Ex-detento consegue emprego em empresa onde trabalhou durante reclusão

São Paulo — Prevista em lei, a ressocialização é um desafio permanente no Brasil, principalmente por conta da estigmatização do preso no país. Por isso, quando um episódio bem sucedido acontece, se torna notícia. É o caso de Marcelo Delfino, de 42 anos, egresso da Penitenciária de Assis, no interior de São Paulo, que, ao conquistar a liberdade, foi contratado pela empresa para a qual prestou serviços durante a reclusão.

Marcelo (foto de destaque, à esquerda, de capacete verde) cumpriu pena por roubo na unidade em regime fechado entre 2014 e 2017. Nesse período, aproveitou as oportunidades oferecidas pelo sistema, participando de projetos de ressocialização. Ele também trabalhou no presídio no setor de manutenção interna.05

Em 2022, retornou para a unidade já no regime semiaberto. Em janeiro de 2024, passou a trabalhar para a Duaço Empreendimentos Imobiliários. Após conquistar o alvará de soltura, em setembro deste ano, foi contratado de forma efetiva pela empresa – o que ele considera “uma conquista muito importante”.

“Nova história”

“Sou muito grato pela oportunidade de mostrar que mudei. Cada dia de trabalho é uma chance de provar que posso construir uma nova história e dar o meu melhor”, disse ao Metrópoles.

Flávio Henrique dos Santos, gestor de Recursos Humanos da Duaço, conta que Marcelo sempre demonstrou interesse e compromisso nas atividades de trabalho. Tanto que se tornou um funcionário disputado.

“Tivemos até um ponto curioso que duas obras em andamento tiveram interesse que o Marcelo fosse atuar, quando da sua efetivação, sinal que seu desempenho é muito bom. Ele se integrou bem com a equipe, assim como outros do projeto também estão indo bem”, afirmou.

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Marcelo Delfino, egresso contratado por empresa onde trabalhou durante reclusão. - Imagem: SAP

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Marcelo Delfino, egresso contratado por empresa onde trabalhou durante reclusão. – Imagem: SAP

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Marcelo Delfino, egresso contratado por empresa onde trabalhou durante reclusão. – Imagem: SAP

A parceria da Duaço com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) começou em 2023. Hoje, cerca de 40 detentos prestam serviço para a empresa – em troca da remição das penas (a cada três dias trabalhados, um dia é subtraído da pena). Marcelo é o primeiro a ser efetivado após participação no projeto.

“Esperamos que casos semelhantes a esse continuem a acontecer”, disse Flávio.

Importância da ressocialização

Dos pouco mais de 200 mil detentos do sistema prisional paulista, aproximadamente 40 mil estavam trabalhando no 1º dia útil de junho de 2024, segundo dados da SAP e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).

De acordo com a SAP, nesta gestão, houve aumento de 295% no número de egressos empregados em comparação com o total registrado entre 2021 e 2022. “Foram 265 empregados até o momento e 67 egressos inseridos no mercado de trabalho entre 2021 e 2022”, informou a pasta ao Metrópoles.

Ainda assim, quem está no sistema prisional sabe bem da dificuldade de conseguir uma posição depois do histórico criminal.

“Quando eu estava no sistema prisional, eu tinha esperança de conseguir uma vaga, mas sabia que não seria fácil”, disse Marcelo.

Para ele, investir em ressocialização é essencial. “Todo mundo que quer mudar merece uma segunda chance”, afirmou.

Segundo o trabalhador, com apoio fica mais fácil encontrar um caminho diferente e se reintegrar à sociedade. “Além disso, quem ganha é todo mundo, porque pessoas recuperadas ajudam a trazer mais segurança e tranquilidade para a comunidade”, disse.

Flávio aponta que a dificuldade para o egresso retornar ao mercado de trabalho após a liberdade contribui, de certa forma, para que alguns deles retornem à prática de delitos.

“Sabemos que o reeducando, como chamamos o pessoal que participa do projeto, terá que enfrentar uma certa dificuldade na reinserção à comunidade e ao mercado de trabalho. A proposta desse projeto facilita demais esse processo”, destacou.

Futuro melhor para a família

A mudança de vida de Marcelo começou ainda durante o período de reclusão. Segundo ele, trabalhar o ajudou a ter uma rotina e ocupar a cabeça, o que o fez se manter focado e positivo.

“Além disso, o trabalho me ensinou muito sobre disciplina e responsabilidade, coisas que eu não levava tão a sério antes. Foi uma experiência que me fez enxergar que eu posso, sim, seguir um caminho diferente e construir uma nova história”, afirmou.

A oportunidade também lhe deu uma nova perspectiva de futuro. Ao Metrópoles, o egresso disse que quer continuar se esforçando no trabalho e crescer profissionalmente – mas, acima de tudo, garantir um futuro melhor para ele e sua família.

“Sei que não foi fácil, mas [a Duaço] fez toda a diferença na minha vida e me mostrou que, com esforço e dedicação, é possível recomeçar. Estou muito grato pela confiança e, pode ter certeza, vou continuar dando o meu melhor aqui, porque sei que essa chance é única e muito importante”, destacou.

Aos detentos e egressos que encontram dificuldades para seguir em frente, Marcelo pede que não desistam e acreditem na própria mudança. “Sei que é difícil, mas, se a gente se compromete de verdade, a chance aparece. Quando aparecer, agarre e mostre que está pronto para recomeçar”, afirmou o trabalhador.

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