Tarcísio de Freitas, um governador inocente e sem malícia

Foi assim em 1989, na véspera do dia da primeira eleição direta para presidente em segundo turno (Collor x Lula) depois do fim da ditadura militar de 64: a polícia paulista informou que os sequestradores do empresário Abílio Diniz, recém-libertado, eram ligados ao PT, e que camisetas e cartazes do partido haviam sido encontrados no local onde Diniz esteve preso.

A notícia espalhou-se pelo país por meio de jornais e de emissoras de rádio. O ministro da Justiça desmentiu-a. Mas quanto a mentira custou a Lula em número de votos, não se sabe, nunca se soube. Como nunca se saberá quantos votos poderá ter perdido Guilherme Boulos (PSOL) com a notícia de que setores do crime organizado recomendaram o voto nele para prefeito de São Paulo.

O portador da notícia foi o governador Tarcísio de Freitas, bolsonarista de quatro costados que posa de direita civilizada. Segundo a Folha de São Paulo, ele não apresentou provas do que disse. Mas nem a Folha, nem outros veículos de comunicação, se negaram a publicá-la. A licença para ferir ou matar agora é assim: você escreve “sem apresentar provas”, e passa a notícia adiante.

Aconteceu em 2018 com o kit-gay que beneficiou Bolsonaro na reta final do segundo turno contra Fernando Haddad (PT). Não lembro de termos nos referido a ele como “suposto kit-gay”. Antes de publicar, cabe à imprensa, supostamente séria, investigar uma suposta mentira ou uma eventual verdade. O kit-gay foi uma mentira como tantas outras publicadas à época.

Deu-se crédito a supostos comunicados de facções criminosas só porque um governador de Estado os divulgou. Os ditos comunicados foram apreendidos em setembro. A justiça de São Paulo não foi informada a respeito, nem a Polícia Federal. Mas indagado sobre a existência dos comunicados sem assinatura, cuja autoria sua polícia sequer investigou, Tarcísio falou sobre eles.

O que pretendeu com isso? Favorecer seu candidato a prefeito de São Paulo e prejudicar Boulos? Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, não precisava de tal ajuda. Estava a poucas horas de ser reeleito, e Tarcísio sabia. Diante da má repercussão do seu gesto, Tarcísio disse que lhe faltou “malícia”, “experiência” e desculpou-se. Tadinho dele. Aprendendo com as lições que a vida lhe oferece.

O que fará a justiça? Nada, ora. Quanto aos habituais cúmplices de mentiras que caracterizam abuso de poder entre outros crimes, esses dirão, como já começaram a dizer desde ontem para salvar a própria face, que terá sido algo “muito grave” caso se confirme que a manobra sórdida de Tarcísio teve o claro propósito de influir nos resultados da eleição. Como se prova uma intenção?

Viva, pois, a democracia, a imprensa responsável, a justiça que se finge de cega quando lhe é conveniente e o direito à mentira assegurado pela Constituição.

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