
‘Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores’ reúne ciência e arte para revelar a beleza e a urgência da preservação do bioma. Livro ‘Cerrado em Cores: Flores atrativas para beija-flores’ foi lançado no dia 22 de fevereiro
Marcelo Kuhlmann
Fruto de mais de uma década de pesquisa e expedições pelo bioma, o biólogo, fotógrafo de natureza, mestre e doutor em Botânica pela UnB Marcelo Kuhlmann lança ‘Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores’, um livro que apresenta mais de 300 espécies de flores e os 40 beija-flores que habitam o Cerrado, a caixa d’água do Brasil.
A obra, ricamente ilustrada, combina ciência e arte e revela a relação entre as plantas e seus polinizadores, destacando a importância da conservação desse ecossistema único. Com fotografias inéditas e informações detalhadas, o autor convida o leitor a enxergar o Cerrado além de suas paisagens, revelando um bioma essencial para a biodiversidade brasileira.
“O Cerrado é um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta. No entanto, acredito que sua maior ameaça seja o desconhecimento e a desvalorização de suas espécies nativas. A biodiversidade única desse bioma vem sendo negligenciada e substituída por paisagens degradadas, comprometendo não apenas a fauna e a flora, mas também a própria sobrevivência humana”, diz Marcelo Kuhlmann.
O biólogo percorreu diferentes regiões do Cerrado para documentar a relação entre as flores e os beija-flores. O resultado é um trabalho minucioso, que não apenas apresenta a beleza desse ecossistema, mas também alerta para os impactos da destruição do bioma.
Ilustração do livro ‘Cerrado em Cores: Flores atrativas para beija-flores’
Marcelo Kuhlmann
“Nesse período, testemunhei e registrei uma das interações ecológicas mais belas da natureza: a dança delicada e vibrante entre as flores e os beija-flores. Mas, ao longo dessa jornada, também me deparei com os impactos devastadores da ganância e da falta de conhecimento. A expansão desordenada e as atividades econômicas de alto impacto vêm colocando em risco esse patrimônio natural inestimável”, explica o autor.
Hoje, a ocupação humana segue como um dos principais vetores de pressão sobre os ecossistemas do Cerrado. Reverter essa realidade é um desafio que exige a união de produtores rurais, cientistas, governos, ONGs, comunidades locais e consumidores. Nesse contexto, ‘Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores’ não é apenas uma homenagem à beleza desse bioma, mas um apelo urgente à sua conservação.
Segundo Marcelo, a maioria dos brasileiros desconhece a flora e a fauna nativas, e essa desconexão leva à indiferença. O livro busca justamente despertar um novo olhar sobre essa riqueza que muitos sequer sabem que existe. O autor reitera que cada página é um convite para mergulhar na essência do Cerrado e compreender que a sua conservação está em nossas mãos.
“A educação ambiental e a conscientização são ferramentas indispensáveis para criar laços de identidade e respeito com as espécies nativas e com os povos tradicionais que há séculos mantêm viva essa biodiversidade. Conhecer e valorizar essas espécies é um passo fundamental para proteger o Cerrado e tudo o que ele representa para o equilíbrio ecológico e para a vida no Brasil”, diz o botânico.
Relação com o Cerrado
Nascido e criado no coração do Cerrado, Marcelo Kuhlmann sempre foi fascinado pelas interações entre as plantas e os animais que compõem esse bioma. Sua jornada de pesquisa, que já dura quase 20 anos, foi guiada por perguntas essenciais para a ecologia da região: quais plantas fornecem alimento para os animais? E quais animais são responsáveis pela polinização e dispersão das sementes dessas plantas?
Essas questões, aparentemente simples, revelam desafios imensos. O Cerrado abriga mais de 13 mil espécies de plantas e mais de 2 mil espécies de vertebrados. Entre essas plantas, estima-se que 80% a 90% dependam de animais para a polinização, especialmente as abelhas, enquanto cerca de um terço produz frutos carnosos que servem de alimento para a fauna.
A obra é fruto de mais de uma década de pesquisa e expedições de Marcelo pelo bioma
Marcelo Kuhlmann/Arquivo pessoal
Para mapear e documentar essas interações, Kuhlmann percorreu milhares de quilômetros ao longo dos anos, acompanhando os ciclos das plantas e as mudanças sazonais do Cerrado. Ele destaca que esse bioma não é homogêneo: cada região possui suas particularidades, e as plantas florescem em períodos distintos.
“Grande parte dessa biodiversidade é endêmica, ocorrendo exclusivamente em determinadas regiões do bioma. Isso torna o trabalho de pesquisa ainda mais urgente e necessário, pois muitas dessas espécies correm risco de desaparecer antes mesmo de serem plenamente conhecidas”, informa Marcelo.
A descoberta da conexão entre flores e beija-flores
O interesse do biólogo pelas interações entre flores e beija-flores começou a se aprofundar em 2014, quando participou de um curso internacional de polinização na Chapada dos Veadeiros. Durante a experiência, estudou a relação entre uma bromélia do gênero Dyckia e os beija-flores que a visitavam. O espetáculo natural que testemunhou – flores alaranjadas atraindo essas pequenas aves em meio à regeneração da vegetação após uma queimada – foi um marco em sua pesquisa.
