Mudança na lei permite Governo do Paraná repassar R$ 256 milhões extras ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público


Valor é somado aos orçamentos bilionários dos órgãos. Repasse é previsto na lei, mas dinheiro deixa de ser usado em outros setores como saúde, educação, bem-estar social, conforme especialista. TJPR e MPPR receberam repasses extras de R$ 256 milhões do Governo do Estado
Em 2023, o Governo do Paraná repassou R$ 256 milhões extras ao Tribunal de Justiça (TJ) e ao Ministério Público (MP) do estado. R$ 150 milhões foram enviados ao TJ, enquanto os outros R$ 106 milhões foram destinados ao MP.
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O valor é somado aos orçamentos dos órgãos. Naquele ano, o orçamento do TJ era de R$ 2,78 bilhões. No MP, R$ 1,3 bilhão.
O repasse extra é possível por conta de uma mudança na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023. A alteração permite que o estado repasse mais dinheiro aos poderes desde que o governo feche o ano com superávit, ou seja, o dinheiro que “sobra” nas contas do governo depois de pagar as despesas, exceto juros da dívida pública.
De acordo com a lei, o repasse extra só pode ser feito para cumprir obrigação de lei federal ou emenda a constituição que aumente os gastos com defesa pessoal, nos quais os pagamentos de salários se encaixam.
O repasse é previsto na lei, ou seja, não é ilegal, mas o dinheiro envolvido deixa de ser usado em outros setores que poderiam afetar a população mais diretamente, como defende Cristiano Pavini, coordenador da ONG Transparência Brasil.
“O dinheiro do Executivo é finito, e quando ocorre esses repasses extraordinários, você está deixando de investir em áreas como saúde, educação, bem-estar social, e repassando para o Judiciário e Ministério Público. Eles são, claro, órgãos essenciais e estratégicos, mas nós sabemos que esses recursos não vão para a ampliação dos serviços do Judiciários e Ministério Público. Eles acabam sendo divididos para aumentar a remuneração dos seus membros e servidores sem necessariamente impactar positivamente na população”, explica.
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TJ não fala sobre destino dos recursos
Tribunal de Justiça do Paraná
Divulgação/TJ-PR
Há cerca de um mês, a RPC questiona o Tribunal de Justiça sobre o destino dos recursos. No entanto, o órgão tem negado os pedidos de entrevista.
A emissora questionou, por exemplo, se o valor extra repassado foi usado para pagar salários e benefícios de magistrados ou para algum projeto de interesse público. Perguntou também se os juízes e desembargadores estão recebendo o quinquênio – um adicional de 5% no salário a cada cinco anos.
Por meio de nota, o TJPR afirmou que todos os pagamentos de salários e passivos trabalhistas feitos pelo tribunal estão em conformidade com a constituição, leis e atos normativos do Conselho Nacional de Justiça.
O órgão, que não respondeu às perguntas da equipe, destacou ainda um reconhecimento recebido pelo CNJ.
“O TJPR recebeu, em 2023, pelo quarto ano consecutivo, o Prêmio CNJ de Qualidade Ouro sendo, atualmente, o melhor Tribunal Estadual de grande porte do país – o que atesta a eficiência dos serviços prestados aos cidadãos”, diz a nota.
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Desembargador recebeu R$ 84 mil só ‘vantagens eventuais’, não especificadas pelo órgão
Além da gratificação por tempo de serviço, por lei, os magistrado do Tribunal de Justiça têm ajuda de custo para despesas com transporte e mudança, cursos e seminários de aperfeiçoamento e estudos, diárias, representação, décimo terceiro salário, férias e gratificação de direção de fórum.
Nesta semana, o jornal Estadão revelou que entre janeiro e outubro de 2024 o Tribunal de Justiça do Paraná pagou mais de R$ 1 bilhão em indenizações e benefícios aos magistrados, incluindo quinquênio, licenças compensatórias, férias e correção de direitos trabalhistas.
Os valores são pagos com dinheiro público, do orçamento bilionário, que recebeu os repasses extras.
A folha de pagamento de alguns desembargadores, por exemplo, pode ultrapassar R$ 100 mil.
Hoje, o teto constituicional do salário de servidores públicos tem como referência o salário dos ministros do STF, que é de R$ 44 mil. O advogado Sergio Staut explica que há brechas dentro desta regra.
“Nenhum servidor público poderia ganhar mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal. Há algumas interpretações e decisões no sentido de entender que algumas verbas não se submetem ao teto constitucional”, afirma.
Segundo dados do Portal da Transparência, em junho, por exemplo, um desembargador recebeu R$ 103 mil reais líquidos: o salário, de R$ 39,7 mil, mais quase R$ 7,9 mil de indenizações, R$ 5,9 mil de vantagens pessoais e R$ 84 mil de “vantagens eventuais”.
A RPC questionou o que são, especificamente, estas vantagens eventuais e indenizações. No entanto, o tribunal não respondeu.
Em junho, o g1 fez o mesmo questionamento via Lei de Acesso à Informação (LAI) – que garante o direito constitucional de solicitar e obter informações dos órgãos e entidades públicas por qualquer pessoa.
O pedido foi feito no dia 18 daquele mês. Na resposta, que chegou 45 dias depois, o tribunal afirmou que as verbas pagas seguem regras estabelecidas pelo CNJ e que não consegue detalhar a natureza de cada valor.
Conforme o órgão, os valores dessas vantagens variam, pois “representam verbas distintas com normativas específicas”.
