Naufrágio no Pântano do Sul: As lembranças de quando o navio Guarará afundou em Florianópolis

Quem caminha pela praia do Pântano do Sul nem imagina que a poucos metros da areia é possível encontrar a carcaça de uma embarcação naufragada há 70 anos. Tudo aconteceu em 1954, quando o navio Guarará chegou ao litoral de Florianópolis.

Local do naufrágio do Navio Guarará fica na praia do Pântano do Sul, em Florianópolis – Foto: ADrones Floripa/Divulgação/ND

Mesmo com o passar do tempo, a cena ainda parece nítida para quem presenciou o momento, caso da moradora Zenaide Maria de Souza. “Isso foi em uma segunda-feira. Veio um vento sul e começaram os gritos, a comunidade era pequena. O alarme, os gritos, meu pai disse: ‘Está acontecendo alguma coisa lá na praia’. Fomos todos ver.”

Ao chegar na orla, o cenário era de agitação e mobilização para salvar os tripulantes em meio aos destroços. Zenaide ainda lembra de um dos casos que mais marcaram. “Ficamos preocupados com eles, em socorrer para não morrerem. Um estava quase com hipotermia, tiveram que fazer um buraco na praia para enterrar e aquecer na areia”, conta a moradora que ainda lembra das luzes do navio, atrativo para as crianças que viviam sem eletricidade.

Após a retirada de todos que estavam na água, o passo seguinte foi alojar os visitantes. O casco, que ainda permanece na região, foi o que sobrou, já que todos os outros itens se perderam no mar. “Tinha muita galinha, porque não tinha geladeira. Abrigamos, demos casa. No outro dia, a praia era só carvão”, relembra a habitante, dona do Pedacinho do Céu Restaurante.

Dona Zenaide preserva na memória os detalhes do dia do naufrágio no Pântano do Sul

Zenaide preserva na memória os detalhes do dia do naufrágio no Pântano do Sul – Foto: Germano Rorato/ND

Carga de carvão

O barco estava carregado de uma matéria-prima importante da época e já tinha a rota estabelecida. “Saiu do Porto de Imbituba, no Sul de Santa Catarina, com destino ao Rio de Janeiro. Naquela época, o carvão era um combustível muito usado na indústria e na produção de energia elétrica, inclusive parte dos navios ainda usava essa fonte de energia”, explica o biólogo e presidente do Instituto Larus, Alcides Dutra, que também mora no bairro.

De acordo com o especialista, a embarcação era da empresa Companhia Internacional de Transportes, tinha 482 toneladas e uma tripulação de 23 pessoas. Porém, se engana quem pensa que essa foi a primeira adversidade.

Em 1940, o mesmo navio já havia apresentado uma inundação perto do Farol de Santa Marta, em Laguna — alguns reparos foram feitos até o naufrágio no Pântano do Sul. “O comandante tentou mudar de rota para chegar ao porto de Florianópolis, mas não havia mais tempo. Apesar dos esforços, o Guarará naufragou 14 anos depois da primeira inundação em seus porões.”

O carregamento, que deveria ter chegado em solo carioca, permaneceu por muito tempo na rotina dos moradores. “O carvão nessa praia custou a sair, ninguém queria vir. Se espalhou em tudo e cada vez que vinha à praia o sol derretia e os pés ficavam com uma mancha. Todo mundo reclamava da ‘chata’ do Guarará”, pontua Zenaide, que faz questão de contar o significado do apelido, dado por conta do formato e corte do navio.

Repercussão nacional

O naufrágio que aconteceu no Estado repercutiu em todo o país. O caso foi contado no Jornal do Brasil, em matéria que evidenciava a mudança no fluxo da água como uma das causas para o acontecimento.

Recorde da época do Jornal do Brasil noticiando o naufrágio – Foto: Reprodução/ND

“De repente aparece um monstro de ferro arremessado pela fúria do mar na rebentação perto da praia. E de lá surgem pessoas diferentes, com outras culturas, outras etnias, outros valores e outras prioridades. As consequências da interação estão não só na memória de uns poucos idosos, mas também na genética de algumas famílias”, salienta Dutra, analisando como a mudança de rota alterou o desenvolvimento do lugar.

O biólogo também explica que o Farol dos Náufragos mencionado no texto era o que constava no diário de bordo, sendo o ponto de referência para identificar o barco — o nome atual é Farol de Naufragados. Anos depois, a empresa responsável pelo barco tentou retirar os destroços, mas não obteve sucesso, o que fez com que a estrutura permanecesse na praia. Em tempos de maré baixa, é possível observar a embarcação e até mesmo mergulhar no local.

Naufrágio no Pântano do Sul atrapalha a pesca da tainha

Quem cresceu na região após a chegada do Guarará, convive com os relatos daqueles que estiveram presentes no salvamento, caso do pescador e proprietário do Pescados Trinta Reis e Gelo Sul, Leandro Lopes Gonçalves, que comenta como os causos são extensos.

O pescador Leandro Lopes Gonçalves conta que o navio fica no lugar onde passam os cardumes – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Há 44 anos no Pântano do Sul, a relação com a embarcação ocorre, principalmente, durante a pesca. “Ficou justamente no lugar em que passam os cardumes. Na época da tainha, quando nós fazemos o arrasto de praia, atrapalha a pesca da comunidade”, explica o morador.

Pensando no trajeto que é feito pelo cardume, que às vezes vem pela praia, mas que acaba encontrando o navio e mudando o percurso, a dificuldade em fazer o lanço é compartilhada com os demais colegas. “Já aconteceu, algumas vezes, de a própria rede, devido a alguma correnteza, puxar para cima do navio e acabar rasgando. Atrapalha muito a pesca. O pessoal quer fazer o lanço e, às vezes, não dá”, conta o profissional.

Questionada sobre a possibilidade de remover a estrutura, a prefeitura informou que não há nenhuma iniciativa. A justificativa é de que o barco está presente desde 1954 e não foram registrados impactos ambientais ou outros problemas.

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