Em crise, Argentina sofre com pirâmides financeiras e tem denúncias em massa


Esquema já enganou entre 15 e 20 mil moradores de San Pedro, um pequeno município do país. Notas de peso, a moeda argentina.
Natacha Pisarenko/AP
O que dois atores poloneses, uma cidade possivelmente fraudada e uma série de streaming têm em comum? Todos estes são sintomas da “ponzidemia” sofrida pela Argentina, propensa a esquemas de pirâmide em meio a uma crise econômica prolongada.
Um dos casos de maior repercussão ocorreu em San Pedro, a 170 quilômetros ao norte de Buenos Aires, onde cerca de 30% da população de 70 mil habitantes investiu na plataforma RainbowEx, que garantia rendimentos diários de 2% em dólares através de criptomoedas.
Dois diretores da RainbowEx deram uma coletiva em um luxuoso hotel de Buenos Aires, mas o programador e especialista em TI Maximiliano Firtman descobriu que ambos eram atores poloneses que fingiam ser executivos americanos e os expôs na rede social X (antigo Twitter) no início de outubro.
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O suposto “esquema Ponzi” estampou manchetes de jornais, e “a chinesa”, uma suposta financiadora de identidade desconhecida que “assessorava” os usuários no Telegram, virou meme.
A Justiça abriu uma investigação por esquema de pirâmide, na qual os investidores mais recentes financiam os falsos benefícios de seus antecessores, e duas pessoas foram indiciadas.
A empresa, então, congelou os fundos e exigiu US$ 88 (R$ 481, na cotação atual) de seus usuários para retirá-los. Muitos pagaram, mas não receberam o que foi prometido.
O advogado Suárez Erdaire representa 100 pessoas “lesadas” pela RainbowEx. “E muitos mais estão se somando, estão vindo até mim de todo o país”, disse ele. “Fala-se de um golpe de US$ 49 milhões” (R$ 268 milhões), acrescentou.
O prefeito de San Pedro, Cecilio Salazar, disse à Rádio 10 que entre 15 e 20 mil moradores da cidade investiram na plataforma.
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‘Ponzidemia’
“Existe uma epidemia porque não caiu só esta, três ou quatro caíram ao mesmo tempo”, disse Firtman à AFP.
Este mês, fraudes em massa também foram denunciadas nas localidades de Esquel (Chubut, sul) e Casilda (Santa Fé, centro), ambas por outra plataforma chamada Peak Capital.
Outro caso, o da holding Generación Zoe, atingiu patamares tão inusitados que ganhou documentário em uma plataforma de streaming.
Seu líder, Leonardo Cositorto, assumiu um discurso “coaching” que atraiu milhares de investidores na América Latina e na Espanha, até ser preso em 2022. Atualmente, enfrenta vários julgamentos por fraude.
“Eles se aproveitam do momento de crise. As pessoas estão necessitadas e muitas não entendem de criptomoedas”, disse.
A economia argentina atravessa uma forte recessão, com uma inflação de 209% em termos anuais e mais da metade da população na pobreza.
A crise afeta especialmente os jovens: 60,7% das pessoas entre os 15 e 29 anos são pobres, segundo dados oficiais.
Na quarta-feira (23), foi divulgado um vídeo falso em que o astro argentino Lionel Messi supostamente diz que pode converter US$ 75 em US$ 2 mil em uma semana e convida pessoas para participar de um grupo do Telegram.
“Vivemos em sociedades onde há o aumento da incerteza o tempo todo. E certas pessoas que criam estes aplicativos de fraude de pirâmide, manipulam esta incerteza para tirar vantagem do capital financeiro”, diz o sociólogo Ezequiel Gatto, especialista em tecnologias digitais.
Para ele, existe uma “gamificação” do dinheiro, onde as interfaces passam a simular um jogo.
“Esta relação entre dinheiro e videogame é muito importante também para ver por que os jovens fazem uma transição bastante simples dos videogames para a especulação financeira ou jogos de azar”, explicou.
Em 2021, o então deputado e hoje presidente, Javier Milei, promoveu a plataforma CoinX, que oferecia lucros de 8% ao mês em dólares e hoje também é investigado por suposto golpe.
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