Entenda importância de fazenda centenária usada para pesquisa que pode ter parte vendida pelo Governo de SP


Fazenda Santa Elisa abriga campos experimentais de referência internacional do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Governador afirma que áreas utilizadas em pesquisas devem ser mantidas. Fazenda usada para pesquisa há 137 anos pode ter parte de área vendida pelo governo de SP
A possibilidade de venda de parte da Fazenda Santa Elisa, localizada em Campinas (SP), mobilizou entidades ligadas à ciência após o Governo de São Paulo confirmar que avalia a viabilidade de reverter parte da propriedade para outros fins.
No local funcionam campos experimentais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Segundo a instituição, a área é de aproximadamente 700 hectares, onde são realizados experimentos para desenvolvimento de culturas como feijão, amendoim, café, mandioca, batata, entre outros.
“Ali está a memória da modernização agrícola do estado de São Paulo até os dias de hoje. Existem plantações e amostras de variedade de café, que eles estão acompanhando ano a ano para ver como eles envelhecem, como eles resistem a pragas. Então a Fazenda Santa Elisa é uma memória viva da agricultura”, explicou Marcos Tognon, arquiteto, urbanista e professor livre docente da Unicamp.
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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ressaltou que as áreas utilizadas em pesquisas devem ser mantidas, mas o que for considerado subutilizado pode ser revertido, por exemplo, para a construção de empreendimentos habitacionais.
“Não dá para ficar se apegando à área, patrimônio. Isso é uma lógica meio patrimonialista. Então, tem áreas importantes para a pesquisa? Vamos ver. Qual é a área que, de fato, é importante para a pesquisa? Vamos manter a área importante para a pesquisa e o resto, vamos vender”, afirmou.
Para entender o que é a Fazenda Santa Elisa e a importância histórica do local na pesquisa de tecnologias agrícolas do Brasil, o g1 conversou com alguns pesquisadores:
Américo Baptista Villela, historiador no Museu da Cidade de Campinas;
Marcos Tognon, arquiteto, urbanista e professor livre docente da Unicamp;
Roseli Buzanelli Torres, botânica aposentada e ex-curadora do Herbário IAC, atual 2ª secretária da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).
Entenda importância de fazenda centenária usada para pesquisa que pode ter parte vendida pelo Governo de SP
Reprodução EPTV
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☕ A Fazenda Santa Elisa
Roseli Buzanelli explica que a Santa Elisa é um centro experimental para a pesquisa agronômica que abriga coleções de plantas vivas, como o banco de germoplasma do café, cultura que vem sendo estudada há décadas pelos pesquisadores da instituição.
Dentro dela funcionam sete centros de pesquisa com diversos laboratórios e áreas experimentais, e neles existem cerca de cinco mil plantas de diferentes tipos de café, muitas delas consideradas raras e em extinção.
Buzanelli contou que o local também abriga um complexo botânico com expressiva coleção de árvores e palmeiras. Além de remanescentes do cerrado, nascentes, córregos e um remanescente de mata nativa protegido por tombamento.
A APqC levantou que a área que pode ser vendida corresponde a 70 mil metros quadrados, 1% do total do terreno pertencente ao instituto.
No entanto, o g1 questionou o Estado, que não confirmou as dimensões e afirmou que ainda está realizando estudos para avaliar a viabilidade de venda de áreas pertencentes à Secretaria de Agricultura e Abastecimento.
Campo experimental na Fazenda Santa Elisa na década de 1910, Campinas
CMU/Unicamp
🕰️ Campo de pesquisa histórico
Segundo Marcos Tognon, quando o Instituto Agronômico de Campinas foi fundado pelo Imperador Dom Pedro II, em 1887, o objetivo era criar uma instituição capaz de modernizar a cultura do café no Brasil. A Fazenda Santa Elisa passou a ser o laboratório prático da inovação do café em 1898.
“Permitiu fazer com que São Paulo fosse o maior exportador de café do mundo durante três décadas, praticamente até a década de 30”, conta.
A partir da crescente convergência de pesquisadores, o IAC criou uma pós-graduação que fomentou a implementação de grandes inovações e descobertas e permitiu avanços técnicos e tecnológicos para diferentes culturas.
“A Santa Elisa passou a ser um laboratório de todas essas experiências, em todas as áreas, não só do café, como viveiros de plantas ornamentais, por exemplo. Então a Santa Elisa é o lugar ideal para fazer as experiências práticas do IAC”, diz.
O instituto serviu como modelo para a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973.
“A fazenda é uma memória, e aí eu acho que a palavra ‘viva’ é fundamental. A memória viva da agricultura, da revolução agrícola do estado de São Paulo”, afirma.
Campo experimental na Fazenda Santa Elisa na década de 1910, Campinas
CMU/Unicamp
🏞️ Impacto ambiental
A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA) afirmou, em nota, que as áreas de pesquisa serão preservadas. A diretoria geral do IAC diz ter estabelecido compromisso com a pasta para que as áreas de pesquisa não sofram interferência.
Os pesquisadores entrevistados apontaram outros problemas relacionados ao parcelamento e venda do terreno, que tocam na questão ambiental.
“Perder esse território representa a possibilidade de um ataque às pesquisas, assim como o risco de um passivo ambiental”, aponta Américo Baptista Villela, historiador no Museu da Cidade de Campinas.
Já para Tognon, a Santa Elisa é fundamental para o equilíbrio hidrológico da cidade. “Afinal, Campinas depende muito da água de subsolo, então imagina urbanizar aquela área. É totalmente na contramão de tudo. É contramão aos negócios do agro, é contramão à pesquisa, é contramão ambiental”.
A Fazenda Santa Elisa abriga campos de experimentos de referência internacional ligados ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Reprodução EPTV
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