Crianças ucranianas levadas para a Rússia: evento em Brasília alerta para violação de direitos na guerra


Pelo menos 19.546 crianças foram deportadas à força para Rússia, segundo organização da Ucrânia. Seminário internacional ocorre nesta terça (6), na capital brasileira. Os irmãos Serhii e Ksenia, que moravam na região de Kharkiv, foram separados pela guerra.
Bring Kids Back UA/ Divulgação
Adotado ilegalmente por uma família russa: este é o caso de Serhii, uma criança ucraniana de 11 anos. Em 2022, depois do início da guerra, o menino foi separado da irmã e levado para um “campo de reeducação” em Krasnodar, no sul da Rússia e perto da fronteira com a Ucrânia, segundo a organização Bring Kids Back UA, criada em 2023 pelo governo ucraniano para resgatar crianças e adolescentes no território russo.
Ksenia, a irmã de Serhii também foi deportada para a Rússia, para uma escola técnica. No entanto, ela conseguiu retornar à Ucrânia trazendo junto o irmão Serhii.
Esta história não é única, conforme Dmytro Lubinets, que participa de seminário internacional em Brasília, nesta quarta (6), sobre violação dos direitos de jovens em situação de guerra (veja mais abaixo). Em entrevista ao g1, ele conta que pelo menos 19.546 crianças e adolescentes foram vítimas da deportação ilegal para a Rússia.
O dado é da organização Bring Kids Back UA. Mas, segundo o comissário de Direitos Humanos, os números contabilizam apenas as crianças que estavam no território controlado pela Ucrânia, sem contar as áreas ocupadas pela Rússia. Ou seja, o comissário diz que o número pode ser ainda maior.
“Nos territórios ocupados pelos russos, vivem 1,5 milhões de crianças ucranianas. A deportação ilegal de crianças começou ainda em 2014, com a invasão da Crimeia [ território ucraniano anexado pela Rússia desde 2014]”, diz Dmytro Lubinets.
👉 Em março de 2023, juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiram mandados de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, e para a Comissária para os Direitos da Criança da Rússia, Alekseyevna Lvova-Belova, por crimes de guerra em áreas ocupadas na Ucrânia.
O TPI considerou que os dois acusados são responsáveis pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia.
Como ocorre o sequestro de crianças, segundo a Bring Kids Back UA
Soldados e representantes do governo russo ocupam regiões da Ucrânia
Entrevistas são feitas com os moradores locais com a divisão entre mulheres, homens e crianças
Crianças vão para “campos de reeducação” na Rússia e depois para instituições de órfãos
Nestes locais, a certidão de nascimento e o passaporte são adulterados ou novos são feitos
Depois são adotados por uma família russa
Ao g1, Arsenii Pushkarenko, membro do parlamento ucraniano e diretor da Comissão Interparlamentar entre Ucrânia, América Latina e Caribe, que também está em Brasília, disse que muitas crianças deportadas ilegalmente têm a sua identidade ucraniana apagada.
“É um crime de guerra quando a identidade de um humano é apagada por diferentes mecanismos, com a mudança de nome e sobrenome, com obtenção de outro passaporte, por meio de uma adoção forçada. Se quer apagar a identidade ucraniana, começando pelas crianças”, diz Arsenii Pushkarenko.
Mesmo com provas, informações dos pais, pedidos e ajuda de ONGs e mediadoras internacionais, não há confirmação de que as crianças vão retornar à Ucrânia, diz Dmytro Lubinets.
“Esse é o nosso maior desafio. Nos campos, o governo russo muda os documentos das crianças ucranianas – certidão de nascimento e passaportes – eles mudam as informações desses documentos. Por exemplo, o nome do garoto deportado é Dmytro, na Rússia, eles mudam para Dmitri. Quando mandamos ao governo russo o pedido para o retorno da criança para a Ucrânia, a resposta é que não há nenhum Dmytro”, diz Dmytro Lubinets.
O que acontece com crianças deportadas ilegalmente para a Rússia?
Denys, criança ucraniana levada para sanatório na Crimeia.
