Quilombo Mimbó: uma história de luta e empoderamento feminino no Piauí

Quilombo Mimbó: uma história de luta e empoderamento feminino no PiauíLorraine Moreira

“Paixão” é o sobrenome da maioria dos moradores do quilombo Mimbó. Localizada a aproximadamente 160 quilômetros de Teresina, capital do Piauí, a comunidade foi fundada em 1819 e é uma das mais antigas do estado, titulada em maio de 2023.

“Meus avós foram dois escravos que fugiram de Pernambuco”, relembra Idelzuita Paixão, neta dos fundadores. “Eles descobriram uma caverna, e ficaram lá se alimentando da caça e da pesca, onde passaram mais de 25 anos, com medo de serem capturados pelos brancos.”

O sobrenome comum tem uma explicação. Por muito tempo, “os casamentos eram feitos só entre eles mesmos, por medo do preconceito e do racismo”, continua Idelzuita. Por isso, quase 95% dos mais de 600 integrantes do Mimbó compartilham as mesmas famílias.

A importância dos quilombos no Brasil

Os quilombos, comunidades formadas por escravizados e/ou seus descendentes que fugiram da condição de escravidão, são um marco da resistência afrodiásporica no Brasil.

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Atualmente, a população quilombola no país representa 1,3 milhão de pessoas em mais de 7 mil comunidades, conforme o Censo de 2022 promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Oficialmente registrados, são 485 quilombos distribuídos em 3,8 milhões de hectares — ou 0,5% do território nacional.

A participação feminina nos quilombos brasileiros e a violência que elas sofrem

As mulheres são, historicamente, pilares da formação e sustentação dos quilombos brasileiros. Ao mesmo tempo em que esses territórios são atravessados por heranças coloniais e patriarcais — a segunda maior causa de morte entre quilombolas é o feminicídio, conforme pesquisa da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e Terra de Direitos — são também as quilombolas que enfrentam o machismo, guardam e repassam saberes tradicionais, gerenciam os recursos naturais e protagonizam espaços de gestão das comunidades.

Educação como ferramenta para transformar a realidade dos quilombos

Esse é o caso de Idelzuita, a primeira professora do quilombo Mimbó. Quando a comunidade começou, “a educação era zero”, recorda ela, ao citar que os filhos dos quilombolas não tinham acesso às escolas da região.

Em 1962, seu pai mudou-se para uma cidade próxima para que ela pudesse estudar e ser alfabetizada. Ela concluiu o ensino fundamental, voltou para o quilombo e articulou a primeira escola do território, em 1971.

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Não foi nada fácil — o racismo era gritante e impedia diversos acessos — mas ela permaneceu firme. “Eu era professora, diretora, merendeira, faxineira, diretora, ia caçar lenha, ia buscar água no riacho, ia pegar merenda no depósito”, lembra a quilombola sobre sua época como docente.

A escola, que teve alguns hiatos desde sua fundação, permanece em funcionamento, hoje com mais recursos disponíveis e “não mais precisando chamar professores da cidade [de fora], são todos daqui da comunidade”, pondera Idelzuita.

Muitas mulheres do Mimbó foram inspiradas pela professora e estudam, ou estudaram, pedagogia. “Me sinto orgulhosa que essas meninas estejam em sala de aula. Enquanto eu ensinei só o ensino fundamental, hoje elas tão fazendo faculdade, universidade”, celebra.

Desafios e conquistas do Mimbó

Décadas depois, as ameaças aos quilombos perduram. Um estudo recente, de 2024, do Instituto Socioambiental (ISA) e da Conaq revelou que 98,2% destes territórios estão ameaçados por obras de infraestrutura, requerimentos minerários ou por imóveis particulares, gerando impactos como desmatamento, apagamento dos modos de vida tradicionais e fragilidades socioeconômicas.

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A questão da terra também acarreta em consequências trágicas para os moradores. O relatório Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, também da Conaq, mostra que o número de mortes violentas entre quilombolas quase dobrou entre 2018 e 2023, quando comparado com os cinco anos anteriores — a maior parte delas causada por disputas de terra.

O motivo principal dos conflitos é fundiário, por isso as instituições destacam a importância da titulação das terras quilombolas como um mecanismo de proteção.

Mimbó Artesanal: quando criatividade e sustentabilidade se unem

Artesanato do Quilombo Mimbó
Artesanato é uma potência do Quilombo MimbóFoto/Divulgação

Uma das formas criativas que o Mimbó encontrou para gerar renda, preservar saberes e diminuir essas vulnerabilidades foi o Mimbó Artesanato. O projeto, que teve o apoio do poder público local e mentoria da designer Kalina Rameiro, começou em 2020 ofertando aulas de costura e consolidou-se como uma marca própria do quilombo.

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No presente, são 13 mulheres que conseguem complementar sua renda familiar com os trabalhos de artesanato, ao mesmo tempo em que fortalecem sua autoestima e as práticas criativas e culturais do seu território.

São produzidos itens de decoração e acessórios com técnicas de upcycling e reutilização de materiais têxteis, mas elas já miram em peças de vestuário e lançaram no primeiro semestre de 2024 sua primeira coleção de moda, nomeada de Lelete, em Teresina.

A projeção internacional do Quilombo Mimbó

Outra conquista recente foi a presença do Mimbó Artesanato na capital da França. Como programação da Exposição de Artesanato Casa Brasil, organizada pelo Comitê Olímpico Brasileiro, as quilombolas levaram suas peças para serem expostas em Paris em julho deste ano.

“Estamos contribuindo para que a gente tenha um Brasil melhor. Nós também temos o grupo dos quintais produtivos, onde falamos sobre soberania alimentar. Produzimos hortaliças e macaxeiras e vendemos para compra direta”, acrescenta Marta Paixão, uma das quilombolas que anda pelos caminhos abertos por Idelzuita — Marta é pedagoga e uma das representantes do quilombo Mimbó em diversas agendas institucionais.

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Para Elizanete Paixão, testemunhar o Mimbó Artesanato é a realização de um sonho. Primeira modelista e costureira da comunidade, começou no ofício cedo, ainda adolescente. Fez muitas peças manualmente até conseguir ganhar sua primeira máquina de costura, que seu pai comprou usada de um amigo.

“O que me alcançava, eu fazia. Só não roupas finas [de festa]. Mas o que podia fazer, fazia”, relembra, inclusive sobre as roupas de terreiro que confecciona, como as saias usadas nas celebrações de umbanda.

O legado e futuro do Quilombo Mimbó

Ver que o conhecimento de Elizanete está sendo valorizado e expandido é motivo de celebração para Idelzuita. “Nós somos duas guerreiras em passar os ensinamentos”, enaltece Idelzuita. A crença em um Mimbó fortalecido e com ferramentas que permitam a vida em abundância — social, cultural e econômica — foram o alicerce da professora nos momentos mais conturbados.

“Todas as coisas, a cultura e as sabedorias do nosso quilombo, são criadas por Deus em nós mesmos. Minha fé removeu a montanha. Não era pra ficar ali do jeito que a Idelzuita deixou. Tinha que ser multiplicado”, finaliza.

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