A partir daí, Marcelo passou a viajar por diferentes regiões do Cerrado, ampliando sua documentação sobre essas interações ecológicas. A cada expedição, novas descobertas surgiam. Algumas flores eram facilmente identificáveis por suas cores vibrantes e formatos adaptados à polinização por beija-flores. Outras, no entanto, eram discretas e passavam despercebidas entre a vegetação – muitas vezes, foi o próprio comportamento dos beija-flores que levou Kuhlmann a encontrá-las.
Livro retrata a relação entre as flores e os beija-flores do Cerrado
Marcelo Kuhlmann
“Estar em campo exige atenção plena a cada som, cor e movimento. Em um ambiente natural, qualquer descuido pode significar a perda de um registro único—de uma espécie rara que talvez não seja encontrada novamente. Cada expedição é uma nova oportunidade de desvendar os mistérios do Cerrado e revelar a riqueza escondida em sua flora exuberante”, diz.
Para definir as espécies de flores e beija-flores que entrariam neste livro, além dos registros feitos ao longo de uma década de pesquisa e expedições pelo Cerrado, Marcelo consultou diversos artigos científicos sobre o tema. A partir dessas fontes, obteve listas de plantas nativas visitadas por beija-flores, o que garantiu que o trabalho fosse bem fundamentado.
A construção do livro
Para estruturar a obra, Kuhlmann organizou as espécies de flores por cor e período de floração, facilitando a navegação pelo conteúdo. Além das 310 espécies documentadas, a obra apresenta os 40 beija-flores que habitam o Cerrado, incluindo registros inéditos feitos pelo autor e ilustrações científicas de Denis Balduino.
O livro também destaca um aspecto interessante da flora do Cerrado: suas flores não seguem um padrão rígido de ornitofilia – adaptação exclusiva para polinização por aves. Algumas possuem estruturas típicas, como cores chamativas e formato tubular, mas outras, apesar de parecerem adaptadas a outros polinizadores, também são visitadas por beija-flores devido à grande produção de néctar.
Os beija-flores são exclusivos das Américas, com cerca de 370 espécies conhecidas, a maioria delas concentrada na América do Sul. No Brasil, segundo a lista oficial do CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos), existem 89 espécies, todas pertencentes à família Trochilidae, divididas em cinco subfamílias: Florisuginae, Phaethornithinae, Polytminae, Lesbiinae e Trochilinae.
Página do livro sobre o chifre-de-ouro (Heliactin bilophus)
Marcelo Kuhlmann
Na região do Cerrado, já foram registradas 36 dessas espécies, desde as de ampla distribuição até as de ocorrência mais restrita. Além disso, outras cinco espécies encontradas em biomas vizinhos ou em zonas de transição também visitam flores do Cerrado em determinadas regiões.
No total, 41 espécies de beija-flores foram incluídas no livro, representadas com ilustrações científicas e diversas fotografias que buscaram fazer com cuidado para capturar os indivíduos em diferentes ângulos e posições.
Documentar essas interações em fotografias foi um desafio à parte. Fotografar beija-flores exige paciência e estratégia. Kuhlmann aprendeu que, em vez de perseguir as aves, a melhor abordagem era identificar as flores que elas preferiam e esperar.
“Algumas visitas são rápidas, e um piscar de olhos pode significar a perda do clique perfeito. Outras vezes, pode ser necessário esperar horas até que o beija-flor apareça na posição e no ângulo ideal”, explica.
Para capturar todas as espécies presentes no livro, o autor contou também com a colaboração de outros fotógrafos e observadores de aves.
Uma publicação independente e o impacto da obra
Sem apoio institucional ou patrocínio, Marcelo Kuhlmann optou por lançar a obra de forma independente, por meio da editora que criou, a BIOM Field Guides. O financiamento do projeto foi viabilizado por uma campanha de pré-venda e financiamento coletivo, que garantiu os recursos necessários para a impressão.
Publicar uma obra dessa magnitude, que registra centenas de espécies em uma região vasta como o Cerrado brasileiro, é ao mesmo tempo uma grande realização e um enorme desafio. Os custos envolvidos na produção de um livro de natureza como esse são elevados, abrangendo anos de expedições fotográficas, edição minuciosa das imagens, diagramação cuidadosa, impressão de alta qualidade e um intenso trabalho de divulgação
Além da publicação do livro, o biólogo deseja ampliar o impacto do projeto com palestras, exposições e materiais educativos. Seu objetivo é sensibilizar mais pessoas para a importância da conservação do Cerrado e incentivar práticas de preservação ambiental.
“Foi um processo longo e desafiador, mas o retorno do público tem sido incrível. As pessoas reconhecem a importância desse trabalho, e isso me motiva a continuar. A natureza é uma fonte inesgotável de conhecimento e beleza. Meu desejo é que esse livro seja um convite para que mais pessoas se apaixonem por esse bioma e ajudem a protegê-lo”, conclui.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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