Divulgação/Bring Kids Back UA
As crianças deportadas ilegalmente passam pelo “campo de reeducação” por um período que varia de duas semanas a dois meses, segundo o comissário de Direitos Humanos do Parlamento da Ucrânia Dmytro Lubinets. Neste local, elas são expostas à propaganda da Rússia, ou seja, muitas estudam de acordo com a visão do governo russo, onde aprendem que a Ucrânia não existe, que a cultura e história ucranianas não são reais, denuncia o comissário.
Em 2022, Denys, de 17 anos, morador de Kherson na Ucrânia, foi enviado para um sanatório na Crimeia, território ucraniano anexado pela Rússia desde 2014. No local, segundo o jovem, ele enfrentou pressão psicológica e propaganda russa.
Ele disse que foi informado que a Ucrânia pertence à Rússia e que se ele tivesse algum símbolo ucraniano com ele, seria punido. O jovem, que tem diabetes, teve sua medicação e o acesso ao médico negados, segundo a Bring Kids Back UA.
Depois, ele foi enviado para uma escola técnica e coagido para obter o passaporte russo. Em 2023, o jovem conseguiu contatar voluntários ucranianos e depois de 10 meses de separação, reencontrou seus pais.
De acordo com o comissário de Direitos Humanos do Parlamento da Ucrânia Dmytro Lubinets, a deportação de crianças e jovens é uma forma que a Rússia encontrou para continuar a invasão ao território ucraniano.
“A Rússia quer usar essas crianças em futuros conflitos. O mesmo que vemos na Crimeia. A Rússia ocupou a Crimeia e neste período, muitas crianças cresceram e a Rússia mobilizou esses jovens para o exército russo e usaram essas crianças em conflito armado contra a Ucrânia”, afirma Dmytro.
Uma análise da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, divulgada em fevereiro de 2023 e corroborada por investigações jornalísticas e governamentais, revelou que:
Algumas das crianças foram adotadas por famílias russas, ou enviadas para um orfanato na Rússia.
Grande parte dos jovens foram encaminhados para “campos de reeducação” onde estudam de acordo com a visão do governo russo sobre a cultura nacional, história e sociedade.
Em alguns casos, jovens de até 14 anos estavam recebendo treinamento militar. Não há evidências de que eles tenham sido enviados para combate.
👉 Há crianças resgatadas? Segundo Dmytro Lubinets, comissário de Direitos Humanos do Parlamento da Ucrânia, até o momento, 1002 crianças ucranianas foram resgatadas da Rússia com ajuda de Organizações Não Governamentais (ONGs).
Direitos das crianças na guerra
Crianças ucranianas deportadas ilegamente para a Rússia.
Divulgação/Bring Kids Back UA
De acordo com a organização Bring Kids Back UA, 555 crianças morreram no território ucraniano durante a guerra. A mais nova, foi um bebê de 2 dias, atingido por um míssil russo em um hospital. Outras 15 crianças ucranianas foram vítimas de abuso sexual.
De acordo com Dmytro Lubinets, não há um sistema de proteção das crianças na Ucrânia, já que estão em meio à guerra. “Todo o território da Ucrânia, durante o dia e durante a noite, está sendo atacada por mísseis, drones e bombas russas, não é possível proteger ninguém”, diz.
“Estamos enfrentando uma crise nas organizações internacionais, Rússia desrespeita lei humanitária internacional, diretrizes da ONU, Convenção de Genebra e nenhuma organização se pronuncia sobre ou toma alguma atitude”, diz Dmytro Lubinets.
Para falar sobre a situação das crianças da Ucrânia, o seminário internacional “Direitos Humanos de Crianças e Jovens em Situação de Guerra”, organizado pelo Bring Kids Back Ua, conta com a palestra de Dmytro Lubinets, comissário de Direitos Humanos do Parlamento da Ucrânia. O evento é gratuito e ocorre na quarta-feira (6) na Unidade Asa Sul da Casa Thomas Jefferson (veja abaixo como se inscrever).
Além da palestra, intervenções artísticas como flash mobs foram realizados em pontos da cidade de Brasília, como Setor Bancário Sul, Rodoviária e Setor Comercial Sul para alertar sobre a violação dos direitos das crianças e jovens em situação de guerra.
Seminário internacional ‘Direitos Humanos de Crianças e Jovens em Situação de Guerra’
Quando: quarta-feira (6), às 08h30
Onde: Casa Thomas Jefferson, Unidade Asa Sul, Brasília
Inscrições: gratuitas, clique aqui
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