Missionário que mora na Guatemala relembra transplante de fígado que recebeu no Acre


Jesuel Alves da Silva, de 60 anos, viveu 18 anos com a doença colangite esclerosante que virou uma cirrose hepática, antes de conseguir o transplante de fígado, em 2017. Missionário construiu uma casa de acolhimento para pessoas que precisam de atendimento médico na Guatemala, após o tratamento recebido no Acre. Missionário tinha doença que o deixou debilitado por 18 anos
Arquivo pessoal
Imagina viver com uma doença crônica e rara durante 18 anos, ser avisado pelos médicos que não poderiam mais te ajudar e que, para sua cura, será necessário receber um novo órgão? Esta situação foi vivenciada pelo missionário Jesuel Alves da Silva, de 60 anos.
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Nascido em Santos, litoral de São Paulo, em 2017, ele vivia há 41 anos fora do Brasil, tendo passado pelo Peru e Dinamarca, e já estava há 23 anos na cidade Quetzaltenango, na Guatemala, quando descobriu que a doença que tinha, chamada colangite esclerosante, estava obstruindo e obliterando os dutos biliares, causando uma cirrose hepática. Na época, ele tinha 54 anos.
“Durante 18 anos, eu tratei de abri-las de colocar tubos dentro das vias biliares para drenar a bílis, mas chegou um certo momento que já não funcionava mais, causando a cirrose hepática. Os médicos na Guatemala não podiam fazer nada por mim”, afirma ele.
A colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença hepática crônica e rara que provoca inflamação e fibrose nos ductos biliares. A doença pode causar obstrução dos ductos biliares, levando à acumulação de bile no fígado e ao dano das células hepáticas.
O missionário conta que procurou várias filas de transplantes em diversos países, porém pelo custo, não conseguia nem se candidatar. Quando estava debilitado, ele decidiu voltar ao Brasil para tentar o transplante no país.
“Eu procurei várias vezes entrar na fila do transplante nos Estados Unidos e em outros lugares, mas infelizmente era muito caro e era impossível para mim pagar. Quando eu fiquei muito ruim, já no final, eu vim para o Brasil. Ao chegar, uma equipe em São Paulo não quis nem me ver. Quando viram meus exames não quiseram nem ver o que podiam fazer por mim”, relembra.
Vinda ao Acre
Jesuel, porém, insistiu para ser atendido por outra equipe, e teve a sorte, como ele mesmo define, de encontrar com o médico paulista Tércio Genzini, especializado em cirurgias de fígado e pâncreas. Ele liderou a equipe do primeiro transplante de fígado do Acre e continua fazendo as cirurgias no Estado.
“A segunda equipe era a equipe do doutor Tércio. Ele me viu e falou pra mim que iria me colocar na fila do transplante e perguntou se eu estava disposto a ir ao Acre. Eu disse pra ele que estava, sim, disposto e ele disse que iria me colocar na fila do Acre, que era zero mortalidade e zero rejeição”, explica ele.
O missionário esclarece que naquele momento estava desesperado e agarrou essa oportunidade com toda a vontade de viver que ele tinha.
“Eu não tinha mais outra opção. Todo mundo falava para mim que eu era louco de ir ao Acre, já que muitos iam para São Paulo, mas eu só pensava que essa era uma oportunidade e eu ia tentar. Só pensava: se falhar, falhou”, expõe.
Quase 1 ano de espera
Ao chegar ao Acre, da Silva precisou de ajuda com a estadia para aguardar seu novo fígado. Ele ficou hospedado em uma casa para pacientes cedida pelo estado, até que a esposa pudesse vir ao estado. “Eu era o primeiro da fila do transplante, no grupo de sangue, mas eu ainda esperei 10 meses para chegar a minha hora. Nesses 10 meses eu fui enfraquecendo e fui ficando pior. Fui perdendo o conhecimento, as emoções. Fiquei um morto-vivo”, relata ele.
Segundo o missionário, apareceram várias oportunidades de ser transplantado, mas eram frustrados, pois não era o fígado que os médicos desejavam que transplantar nele e também por isso, sua cirurgia demorou a acontecer.
Uma semana antes de receber a notícia de que um doador compatível foi encontrado, o missionário acreditou que não fosse aguentar mais esperar. “Já me davam uma semana de vida, porque o meu fígado já estava estragado, totalmente tomado pela doença, e já não funcionava mais. Eu estava muito grave, não caminhava, eu não conversava, a minha situação era bem difícil”, diz.
Após o transplante, paulista diz que imediatamente se sentiu renovado
Arquivo pessoal
Novo órgão
No dia 11 de novembro de 2017, da Silva nasceu de novo. Após muita espera, ele descreve que quando o seu novo fígado chegou, parecia um sonho.