Decisões federais abriram caminho para repasses
Decisões federais abriram caminho para os repasses para o Tribunal de Justiça. Entre elas, o reajuste de salários e a volta do quinquênio.
Em relação aos reajustes, uma decisão aumentou em 18% os salários dos magistrados, promotores e procuradores, parcelados ao longo de três anos.
A primeira parcela, de 6%, começou a valer em abril de 2023, a segunda em fevereiro de 2024, e a expectativa é que a próxima passe a valer em fevereiro de 2025.
Já o quinquênio, que é um adicional de 5% no salário a cada cinco anos, estava suspenso por uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). No entanto, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) questionou a decisão e o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2023.
Em dezembro, o Ministro Dias Toffoli derrubou a decisão do TCU e liberou, por meio de uma liminar, o pagamento do quinquênio.
Na decisão, o ministro entendeu que o TCU não pode adotar medidas para interferir na autonomia do Judiciário.
Ele argumentou que não compete ao Tribunal de Contas da União, que é um órgão legislativo, se sobrepor à competência constitucional atribuída ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é um órgão judiciário e que fiscaliza os atos praticados pelos órgãos do poder.
No documento, o ministro defende que a interferência é um risco à independência e singularidade do Poder Judiciário. Reforça também que o CNJ havia autorizado o pagamento dos valores retroativos com juros e correção monetária do benefício desde 2006, quando ele foi extinto.
A decisão de Toffoli foi monocrática, ou seja, proferida por apenas um magistrado. Ela pode ser alterada por outros ministros a qualquer momento.
Atualmente, o caso é analisado pela Segunda Turma do STF. No fim de junho, depois de pedir vista – mais tempo para analisar o processo –, o Ministro Gilmar Mendes, o liberou para julgamento.
No entanto, a data ainda não foi marcada. Enquanto isso, os magistrados podem continuar a receber os pagamentos retroativos, que têm um impacto de quase R$ 1 bilhão anualmente aos cofres públicos do Brasil.
Pagamentos de vantagens e benefícios pautam campanha
Candidatos à presidência do TJPR
RPC
De acordo com Estadão, somente em outubro, às véspera das eleições que definirão o novo presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, o Judiciário autorizou o pagamento de R$ 27 milhões a juízes e desembargadores, com a gratificação por acúmulo de função e adicional por tempo de serviço.
As informações estão detalhadas num documento assinado pelo chefe de divisão financeira, ao qual o jornal teve acesso.
O jornal revelou também que o pagamento de vantagens e benefícios legais aos desembargadores estão pautando a campanha para a eleição do novo presidente, prevista para a próxima segunda-feira (11).
São quatro candidatos: os desembargadores Lídia Matiko Maekima, Joeci Machado Camargo, Jucimar Novochadlo e Ramon de Madeiros Nogueira.
O atual presidente, o desembargador Luiz Keppen, não concorre à reeleição, mas apoia a candidatura de Nogueira.
Em meio a disputa, o presidente enviou mensagens de textos aos magistrados informando a liberação de pagamentos.
“Salve! Como recebemos sinalização positiva de setores do governo comunico, em caráter restrito, que, atendendo a requerimento da AMAPAR (Associação dos Magistrados da Paraná), autorizei, para amanhã cedinho, a quem tem direito, o pagamento de passivos trabalhistas da magistratura”, escreveu Keppen.
O desembargador Luiz Keppen enviou mensagens sobre a liberação de pagamentos
RPC
O Tribunal não informou o que seria a “sinalização positiva de setores do governo” citada na mensagem.
Disse que os valores divulgados são referentes a mais de 12 mil pessoas, relativos a salários, encargos e passivos trabalhistas, e que foram reconhecidos por decisões superiores e estão em conformidade com a Constituição, as leis e o CNJ.
Além disso, segundo o órgão, evitam juros e correção monetária, têm previsão orçamentária e constam nas propostas de todos os candidatos à Presidência do TJPR, decorrentes de sinalizações positivas da economia de nosso Estado.
O que diz o MP sobre os repasses
Ministério Público do Paraná
RPC
O Ministério Público falou sobre dois repasses. De acordo com o órgão, R$ 106 milhões se referem a recursos que eram originalmente do MP, mas que estavam alocados no Paraná Previdência.
“O valor foi repassado pelo Executivo ao MPPR em rezão do superávit financeiro, não impactando o orçamento da instituição”, afirma.
O órgão citou também um repasse extraordinário de R$ 28 milhões e afirmou que usou o dinheiro para pagamento direto da folha.
Segundo o MP, um reajuste de 6% foi dado ao procurador-geral da República, o que reflete nos salários dos promotores e procuradores do estado. Além disso, afirmou que o repasse está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Assim como os juízes do Tribunal de Justiça, os promotores do Ministério Público recebem a bonificação por tempo de trabalho, chama de quinquênio.
Conforme o órgão, o pagamento acompanha parâmetros legais estabelecidos nacionalmente e que menos da metade dos membros ativos têm direito ao pagamento.
“Todos os gastos são suportados por orçamento próprio da instituição e atendem aos limites de despesa total com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, esclarece o MP.
O órgão reforça também que o aumento de salário com o quinquênio deve respeitar o teto remuneratório, ou seja, não pode passar do teto constitucional de R$ 44 mil.
O contracheque de promotores, disponíveis no Portal da Transparência do MP, a remuneração do cargo é, em média, R$ 39 mil. Há também os pagamentos de verbas remuneratórias legais e judiciais, abono de permanência, remunerações temporárias e verbas indenizatórias.
Em junho, o holerite de alguns procuradores passou dos R$ 50 mil mensais.
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