O que acontece em Brasília: os salários da UnB são bem mais baixos que a maioria dos salários da Esplanada dos Ministérios, comparando entre servidores públicos. Uma forma de atrair e motivar é dar condições para eles permanecerem aqui, como os apartamentos, os mestrados.
Fizemos políticas para os técnicos, antes era um mestrado profissional, hoje são oito. Antes havia uma fila para entrar nos apartamentos, eram três professores para um técnico. Agora colocamos um para um, que dá mais chance para eles conseguirem.
Nestes oito anos, não aumentamos o valor dos alugueis dos moradores. Esse tempo todo não houve aumento salário, mas uma pequena recomposição. Fizemos reformas nos apartamentos, na Colina, mas sempre precisa melhorar mais.
Há flexibilização de horário, há mais facilidade para trabalhar seis horas sem redução de salário e há possibilidade do teletrabalho. Além disso, quando a gente assumiu, existia uma decisão para retirar o URP [indexador econômico que orientou reajustes de salários e preços em relação à inflação]. Com um trabalho também dos sindicatos, conseguimos uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que está mantido o pagamento do URP aos servidores técnico-administrativos da UnB, a parcela a ser paga é de 26,05%.
Qual é a universidade que a senhora deixa para a próxima gestão?
Acho que a gente deixa o legado na área de direitos humanos, com uma grande política de direitos humanos, com uma creche entregue e toda mobiliada com a gestão da Secretaria de Educação. […] Assinamos também a criação de uma UBS escola no campus Darcy Ribeiro.
Fizemos muitas parcerias externas, muito apoio de emendas parlamentares da bancada do DF, de todos os partidos, conversamos com todo mundo e conseguimos muito apoio.
Há um acordo com o BNDES, para construção de apartamentos na quadra 207 e em um terreno no Setor Hoteleiro Norte. Vamos licitar e a empresa que ganhar vai retornar para a UnB os apartamentos. Com essa negociação a UnB vai receber mais 11 blocos de apartamentos residenciais em três ou quatro anos para arrecadar e investir na universidade.
O Darcy Ribeiro falava que deixou a UnB com autonomia para ela não depender de governos. A lei de criação da UnB é uma aula de autonomia universitária. Em torno de 40% de tudo que a gente precisa e que a gente gasta é dinheiro que a gente arrecada.
🔎Veja aqui a lei de criação da Unb, de 1961
Um outro legado da nossa gestão é na questão da segurança da UnB que sempre foi um problema sério. Colocamos mais de 800 câmeras nos quatro campi, recebi a universidade com 15 câmeras que não funcionavam. Há o monitoramento 24h, com duas salas de videomonitoramento.
Colocamos botões de segurança físicos em alguns lugares estratégicos e um grupo de professores desenvolveu um aplicativo com botão no celular. Colocamos cadeiras elevadas nos estacionamentos, é sucesso, simples, barato, dá mais condições para o segurança que tem mais visão. Melhoramos a iluminação e fizemos corredores de segurança.
A gente reduziu quase 90% as ocorrências no Campus Darcy Ribeiro. Impactávamos negativamente todos os indicadores da Asa Norte, agora é o contrário, impactamos positivamente.
“Deixo para a UnB a garantia de um futuro em condições sustentáveis financeiramente, ambientalmente e também em termos de relações humanas. Essa é uma felicidade que eu tenho.”
Quem é Márcia Abrahão
Reitora Márcia Abrahão fala sobre quem é e como quer ser lembrada no cargo que ocupa.
Márcia Abrahão nasceu no Rio de Janeiro, em 1964, mas cresceu em Brasília. Em 1982, passou no vestibular da UnB para o curso de Geologia e, após finalizar a graduação, passou no concurso da Petrobras, em 1987.
Pediu demissão após um ano e meio e, quando se casou, voltou para Brasília. Em 1988, passou no mestrado na área de Geologia na UnB. Seu primeiro filho, Tomás, nasceu depois de um ano.
Márcia Abrahão passou no concurso do Banco Central durante o período da pós-graduação e, no início do doutorado, a filha Renata nasceu. Depois de pedir demissão do Banco Central, ela passou, em março de 1995, para ser professora substituta da UnB, e em julho entrou como professora permanente.
“Estou lá [na UnB] até hoje, e assim comecei a minha história”, diz Márcia Abrahão.
Graduada, mestra e doutora em Geologia pela UnB, é docente do Instituto de Geociências (IG) desde 1995. Entre 2008 e 2011, foi decana de Ensino de Graduação e coordenou o Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.
Em 2016, tornou-se a primeira mulher eleita reitora da UnB e, em 2020, foi reconduzida ao cargo por mais quatro anos. Em 2023, foi eleita presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Casada pela segunda vez – com o mesmo marido, Antônio – atualmente diz que um dos seus títulos preferidos é “ser avó da Olívia”. Para o futuro, a reitora pretende se aposentar.
🔎’Como reitora, passei por situações nas quais eu tive que colocar o homem no lugar dele’, diz Márcia Abrahão da UnB
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