O relato dos motoristas dos ônibus atacados por uma torcida organizada do Palmeiras

O Fantástico mostra o planejamento do ataque da Mancha Alviverde à Máfia Azul. A reportagem traz a investigação do caso e ouve o relato de quem não tinha nada a ver com a rixa e viveu momentos de terror. Como foi planejada a emboscada da torcida Mancha Alviverde contra os rivais da Máfia Azul
O Fantástico deste domingo (5) mostra como a torcida organizada palmeirense Mancha Alviverde planejou o ataque à Máfia Azul, de torcedores do Cruzeiro.
A emboscada ocorreu há uma semana na Via Dutra, rodovia que liga São Paulo e Rio de Janeiro. José Victor Miranda, torcedor do Cruzeiro, foi morto. Outros 17 ficaram feridos.
Oito palmeirenses tiveram a prisão decretada, entre eles o presidente da Mancha, Jorge Luiz Sampaio Santos. Um deles foi preso.
A reportagem do Fantástico traz detalhes da investigação e os relatos de dois motoristas de ônibus que não tinham nada a ver com a rixa das torcidas e viveram momentos de terror na Via Dutra, rodovia que liga São Paulo e Rio de Janeiro, há uma semana.
Fabrício e Lucas voltavam de Curitiba para Minas Gerais levando um grupo da Máfia Azul, que tinha ido ao jogo do Cruzeiro contra o Athlético Paranaense.
Eles foram atacados no estado de São Paulo, no município de Mairiporã, pouco depois de cruzar o pedágio da rodovia Fernão Dias.
“Eu estava na direção, né, do primeiro veículo. O companheiro meu, o Lucas, estava na direção do outro ônibus”, diz Fabrício.
Lucas conta que viu quatro carros parados. “E na hora que eu já vi, eu achei algo estranho”, diz.
“Abaixei próximo ao volante ali, eles quebravam parabrisa, quebraram a janela, no ônibus, lateral ali”, diz Fabrício.
“Já estava desesperado. que eu não conseguia ver ele mais. O fogo tomou uma proporção assim, foi de segundos”, conta Lucas.
O crime, segundo a polícia, foi executado por cerca de 150 pessoas da Mancha Alviverde. Imagens mostram o grupo reunido, num local perto da estrada pouco antes do ataque.
“Chegaram quebrando, teve até um torcedor que tomou uma barrada de ferro na cabeça do meu lado”, conta Lucas.
Lucas era o motorista de um ônibus que foi incendiado. Ele e os passageiros conseguiram escapar do incêndio, alguns pela janela.
Fabrício estava em outro ônibus, que não chegou a pegar fogo, mas foi atingido por rojões. Ele é um dos sócios da empresa que alugou os veículos para os cruzeirenses e nem deveria ter ido trabalhar. Mas, na última hora, a torcida organizada do Cruzeiro fretou o segundo ônibus e Fabrício teve que fazer a viagem.
“A gente via pessoas vindo correndo em direção. Imaginava que poderia ser briga de torcida. mas a gente queria sair, sair com vida do local ali”, lembra Fabrício.
Lucas voltou ao trabalho ontem. Levou um grupo de romeiros até a catedral de Aparecida, no interior de São Paulo. E aproveitou para agradecer por ter escapado com vida do ataque dos palmeirenses.
Ele conta que usava, por baixo do uniforme, uma blusa com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.
José Victor Miranda estava num dos ônibus da Máfia Azul. Antes de viajar tinha deixado um recado para a mãe, Jaqueline.
José : “Mãe, deixei 100 reais aqui em cima da tv. Eu tô indo pra Curitiba. Devo chegar aqui só no domingo à noite. Fica com Deus.
Mãe – Fica com Deus você também.
Foram as últimas palavras que trocaram. Os criminosos que armaram a emboscada espancaram José, e ele morreu no hospital.
Dezessete torcedores ficaram feridos, dois em estado grave. Os motoristas Fabrício e Lucas escaparam. Mas foi por pouco.
” Os torcedores vieram em mim com barra de ferro para bater. Abri, mostrei o meu uniforme, mandaram encostar. Falaram: no motorista a gente não quer bater.”
Esse é o capítulo mais recente do histórico de décadas de violência entre torcedores da Mancha Alviverde e da Máfia Azul.
Nos últimos anos, outros casos de violência entre as duas torcidas organizadas ganharam destaque. O de maior repercussão foi em outubro de 2022 também na rodovia Fernão Dias, mas em Minas Gerais. Quatro pessoas ficaram gravemente feridas.
O presidente da Mancha Alviverde, Jorge Luís Sampaio foi espancado. Integrantes da Máfia Azul ainda roubaram um documento dele. Desde então, quando há jogo entre as duas equipes, fazem vídeos provocativos mostrando o RG de Jorge Luís. O ataque do último domingo teria sido uma vingança da Mancha.
Jorge Luís Sampaio passou a ser investigado como mentor da emboscada da semana passada.
A análise dos vídeos do ataque, de câmeras de segurança e de radares rodoviários, ajudou a polícia a identificar outros envolvidos – todos membros da Mancha Alviverde.
A reportagem juntou essas imagens com o mapa da região da cidade de Mairiporã e mostra como foi a movimentação dos agressores. A polícia diz que um homem de roupa camuflada é Felipe Matos dos Santos.
A poucos metros dali, o carro que passa pelo radar pertence a Aurélio Andrade de Lima. Outro carro passa por alguns radares na madrugada, no último registro, está numa via próxima ao pedágio e ao local do conflito. Ele está em nome da mulher de Neilo Ferreira e Silva.
Outros dois homens aparecem em imagens gravadas durante a confusão: Leandro Gomes dos Santos e Henrique Moreira Lelis. Os cinco são ligados ao presidente da torcida organizada, Jorge Luís.
Na sexta-feira, a polícia prendeu Aleksander Tancredi, da Mancha Alviverde. Ele já foiindiciado por homicídio, organização criminosa e lesão corporal.
Jeovan Patini e outros seis investigados também tiveram o pedido de prisão decretado e vão responder pelos mesmos crimes.
Já a torcida Mancha Alviverde foi proibida de frequentar os estádios de São Paulo por tempo indeterminado.
Os advogados da torcida e de cinco dos suspeitos disseram em nota que até o momento não tiveram acesso ao inquérito e que isso é uma afronta ao estado de direito. A reportagem não conseguiu contato com as defesas de Neilo Pereira, Jeovan Patini e Henrique Moreira Lelis.
O motorista e sócio da empresa perdeu o ônibus queimado, que não estava quitado. Ele e Lucas se revezaram ao volante para levar o outro ônibus de volta para Minas Gerais. Usaram capacete, já que o para brisa tinha sido destruído.
Para a família de José, a dor é bem mais profunda. “Eu não quero vingança, eu quero justiça”, diz a mãe dele. “E que não fique nas estatística. Seja só mais um. Porque não foi o primeiro e se não parar não vai ser o último. ”
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