“O fígado foi direto pra mim, parecia um sonho que estava sendo realizado. Foi algo milagroso de Deus pra mim. Quando eu entrei na sala de cirurgia, eu entrei caminhando, eles me prepararam e por muitas horas, por volta de oito horas fizeram minha cirurgia. Quando eu acordei, já disse, estou vivo!”, comemorou.
O homem cita que antes do transplante, estava com várias feridas pelo corpo, nariz e ouvidos, por consequência da falha do órgão doente. “Quando eu saí da cirurgia, toquei no meu nariz e estava curado. Não tinha nada de ferida, imediatamente. O fígado novo renovou o meu sangue, limpou a minha pele e eu fui transformado. Fiquei agradecido a Deus pelo milagre que ele fez na minha vida. É uma emoção muito grande, uma alegria muito grande de poder ver e de voltar para a sociedade”, agradece.
Ao sair da UTI, da Silva descreve que já comia todo tipo de alimento, não precisava mais fazer dieta, o que não acontecia há muito tempo em sua vida, o que o deixou muito feliz. “Precisei ainda ficar no Acre por três meses em acompanhamento. Depois pude voltar para as minhas atividades, para o meu trabalho. Voltei para casa e vivi minha vida normal”, complementou.
O acompanhamento nos últimos 6 anos foi feito, primeiramente, a cada 6 meses no Acre. Posteriormente, com a pandemia, começou a ser feito de forma online e o transplantado faz exames em seu país e mostra seus resultados para o Dr. Tércio. Neste mês de setembro de 2024, da Silva esteve no Acre para o acompanhamento de forma presencial.
Casa de apoio
O missionário tem um seminário teológico na Guatemala, que é onde os missionários são treinados. Após o acolhimento recebido no Acre, da Silva, que é voluntário da igreja, decidiu abrir uma casa de apoio para o hospital no país que mora, para ajudar pessoas que estivessem na mesma situação que ele.
“Esta casa eu fundei depois do meu transplante. É uma forma de agradecer a Deus e ajudar o próximo, como me ajudaram aqui no Acre, onde eu estive hospedado esperando o meu transplante. Então eu fiz o mesmo lá na Guatemala. É a única casa que tem na Guatemala, que abriga os doentes e os familiares que não têm recursos”, falou.
Seis anos depois, Jesuel vive uma vida plena ao lado da família na Guatemala e faz trabalho voluntário com outras pessoas doentes
Arquivo pessoal
Transplante
O missionário diz que gostou muito do Estado e que fui muito bem acolhido pelos moradores da cidade e pela equipe da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), que foi onde ele fez o transplante. Sobre a vinda ao Acre, ele diz que viveu feliz no estado e tinha muita fé da cura.
“Desde quando eu vim pra cá, mesmo não sendo mais acostumado no calor, eu amei o Acre, amei Rio Branco. Amei a comida e eu gosto muito das pessoas. O tratamento que eu tive com a equipe do transplante, especificamente, foi muito boa. Eu fui muito amado, eu fui muito querido, eles, todos os médicos, enfermeiras, me trataram muito bem. Até hoje todos me tratam bem aqui”, afirma.
Da silva menciona ser muito agradecido por todos os profissionais e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que foi por onde ele fez o transplante.
“Pra mim é 10, é muito bom, eu não tenho nada do que reclamar. Eu ser bem cuidado, ser amado, estar no coração deles pra mim foi muito especial. Não houve racismo, não houve desprezo e nem maltrato, ao contrário, a equipe do transplante, eles protegiam a minha vida, eles me protegiam. Eu não tenho nem palavras de como agradecer a Deus por cada médico, por cada um da equipe do transplante, que estiveram do meu lado e do lado da minha esposa comigo. Eu agradeço a Deus pela Fundação, eu agradeço a Deus pelo Acre, por ser um lugar onde salvou minha vida”, celebra ele.
Procedimentos
A Fundhacre é o único hospital transplantador do Acre e faz, atualmente, três tipos de transplantes sendo:
Órgãos sólidos: fígado e rim
Tecido: córnea
Somente em 2024, 39 transplantes de córnea e outros 11 de fígado foram feitos. Devido ao número de procedimentos realizados e da sobrevida geral dos pacientes transplantados no Estado, a Fundhacre se tornou referência nacional em transplantes. Além disso, conquistou em 2024 o recorde de transplantes de córnea em relação ao país.
Desde 2006, foram feitos 518 procedimentos na Fundhacre, sendo:
96 transplantes renais
331 transplantes de córnea
91 transplantes hepáticos
Os transplantes começaram a ser feitos na Fundhacre em setembro de 2006, com o primeiro transplante de rim. Logo depois, veio a habilitação para realizar transplante de córnea, sendo feito o primeiro em outubro de 2009. Somente em abril de 2014, foi realizado o primeiro transplante de fígado.
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